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Descrição de chapéu greve

Universidades Federais: Patrimônio do Brasil

Artigo apresenta evidências diferentes dos dados do editorial da Folha de S.Paulo.

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São Paulo
Imagem retrata um muro em péssimo estado de conservação
Meyrele Nascimento/SoU_Ciência

No último dia 21de abril, a Folha de S.Paulo publicou um editorial criticando as universidades federais. Ancorado em um conjunto de dados questionáveis, o editorial visava argumentar que essas instituições têm um "modelo custoso, de baixo incentivo à eficiência e socialmente injusto". Apresentamos, a seguir, argumentos e dados que refutam essa ideia.

Intitulado "Greve expõe distorções nas universidades", o editorial começa afirmando que "chama atenção a inexistência de movimentos do tipo [greve] sob Jair Bolsonaro". No entanto, a realidade mostrou o contrário. O país acompanhou manifestações nas ruas de diversas cidades, nas quais universidades, professores e estudantes protestaram contra aquele governo, a exemplo do ocorrido em maio de 2019, em resposta à acusação de "balbúrdia" e cortes orçamentários. Lamentavelmente, entre os anos 2020 e 2022, vivemos a pandemia da covid-19, que assolou nossas gerações, uma grave doença que nossas universidades combateram de maneira destemida.

Apesar da perda salarial, de 26%, dos servidores públicos nos últimos quatro anos e do sucateamento das universidades federais sob o governo Bolsonaro, evidenciados no Painel do Financiamento do SoU_Ciência, essas instituições salvaram vidas e criaram soluções e ações de enfrentamento à covid-19, atendendo ao interesse de milhões de brasileiros em todos os cantos do país. Conforme se verifica no Painel das Universidades em Defesa da Vida, foram inúmeras pesquisas, que resultaram no desenvolvimento de testes, vacinas, fármacos, tecidos respiradores, álcool em gel, tratamentos em hospitais universitários e telessaúde, entre tantas outras respostas.

O editorial ainda afirma que "a despesa anual por aluno nas universidades públicas no Brasil chega a USD 14.735 [R$ 75.424,04]", valor próximo ao registrado nos países da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), dado retirado da tabela C.12 do relatório Education at a Glance 2023. Entretanto, omite a nota metodológicada própria OCDE que aponta as dificuldades de comparar os dados da tabela C.12 entre os países. Também chama atenção a enorme diferença do valor apresentado pelo Ministério da Educação: R$ 20.649,52 para o custo corrente por aluno equivalente em tempo integral médio em todas as universidades federais, bem abaixo do apontado pela OCDE. Vale lembrar, ainda, que os custos com a folha de pagamento de universidades federais incluem aposentados, pensionistas e milhares de servidores que atuam nas 69 universidades federais brasileiras e nos mais de 40 hospitais universitários.

As universidades federais tiveram uma grande expansão durante as administrações petistas anteriores, que o editorial menciona para indicar que, atualmente, professores e técnicos administrativos representam "mais de metade dos servidores civis do Poder Executivo Federal (237,2 mil de um total de 443,5 mil)". No entanto, os dados do Sistema Integrado de Administração de Recursos Humanos (Siape) indicam que as universidades federais contam com 197.337 servidores do quadro ativo permanente: são 2.388 professores da Educação Básica, Técnica e Tecnológica, 86.446 professores do magistério superior e 108.503 Técnicos Administrativos em Educação. A diferença entre os números do editorial e do Siape é significativa, de quase 40 mil servidores.

Por outro lado, se os servidores das 69 universidades federais representam 44,5% de todos os civis vinculados ao Poder Executivo Federal, seus salários representaram apenas 19,2% do total liquidado nesse orçamento em 2023. Ou seja, um exército de pessoas dedicadas ao ensino, à pesquisa, à extensão e à saúde, que recebem muito pouco proporcionalmente. Em outro ponto do editorial, menciona-se o engessamento de recursos, argumentando que "84,6% são despesas obrigatórias com pessoal". O fato é que esse dado inclui os gastos com servidores inativos das universidades federais – cerca de 30% destinam-se aos aposentados e pensionistas. No entanto, esse percentual não deveria ser computado no orçamento das universidades, mas, sim, deslocados para o instituto de previdência social responsável.

Em 2022, as universidades federais brasileiras tiveram 1.108.512 matrículas na graduação e 243.545 matrículas na pós-graduação (mestrado e doutorado). Parte desses estudantes comporá o quadro dos novos pesquisadores e cientistas de nosso país e, para mostrar a importância dessa formação, lembramos que, entre os 20 maiores depositantes de patentes de invenção junto ao Instituto Nacional de Propriedade Industrial (INPI) em 2023, 15 foram universidades públicas.

Buscando realizar um cálculo da relação aluno-professor (RAP), temos que as universidades federais têm, em média, 16 matrículas por professor do magistério superior, valor alinhado às boas práticas internacionais e próximo ao estabelecido na Meta 12 (estratégia 12.3) do Plano Nacional de Educação. Ou seja, não é verdade que temos um desequilíbrio entre a quantidade de professores e estudantes.

Na opinião da Folha de S.Paulo, as universidades ganhariam com "um sistema de financiamento que incorporasse recursos privados, em particular dos estudantes mais abonados". Porém, a medida não resolveria o custeio das universidades, visto que, segundo a Associação Nacional dos Dirigentes das Instituições Federais de Ensino Superior (ANDIFES), em 2018, 70,2% dos estudantes das universidades federais vinham de famílias com renda igual ou inferior a 1,5 salário mínimo per capita. A Universidade de São Paulo (USP) mostrou que a eventual cobrança de mensalidade de seus estudantes não cobriria um décimo de seu orçamento.

Vale lembrar que países que iniciaram a cobrança de mensalidades nas universidades públicas foram progressivamente dependendo dessa fonte e aumentando o ônus e o endividamento dos estudantes e de suas famílias. No Chile, o maior problema social, há décadas, tem sido o endividamento estudantil e, nos EUA, ele já alcançou mais de 1,5 trilhão de dólares e foi considerado impagável.

Por fim, o editorial sugere que as universidades incorporem recursos privados, mas não faz referência à Lei do Bem (Lei n. 11.196/2005) que permite às pessoas jurídicas usufruírem incentivos fiscais ao realizarem investimentos em "pesquisa tecnológica e desenvolvimento de inovação tecnológica contratados no país com universidade". No entanto, não temos visto grandes investimentos da iniciativa privada, mesmo com a possibilidade de isenção fiscal.

As universidades públicas são patrimônio brasileiro e têm resistido ao tempo, a diferentes governos, à opressão, aos cortes orçamentários e às crises. Continuam formando profissionais altamente qualificados e produzindo conhecimento – o que ainda nos permite sonhar com uma nação menos dependente e mais democrática. É preciso conhecer mais para também protegê-las e permitir que continuem servindo à nossa população, auxiliando a superar as imensas desigualdades brasileiras e nossa crônica dependência externa.

Maria Angélica Minhoto , Soraya Smaili , Pedro Arantes e Com a colaboração de Weber Tavares da Silva Jr

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