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Seis razões para preocupar-se com Cuba

Crise econômica na ilha se agrava, e destruição causada por furacão inflama ânimos

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Buenos Aires

Cuba entrou numa nova fase de turbulências e incertezas, com descontentamento sendo expressado nas ruas, a repressão atuando forte e a crise econômica degradando ainda mais a qualidade de vida dos cubanos, que voltam a migrar em grande volume. Os protestos, desta vez, não são como os de 11 de julho de 2021, massivos, mas têm ocorrido de modo regular e diluído, nos grandes e pequenos centros, animados por grupos pequenos de ativistas, de maneira a tentar burlar a repressão do regime, que segue intensa e se tornará ainda mais draconiana a partir de dezembro.

Trata-se da pior crise do país desde os anos 1990, após o fim da União Soviética.

Conheça aqui 6 razões para ficar de olho no que ocorre na ilha, que podem ser definitivas para marcar o rumo do regime ditatorial liderado por Miguel Díaz-Canel.

  1. O apagão causado pelo furacão

A passagem do furacão Ian deixou a ilha totalmente às escuras, destruindo ainda casas, edifícios e comércios, principalmente na região de Pinar del Río. Embora após uma semana o regime tenha anunciado a restituição dos serviços, esse restabelecimento ainda não é total, e apagões têm não apenas castigado o dia-a-dia da população como afetado o funcionamento de serviços essenciais como os de centros médicos.

O episódio tem levado pessoas às ruas, não de modo massivo como em 11 de julho de 2021, mas em grupos menores e mais espontâneos. Os manifestantes também têm aderido a protestos mais difíceis de serem reprimidos, como "panelaços" intensos em diferentes locais da ilha ou cortes e obstruções de estradas e ruas durante a madrugada.

O grito por "luz", logo foi substituído por "liberdade". Os protestos não têm sido organizados por um grupo específico, mas sim por iniciativas de agrupações de cidadãos por meio das redes sociais.

2. A repressão está pesada

Assim que os primeiros focos de protestos foram registrados, as forças de segurança chegaram para dissolver grupos maiores, e oficiais à paisana passaram a tentar infiltrar-se nos grupos pequenos. Também foram convocados apoiadores do regime para gritar contra os manifestantes. Várias prisões foram realizadas, segundo relato de jornalistas independentes, embora ONGs locais não tenham ainda uma contabilização oficial.

Uma moradora do distrito Playa, sem se identificar, contou ao site "14ymedio": "Quando chegaram os oficiais, as pessoas que estavam batendo panela na rua saíram correndo, como era de noite e não havia luz, agarraram muito poucos. Deu para ver que eles colocavam as pessoas em caminhões-jaula. Havia idosos e menores de idade".

Ao perceberem que os protestos estavam ocorrendo por meio de convocações pela internet, por meio de celulares, o regime usou uma velha tática, a de cortar o serviço de modo generalizado. A ilha ficou sem nenhuma internet por vários dias, e apenas nas últimas semanas começaram a circular alguns vídeos dos protestos por meio de contas de jornalistas independentes e dos poucos meios e agências internacionais que ainda atuam na ilha.

3. A repressão vai piorar

A partir do dia 1 de dezembro entra em vigor um novo código penal na ilha, que restringirá ainda mais direitos fundamentais como a liberdade de expressão e a de imprensa. A pena de morte, que existia praticamente como letra morta, passa a poder ser aplicada a uma lista com 23 crimes, a maioria relacionados à "segurança do Estado". Haverá mais regras para os transportes em geral, regulando aviação e trânsito marítimo e com duras condenações para trânsito clandestino. Penas serão aumentadas em vários delitos, como os de recebimento ilegal de doações, financiamento a ONGs não reconhecidas e a sítios de internet. Também será reduzida a maioridade penal para 16 anos.

Essa perspectiva desespera dissidentes e ativistas anti-regime, que viram centenas de manifestantes que saíram às ruas em 2021 receberem condenações totalmente exageradas por apenas participarem em protestos. Dos 1.395 detidos em 11 de julho, 728 continuam presos —e os julgamentos se dão a conta-gotas. Desde então, segundo dados oficiais, 128 pessoas foram condenadas a um total de 1.916 anos de prisão.

Um estudante caminha pelas ruas de Havana, com uma imagem de Che Guevara ao fundo
Um estudante caminha pelas ruas de Havana, com uma imagem de Che Guevara ao fundo - Yamil Lage/France Presse

4. A situação econômica está deteriorada

A esperada melhora da atividade turística com a diminuição dos casos de Covid-19 não ocorreu, sendo que se tratava de um dos principais ingressos regulares de dinheiro no país. Por outro lado, o nefasto embargo econômico segue de pé. Se antes da pandemia faltavam alimentos, remédios e todo tipo de produtos, a situação de desabastecimento hoje é muito pior.

Mesmo sem furacão, o abastecimento de energia na ilha já não era dos melhores, com estruturas envelhecidas e má manutenção, agravada pela escassez de petróleo devido à crise venezuelana. Some-se ainda uma crise de transporte, uma vez que abastecer o tanque no país é caro e é necessário enfrentar longas filas.

A inflação, no ano passado, foi de mais de 152%, segundo a The Economist. A abertura de locais para a iniciativa privada, que começou timidamente no período de Raúl Castro, foi levemente ampliada por Díaz-Canel depois dos protestos. O abastecimento desses negócios, porém, ainda é complicado e a operação, cheia de burocracias. Mesmo assim, nos últimos dois anos, surgiram 5 mil pequenos novos negócios na ilha. São em geral comércios de pequeno porte.

5. A imigração segue altíssima

De outubro de 2021 até hoje, quase 200 mil cubanos foram pegos tentando cruzar a fronteira entre México e EUA, quatro vezes mais do que os dois anos anteriores juntos, segundo dados do governo norte-americano. Legalmente, em 2022, entraram no país 400% mais cubanos do que em 2021. Num país em que a migração por questões econômicas e políticas são uma constante desde o final dos anos 1950, esses números falam por si mesmos.

6. Direitos civis "para inglês ver"

Diante de tal situação, parece piada que meios internacionais e parte da comunidade estrangeira tenha comemorado a farsa que foi o plebiscito pelo Código das Famílias que, entre outras coisas, legalizou o matrimônio igualitário. Trata-se de um direito básico, obviamente, mas que poderia simplesmente ser incluído na Constituição por decreto, assim como ocorrem tantas decisões arbitrárias no país.

O circo armado foi um claro desvio de atenção, uma tentativa de mostrar a ilha como um país que se moderniza reconhecendo alguns poucos direitos, quando continua sendo uma ditadura que apenas vai aperfeiçoando seu aparato de repressão e controle, sem cuidar dos direitos básicos dos cidadãos. A democracia ainda é um sonho distante para os cubanos.

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