Tinto ou Branco

Tudo que você sempre quis saber sobre vinho, mas tinha medo de perguntar

Tinto ou Branco - Tânia Nogueira
Tânia Nogueira
Descrição de chapéu Todas

Rótulos de brasileiro são destaque na Vinhos de Portugal

Paulista está produzindo ótimos vinhos na Beira Interior

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Um dos eventos de vinho mais esperados do calendário, o salão Vinhos de Portugal todos os anos traz boas novas da terrinha para os brasileiros provarem. Na edição deste ano, no entanto, que acontece de 7 a 9, no Rio de Janeiro, e de 13 a 15 de junho, em São Paulo, há uma novidade com gostinho de Brasil. A Barroca da Malhada, vinícola de Tinalhas, um pequeno vilarejo do distrito de Castelo Branco, na Beira Interior, que apresenta pela primeira vez os seus vinhos por aqui, é um projeto de um arquiteto paulistano.

Desde os 20 e poucos anos, Fernando Teixeira de Camargo diz ter paixão por vinhos. Já fez vários cursos e tirou várias certificações, como o WSET 3, mas nunca tinha pensado em trabalhar com isso. Sua vida já era bastante agitada e o tempo curto. A partir de 1996, com a morte do pai, teve de se dividir entre o escritório de arquitetura que mantinha com a irmã, Luciana Teixeira de Camargo, em São Paulo, e a administração de três fazendas da família em Goiás. Em 2021, cinco anos após perderem a mãe, Fernando e Luciana venderam uma das fazendas. Precisavam investir o dinheiro.

vinhedo
Vinhedo da Barroca da Malhada, na Beira Interior, uma região cercada por serras - arquivo pessoal/@tinto_ou_branco

"Além disso, eu tinha de fazer alguma coisa da minha vida", diz Fernando, que estava afastado da arquitetura desde 2005. "Ou decidia por uma aposentadoria muito cedo, aos 55 anos, ou inventava algo para fazer. Queria continuar mexendo com a terra. Gosto de trabalhar com a terra. Então, me veio essa ideia de tocar uma vinícola na Europa. E saí procurando (remotamente, pois estávamos em plena pandemia). Portugal era o lugar onde os preços eram melhores, além de ter as condições necessárias para se produzir grandes vinhos, é claro. Quando surgiu a oportunidade de comprar esta terra, vim para cá correndo. Tive de ficar isolado 15 dias num hotel. Quando finalmente cheguei à propriedade, foi paixão à primeira vista, me encantei com o lugar." Fernando, então, convenceu a irmã a ser sua sócia no projeto. Em seguida, o também brasileiro Valdir Zanirato se juntou a eles, como sócio colaborador. E começaram a estruturar o que logo viria a ser a vinícola Barroca da Malhada.

A propriedade chamava-se antes Quinta de Santo Isidro. Tinha 17,5 hectares, sendo 5 de vinhedos e 5 de olivais, além de um pomar, uma horta, alguns sobreiros (árvore que produz cortiça), uma casa senhorial bastante antiga e outras edificações. Tinha sido inteiramente restaurada (edificações e vinhedos) pelo último proprietário, Peter Schauffler, grande empresário alemão, que pretendia transformá-la parte de sua fundação. O espaço seria voltado para as artes, nos moldes do Chateau Lacoste (Provence) ou do Castello di Ama (Toscana), duas vinícolas que têm coleções impressionantes de arte moderna a céu aberto. Esse empresário, no entanto, ficou doente e morreu antes que pudesse concretizar seu projeto. O local tinha, acima de tudo, algo muito especial para atrair Fernando: história.

Homem com cachorro em um vinhedo
Fernando Teixeira de Camargo com seu cachorro nos vinhedos da Barroca da Malhada - divulgação

Os dezessete hectares e meio foram um dia o centro de um feudo concedido pelo rei Dom Manuel I de Portugal ao cavaleiro da Ordem de Cristo Dom Lopo Barriga, guerreiro muito temido pelos mouros que serviu na África no início do século 16, junto a um título de fidalgo e um brasão de armas. Morreu lutando na África. Nessa época, já havia vinhedos e olivais.

Foi seu descendente José Coutinho Barriga da Costa e Gama, primeiro Visconde de Tinalhas, no entanto, quem fez da propriedade um centro importante na produção de vários itens durante o século 19. Já no século 20, o seu neto, José de Meireles Coutinho Barriga da Silveira Castro e Câmara, o terceiro e último Visconde de Tinalhas fez melhorias na herdade, entre elas, uma barroca (canal de água construído em pedras em torno dos vinhedos e dos olivais para alimentar um sistema de irrigação). Nas terras que hoje cercam a vinícola, o visconde plantava também milho. Havia ao lado de sua casa uma eira (espaço plano de chão duro) onde o visconde mandava malhar o milho. Daí surgiu o nome Barroca da Malhada, pelo qual os locais já conheciam a propriedade e seus arredores, apesar do nome oficial ser Quinta de Santo Isidro. "Achei bacana resgatar esse nome", diz Fernando.

O terceiro visconde não teve filhos e, ao morrer, em 1973, deixou a propriedade para o seu feitor. A propriedade entrou em decadência e, no fim da década seguinte, foi adquirida por Schauffler. O alemão fez um trabalho incrível de restauração. Estive na Barroca da Malhada em dezembro de 2023, a convite de Fernando e Luciana. Sou amiga de Luca (é assim que todos a chamam) há uns 10 anos. Fiquei muito surpresa quando ela me disse que tinha se tornado sócia de uma vinícola em Portugal. "O Feca (Fernando) me convenceu a seguir o sonho dele", explicou a arquiteta e artista plástica.

Ele, eu não conhecia. Nos encontramos pela primeira vez na noite em que cheguei a Tinalhas. Segundo Luca, parecíamos gêmeos separados ao nascer. Agarramos a falar de vinho e a beber vinho, claro, até altas horas. Descobrimos que temos vários amigos em comum. Rimos muito. O Valdir não estava no dia em que eu fui (nos encontramos meses depois em Lisboa). O lugar é lindo demais. Cheio de história, mas tudo está impecável, como novo, sem perder as características originais. Infelizmente, ainda não estão abertos para o turismo.

Tem um casarão muito parecido com os casarões de estilo barroco do período colonial no Brasil. Os vinhedos também estavam lindos, todos muito bem tratados. Como era dezembro, época de dormência das videiras na Europa, não tinham folhas, mas pareciam verdes porque a terra é coberta por mato e flores do campo. Estão apostando numa viticultura orgânica (em fase de certificação) com várias das práticas biodinâmicas. Os muros são cobertos de limão siciliano e há um laranjal bem ao lado dos vinhedos. Como estava muito frio, as rosas dos vinhedos estavam em plena forma. Ali eles plantam as brancas arinto, fernão pires e bical. E as tintas touriga nacional, trincadeira, aragonez, baga, cabernet sauvignon e alicante bouschet. As vinhas mais velhas têm cerca de 25 anos.

Os vinhos, todos de mínima intervenção, eu já conhecia. Eles tinham mandado uma garrafa de cada para minha casa aqui em São Paulo. Eu sabia que eram muito bons. Beber na origem, no entanto, é sempre mais especial. A propriedade nunca antes tinha sido uma vinícola. O vinhedo estava lá, mas as uvas eram vendidas para terceiros. Até agora, a Barroca da Malhada já tem três safras. "A safra de 2021 foi um teste", diz Feca (agora já virei íntima, haha). "Fizemos apenas 3 mil garrafas. Da de 2022, foram 8 mil. Agora, a safra 2023 deve render 27 mil garrafas, ainda estamos engarrafando". Provei as duas primeiras, já que a terceira mal tinha acabado de fermentar em dezembro. Quatro rótulos diferentes, dois brancos, um rosé e um tinto.

Fiquei apaixonada pelo branco na ânfora, especialmente o da safra 2021. É um arinto cujas leveduras criam véu, aquela camada protetora que surge naturalmente em alguns terroirs especiais como Jerez, na Espanha. Tem aquela oxidação controlada que eu amo, mas mantém o frescor e o aroma frutado. O outro branco, um corte de arinto, fernão pires e bical, é um pouco mais aromático, com bastante acidez, mas também tem um bom corpo. Não é um vinho de entrada. Não foi feito na safra 2021. Só a partir de 2022.

As duas safras do rosé são razoavelmente diferentes. O Baga na Barrica Rosé 2021 é mais claro,com mais fruta no nariz e um pouco mais leve na boca, embora seja bastante estruturado para um rosé. A madeira em questão é castanho português. Transfere estrutura e aromas parecidos com os do carvalho. Aqui, no entanto, eles não se sobressaem. O Baga Rosado 2022 é outra história. É quase um clarette. Até o perfil aromático está mais perto do tinto. Gostei muito também.

No caso dos tintos, também há uma boa diferença entre as duas safras. Ambos são muito elegantes e têm boa estrutura, boa acidez, não têm madeira aparente. O Barroca da Malhada Tinto 2021, no entanto, parece mais austero do que o 2022. No segundo, a violeta da touriga nacional está mais em destaque, embora a porcentagem dessa uva nele seja menor.

As diferenças podem ser uma questão de tempo, de um estar mais maduro do que o outro, mas, pela minha experiência, eu não apostaria nisso. Pelo menos, não no que diz respeito aos rosés e aos tintos. Acho que a vinícola ainda é muito jovem e ainda está definindo o seu perfil. O enólogo atual, o jovem Fábio Fernandes, ainda não estava na equipe no momento da vinificação da 2021. Quem vinificou essa safra foi Jorge Gonçalves, que hoje é enólogo consultor. Fernando participou bastante nos dois casos.

Para a feira, a vinícola, que está buscando importador para o Brasil, vai trazer o tinto de 2021, o branco de 2022, o ⁠Arinto na nfora de 2021 e 2022, além do rosado de 2022. Prometem também uma surpresa. Degustá-los, além de tudo, é uma oportunidade de aprender um pouco sobre a Beira Interior, um terroir que o brasileiro não conhece muito. Curiosa para provar a safra 2023. Será que eles vão trazer algo?

Beira Interior

A Beira fica no centro de Portugal, acima do Tejo e do Alentejo e abaixo do Dão. A Beira Interior é a porção que está mais para o lado da Espanha. Rodeada de serras (Estrela, Gardunha, Malcata e Marofa), é uma região de vinhos de altitude. Os vinhedos costumam estar entre 350 e 750 metros de altitude, os mais altos de Portugal. A Barroca da Malhada está a cerca de 600. Essa altitude dá uma elegância aos vinhos, pois abaixa as temperaturas e, assim, garante uma maturação lenta. Há uma diversidade muito grande de solos e três sub-regiões: Castelo Rodrigo, Pinhel e Cova da Beira. A Barroca da Malhada está na Cova da Beira.

A Comissão Vitivinícola Regional da Beira Interior divide as castas de uvas usadas ali em três tipos: locais identitária (há muito tempo na região), nacionais e internacionais. Entre as identitárias temos as brancas Síria e Fonte Cal e a tinta Rufete. Delas, a Fonte Cal é praticamente inexistente fora da Beira Interior. Outras uvas brancas portuguesas muito presentes na região são fernão pires, malvasia fina e arinto. A tinta Rufete (tinta pinheira, no Dão), que aparece mais nas vinhas mais velhas, tem chamado bastante atenção por produzir vinhos claros, frescos e fáceis de beber. Entre as nacionais, as tintas tinta roriz (tempranillo), touriga nacional e touriga franca. Das internacionais, as tintas syrah, merlot e cabernet sauvignon, e as brancas chardonnay e riesling.

LINK PRESENTE: Gostou deste texto? Assinante pode liberar sete acessos gratuitos de qualquer link por dia. Basta clicar no F azul abaixo.

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Comentários

Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.