Vidas Atípicas

Em busca de respostas para dúvidas profundas e inesgotáveis sobre o autismo

Vidas Atípicas - Johanna Nublat
Johanna Nublat
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'A sociedade precisa mudar tudo', cobra jovem autista

Em entrevista usando um aplicativo no iPad, ela alerta que inclusão não é nenhum favor, mas um direito

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Johanna Nublat

Caroline de Souza, 30, costuma aparecer em vídeos postados nas redes sociais se balançando de um lado para o outro ou na rede, e com um objeto na mão, enquanto frases que escreveu surgem de uma voz num iPad.

Ela é autista nível 2 de suporte e TDAH, teve atrasos no desenvolvimento, começou a se comunicar funcionalmente apenas aos 13 anos de idade e teve seu diagnóstico de autismo aos 23. Desde então, se formou em pedagogia e criou um perfil nas redes sociais muito procurado por quem quer entender o autismo -- sobretudo o autismo de maior grau de suporte -- pela perspectiva de um autista.

Lá ela fala sobre ser autista, os desafios que enfrenta, por que se movimenta tanto, por que segura um objeto de apoio, como se sente quando tem crises, além de cobrar mais suporte e políticas públicas para os autistas.

Souza consegue, hoje, se expressar oralmente, mas prefere usar um aplicativo de comunicação aumentativa e alternativa (CAA) para comunicar pensamentos mais longos e complexos. Foi o que fez nessa entrevista ao blog, para marcar o Dia Mundial de Conscientização do Autismo, celebrado nesta terça-feira (2).

A jovem, que mora no interior de São Paulo, respondeu a quatro perguntas enviadas pelo blog, por escrito, inspiradas no livro "O que me faz pular", do autista japonês Naoki Higashida, que ainda na adolescência procurou explicar o cotidiano do autismo para neurotípicos.

"As pessoas precisam entender que nos incluir, promover acessibilidade para que estejamos em sociedade de forma digna, não é favor nenhum, é nosso direito", diz Souza.

Jovem mulher usa blusa rosa e fones de ouvido e olha para a câmera
Caroline de Souza, autista nível 2 de suporte e TDAH, usa um fone abafador de ruídos - Arquivo pessoal

Como é ser autista? Seu autista é ter um cérebro diferente. A gente sente o mundo, entende e se relaciona com as pessoas de um jeito diferente. Precisamos de apoio para realizar tarefas que pessoas não autistas não precisam. Muitas coisas que não fazem sentido para os outros, como pular, correr e se balançar, fazem sentido e têm total função para nós, já que nosso cérebro precisa de certos estímulos. Eu penso muito por imagens e aprendo melhor com o suporte de imagens.

O que você pensava e sentia quando ainda não conseguia se comunicar por palavras ou pela CAA? Não sei bem o que eu pensava, mas eu ficava muito frustrada por não conseguir me comunicar. Exemplos: fazer pedidos, dizer o que eu queria ou não queria. Eu não entendia tudo, porque, quando você é criança, não entende muitas coisas. E, quando é autista, tem muito mais dificuldade de entender as pessoas. Eu, por exemplo, na época, não entendia que sofria bullying quando aparecia na escola. Mas, ao contrário do que muita gente pensa, eu era capaz de entender várias coisas apesar de não falar. Minha família sempre explicava tudo para mim e me tratava como um ser humano que está ali ouvindo o que você diz.

O que acontece dentro de você quando você tem uma crise? Não sei dizer o que acontece quando tenho crise em termos de sentimentos, mas eu fico muito descontrolada. Eu posso fazer coisas sem pensar, sem nem perceber. Na hora eu não percebo, mas, depois que passa e vejo que me machuquei ou machuquei outras pessoas, me sinto muito mal. Como me machuco, preciso de contenção, mas a contenção é indicada em último caso apenas. Os gatilhos de crise para mim são sobrecarga sensorial e emocional, rigidez cognitiva, dificuldade com mudanças, dificuldade de comunicação. Quando estou doente, tenho crises e dificuldades em lidar com os sentimentos.

Em que a sociedade precisa mudar para você (e outros autistas que conhece) se sentir plenamente incluída e ativa nela? A sociedade precisa mudar tudo. A começar pela forma que enxerga o autista. Os de suporte menor são tratados como gênios, pensam que eles não têm limitações, que não precisam de apoio. Os de suporte maior são descartados como incapazes, um peso. Não servimos para nada. Nós precisamos ser vistos como seres humanos com limitações e habilidades, com qualidades e defeitos. Precisamos receber o suporte que necessitamos para viver bem. Precisamos ser vistos como únicos, de forma que as coisas sejam adaptadas de acordo com as particularidades de cada um, já que autistas não são iguais. As pessoas precisam entender que nos incluir, promover acessibilidade para que estejamos em sociedade de forma digna, não é favor nenhum, é nosso direito.

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