Vidas Atípicas

Em busca de respostas para dúvidas profundas e inesgotáveis sobre o autismo

Vidas Atípicas - Johanna Nublat
Johanna Nublat
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Sobre essa tal de ABA

Abordagem comportamental usada em casos de autismo foi criticada em dossiê

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Johanna Nublat

Esta semana, um dossiê entregue à ministra Macaé Evaristo (Direitos Humanos e Cidadania) por três associações de autistas e pessoas com outras deficiências, e rechaçado por outros grupos de autistas e pesquisadores, colocou no centro do debate uma abordagem terapêutica específica geralmente recomendada para autistas: a análise do comportamento aplicada (ABA, na sigla em inglês).

Essa abordagem comportamental é largamente utilizada nos Estados Unidos e forte em algumas universidades brasileiras, mas encontra resistência de alguns grupos por práticas equivocadas do passado e por inconsistências na formação de muitos profissionais que se intitulam analistas do comportamento — profissão ainda não regulamentada no Brasil.

BELFORD ROXO, RJ, BRASIL, 12-09-2024: A Ministra dos Direitos Humanos e da Cidadania do Brasil, Macaé Evaristo, durante Cerimônia de Lançamento da Rede Alyne de Cuidado Integral às Gestantes e Bebês, em Belford Roxo, na Baixada Fluminense. (Foto: Eduardo Anizelli/Folhapress, POLÍTICA) ORG XMIT: PRESIDENTE LULA RJ

"O que as políticas públicas precisam é criar mecanismos para avaliar e fiscalizar a proliferação de cursos de final de semana que são verdadeiros caça níqueis. Temos que lutar para que o Brasil regule a formação adequada de terapeutas, e para que os planos de saúde e o SUS trabalhem com a perspectiva de terem profissionais bem formados e que comprovadamente tenham o conhecimento técnico exigido pela ABA", defende Thais Porlan, analista do comportamento e professora titular do departamento de Psicologia e do programa de pós-graduação em Psicologia: Cognição e Comportamento da UFMG.

"O autismo hoje infelizmente tornou-se um ‘nicho’ de mercado, o que abre espaço para uma quantidade enorme de pessoas sem formação e para o oferecimento de formações insuficientes e ruins mesmo, que só buscam mercado. Quem deve regular a qualidade dos serviços prestados é a legislação, mas isso não tem nada a ver com a generalização feita de que ABA seria sinônimo de serviços inadequados e que violam direitos."

Leia abaixo a entrevista dada ao blog.

Por que dizer que ABA tem evidência científica? Falamos sobre a robustez científica da ABA porque estamos falando de uma ciência que, de modo amplo, tem apresentado ao longo dos anos uma série de resultados de pesquisa científica, que seguem critérios éticos e metodológicos de uma determinada área do conhecimento. No caso da ABA aplicada a pessoas com TEA [Transtorno do Espectro Autista], estamos falando de resultados de pesquisas que comprovam que as intervenções baseadas na ABA têm efeito significativo para ganhos de desenvolvimento e aprendizagem de diversos aspectos, desde o desenvolvimento da comunicação social inicial até habilidades para a autonomia na vida diária e autocuidado, por exemplo. Importante ressaltar que a ABA, como toda ciência, preconiza o respeito a princípios éticos que foram sendo construídos e aprimorados por uma comunidade científica que, em última instância, defende o direto ao acesso à melhor evidência conhecida para os todos os indivíduos. Entre as dimensões que definem a ABA, ela é uma ciência comprometida com sua importância social para melhorar a vidas das pessoas e com a necessidade de o profissional tomar decisões para uma intervenção que seja baseada em coleta de dados e informações reais sobre as demandas e os comportamentos individuais.

Uma das críticas é sobre a intensidade da carga horária. Por que a terapia precisa ser intensiva? A carga horária intensiva é algo preconizado por essa ciência, em especial para o caso das crianças pequenas, porque justamente hoje sabemos, com base em pesquisas não só da ABA (mas de desenvolvimento e das neurociências também), que o início do neurodesenvolvimento é o momento ótimo para intervirmos e observarmos ganhos na aprendizagem de habilidades. O ensino de habilidades de comunicação, linguagem, cognição, entre outros, é possível em todos os momentos do desenvolvimento, mas as crianças pequenas se beneficiam muito justamente pelo cérebro humano ser plástico e aberto, digamos, para se desenvolver com estimulação precoce planejada adequadamente. O que é importante ficar claro é que a ABA pressupõe que todo indivíduo tem capacidade de aprender e que as oportunidades de aprendizagem estão na nossa relação com os ambientes físicos e sobretudo com o ambiente social: em casa, na comunidade, na escola, nos diversos ambientes que as crianças experienciam. Assim, as pesquisas têm resultados comparativos em termos de horas de intervenção que demonstram que, quanto mais nova a criança, mais o desenvolvimento dela vai se beneficiar quanto maior for o tempo em que ela esteja exposta a interações qualificadas com o ambiente. O importante é termos um planejamento adequado para cada criança que atenda às dificuldades de cada um, para promoção de aprendizagem. Aqui entra também a importância da promoção de conhecimento e de tecnologias de ensino para a escola e a família, como parte do tempo de intervenção.

Quem define a intensidade? É definida pelo profissional devidamente qualificado, que tenha conhecimento especializado em TEA e ABA. Não há padronização, algo que seja definido para todo mundo igual, isso é uma falácia. A centralidade no indivíduo e o respeito são princípios dos mais considerados em ABA. O profissional qualificado é quem deve, necessariamente, considerar e ponderar na definição da intensidade de tratamento as possibilidades reais (financeiras e de suporte emocional da família, por exemplo), os anseios e desejos dos familiares e do próprio indivíduo (quando forem crianças maiores e adultos, por exemplo).

Na sua opinião, trata-se de um regime manicomial, como dito no dossiê? Entre os muitos equívocos desse documento, essa comparação com regime manicomial, chamando ABA de uma "forma moderna" desse regime, é a mais grave. É uma comparação completamente descabida, manipuladora e desrespeitosa, na minha opinião. É justo uma ciência que tem contribuído de forma séria para a melhoria da qualidade de vida e para a promoção do desenvolvimento da autonomia de muitos indivíduos e suas famílias ser acusada de, por princípio, violar direitos humanos básicos? É um desrespeito com o movimento da luta antimanicomial, por banalizar uma luta tão cara à psicologia como um todo, é desrespeitoso com as famílias que lutam para garantir direito ao tratamento de qualidade no Brasil, tão pouco acessível ainda, é desrespeitoso com os pesquisadores e profissionais que trabalham com ABA.

Como garantir uma atuação ética dos profissionais? O que garante isso é a formação. É evidente, como para qualquer área de atuação, que precisamos de critérios para atuação profissional. O que as políticas públicas precisam é criar mecanismos para avaliar e fiscalizar a proliferação de cursos de final de semana que, na verdade, são verdadeiros caça níqueis. Temos que lutar para que o Brasil regule a formação adequada de terapeutas, e para que os planos de saúde e o SUS trabalhem com a perspectiva de terem profissionais bem formados e que comprovadamente tenham o conhecimento técnico exigido pela ABA. O autismo hoje infelizmente tornou-se um "nicho" de mercado, o que abre espaço para uma quantidade enorme de pessoas sem formação e para o oferecimento de formações insuficientes e ruins mesmo, que só buscam mercado. Quem deve regular a qualidade dos serviços prestados é a legislação, mas isso não tem nada a ver com a generalização feita de que ABA seria sinônimo de serviços inadequados e que violam direitos. Essa associação que o documento tenta fazer é que está completamente enviesada e leva a população leiga a formar falsas crenças. Leva as pessoas a associarem ABA a intervenções danosas. Quando intervenções danosas e criminosas, em qualquer área, devem ser reguladas e devidamente fiscalizadas. Além disso, eu acredito muito nas nossas universidades, na pesquisa, no ensino, na extensão que produzimos e no compromisso ético e social das universidades públicas brasileiras. Isso precisa ser reconhecido pelo governo, é investimento público. Na hora de pensar em políticas públicas, por que não usar o caminho óbvio do conhecimento que é produzido nas nossas universidades, junto, claro das demandas da sociedade que é "investidora" também do que a universidade produz?

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