Vidas Negras Importam

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Vidas Negras Importam - Matheus Moreira
Matheus Moreira

Criança negra escreve bilhete perguntando se família gostaria mais dela se fosse branca

Guilherme, de 9 anos, tem o costume de conversar com o pai adotivo sobre racismo estrutural

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São Paulo

​Todas as noites, a rotina da família Bregunci, de Belo Horizonte, é a mesma, e bastante agitada. Eles são em cinco: os pais e três filhos. Dois deles, os mais novos, têm deficiência. Enquanto a mãe tenta fazer os mais novos dormir, o pai, o empresário Gustavo de Castro Bregunci, costuma passar no quarto do filho mais velho, Guilherme, de nove anos, para conversar e dar boa noite.

​​Porém, três semanas atrás, essa rotina mudou um pouco quando o pai encontrou um bilhete escrito pelo filho perguntando se a família gostaria mais dele se fosse branco.

Guilherme é um menino negro e foi adotado quando tinha um ano e dois meses. Nas conversas noturnas com o pai, que acontecem todos os dias, eles falam sobre diversos assuntos, entre eles, racismo estrutural e adoção.

Cartinha escrita pelo Guilherme, de nove anos, endereçada ao pai
Cartinha escrita pelo Guilherme, de nove anos, endereçada ao pai - Arquivo pessoal/Gustavo de Castro Bregunci

Na noite da cartinha, inclusive, o assunto foi racismo. Naquele dia, depois de uma longa conversa com o filho, o empresário foi tomar banho e na volta ao quarto encontrou um envelope em cima do seu travesseiro. Com a caligrafia do filho, estava endereçado a ele e cheio de coraçõezinhos.

O bilhete dizia: "Papai eu tenho prazer de ser seu filho! Eu quero que você guarde essa cartinha com amor e carinho…Vou te fazer uma pergunta: se eu fosse branco, você e toda a minha família iam gostar mais de mim?".

"Aquilo mexeu demais comigo, porque eu falei: poxa, nós acabamos de conversar sobre isso", lembra Gustavo.

O empresário não perdeu tempo, parou, refletiu e escreveu a resposta no mesmo papel para o filho. "O papai te ama muito porque você é exatamente do jeito que é! Amo seu cabelo, amo seus olhos, amo seu nariz, amo sua boca, amo seu corpo, amo sua cor!!! Amo tudo em você", diz trecho da resposta.

Segundo o empresário, Guilherme gosta muito de escrever e colorir, e tem o costume de enviar cartinhas para os familiares, principalmente em datas comemorativas.

Gustavo lembra que o filho já vinha relatando nas conversas noturnas situações nas quais ele era discriminado pela cor da pele. "Ele já vinha comentando alguma coisa no retorno das aulas presenciais. Ele já tinha levantado algumas questões de racismo na escola".

Dias depois daquele episódio, a cartinha foi parar nas redes sociais em uma postagem do próprio empresário, que resolveu divulgar a história.

Mas, antes, ele já havia compartilhado o bilhete na íntegra em um grupo de WhatsApp com amigos. Quando, em uma das conversas, percebeu que os amigos estavam encaminhando piadas de cunho racista de uma página da internet, resolveu enviar a cartinha do filho para mostrar que aquele tipo de brincadeira não poderia existir.

"Olha, pessoal, o estrago que esse tipo de piada causa. Todos conhecem meu filho e sabem da minha relação afetuosa com ele, sabem o quanto que eu valorizo todas as características dele", disse aos amigos.

Depois, decidiu postar a íntegra do bilhete na sua conta do Instagram. Pensou que poderia ser uma oportunidade de fazer as pessoas refletirem sobre o racismo estrutural. "Se essa situação gerar uma reflexão em qualquer família que seja, se alguém parar para conversar com os filhos sobre o racismo estrutural no Brasil, já valeu a pena", disse o empresário. ​

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