Virada Psicodélica

Novidades da fronteira da pesquisa em saúde mental

Virada Psicodélica - Marcelo Leite
Marcelo Leite

Substância de cogumelo mantém efeito antidepressivo por um ano

Johns Hopkins atesta benefício prolongado; Oregon prepara diretriz para terapia

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São Paulo

O edifício em construção para abrigar a psilocibina dos cogumelos "mágicos" no domínio dos antidepressivos ganhou um novo andar terça-feira passada (15). Estudo da Universidade Johns Hopkins constatou que o efeito dura até 12 meses.

Já se sabia que o psicoativo de fungos Psilocybe pode agir rapidamente para combater depressão, assim como a DMT da ayahuasca. A novidade está no efeito prolongado.

Cogumelos da espécie Psilocybe cubensis, que contém a substância psicodélica psilocibina
Cogumelos da espécie Psilocybe cubensis, que contém a substância psicodélica psilocibina - (Divulgação)

A JHU, como aparece na abreviação em inglês, tem tradição em pesquisa com psilocibina. O grupo de Roland Griffiths foi um dos primeiros a retomar o estudo de psicodélicos, na passagem do século, e a indicar o papel das experiências místicas por eles induzidas.

Griffiths já ministrou psilocibina para mais de 600 voluntários em seus ensaios. Agora foram 24 participantes com depressão, sendo os resultados relatados no periódico Journal of Psychopharmacology.

O protocolo envolvia várias sessões de psicoterapia, entre as quais duas com psilocibina. O acompanhamento por meio de um questionário padrão para medir depressão (GRID-HAMD) ocorreu após 1 mês, 3 meses, 6 meses e 12 meses.

Fixou-se o critério de boa resposta ao tratamento na redução de ao menos 50% nos escores. Após um ano, três quartos ainda apresentavam melhora, e 58% estavam em remissão, mal pontuando respostas suficientes para diagnóstico de depressão.

"A psilocibina não só produz efeitos significativos e imediatos, ela tem também uma longa duração, o que sugere que possa ser um novo tratamento da depressão particularmente útil", diz Griffiths em comunicado da JHU.

"Comparada com antidepressivos usuais, que precisam ser tomados por longos períodos de tempo, a psilocibina tem potencial para amenizar sintomas de depressão de forma duradoura com uma ou duas doses."

Vai demorar para a droga tornar-se um medicamento aprovado, pois os testes clínicos ainda estão em fase 2 (há dois em curso, da empresa Compass e do Instituto Usona). Faltam os custosos ensaios com centenas de participantes da fase 3, mas é possível que a agência americana FDA conceda a licença em 2023 ou 2024.

No próximo mês de janeiro, entretanto, a terapia com fungos Psilocybe já poderá ser oferecida em Oregon. Eleitores do estado no noroeste dos EUA aprovaram em 2020 a Medida 109, que legalizava o tratamento e dava dois anos de prazo para um comitê regulamentar o credenciamento de praticantes e fornecedores.

Minutas de diretrizes para treinamento e produção estão em fase final de exame. Apenas uma espécie das cerca de 200 do gênero Psilocybe poderá ser empregada, a P. cubensis, que tem longo histórico de segurança.

O treinamento de "facilitadores" credenciados para ministrar os cogumelos a maiores de 21 anos, mesmo sem receita médica, terá um mínimo de 120 horas. As regras em debate especificam com minúcia o conteúdo obrigatório, por exemplo limites para contato físico.

Seja por essa via comunitária de Oregon, à margem dos cânones da biomedicina, seja na rota usual de remédios patenteados e controlados por agências nacionais, iniciativas para emprego de psicodélicos em transtornos mentais surgem em vários países. A Austrália é um deles.

O Ministério da Saúde aprovou verba de 14,8 milhões de dólares australianos (R$ 54 milhões) para custear sete testes clínicos com psilocibina, MDMA, DMT e CBD como terapias inovadoras em saúde mental.

O maior financiamento (A$ 3,8 milhões, ou R$ 14 milhões) caberá a estudo da Universidade de Melbourne com MDMA (ecstasy, bala ou molly) para ansiedade social em jovens com doença do espectro autista.

Outra pesquisa da universidade, agraciada com A$ 1,98 milhão (R$ 7,3 milhões), tem uma conexão forte com o Brasil. Não só porque em tela estará o psicodélico dimetiltriptamina (DMT) presente na ayahuasca, mas porque dela participa a pesquisadora Nicole Galvão-Coelho, da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN).

Nicole Leite Galvão-Coelho no Laboratório de Medidas Hormonais, Departamento de Fisiologia e Comportamento da UFRN - UFRN / Divulgação

Galvão-Coelho participou de uma pesquisa pioneira da UFRN sobre ayahuasca e depressão e já apareceu várias vezes neste blog. A última delas, em post sobre ayahuasca, álcool e drogas, foi em agosto passado.

Depressão, álcool e DMT estão justamente na mira do teste clínico de Melbourne, sob direção de Jerome Sarris. O ensaio controlado por placebo reunirá 180 participantes em três situações: depressão grave, abuso de álcool e diagnóstico duplo (depressão e álcool).

Os voluntários receberão cápsulas com psicoativos do chá ayahuasca (DMT e betacarbolinas) no curso de 9 sessões de psicoterapia ao longo de 12 semanas. Serão monitorados ao longo de 24 semanas para verificar melhora na depressão e na dependência e para medir marcadores biológicos dessas condições, como níveis de cortisol, BDNF e de proteína C-reativa (indicador de inflamação).

Essa substâncias têm relação com duas hipóteses para explicar a ação antidepressiva da DMT e da ayahuasca: ação anti-inflamatória e neuroplasticidade. Inflamação cerebral está correlacionada com depressão, embora não se saiba o que é causa e efeito, e a formação de novas conexões neuronais pode estar na raiz da melhora obtida com a interrupção nas ruminações de pensamentos negativos.

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Para saber mais sobre a história e novos desenvolvimentos da ciência nessa área, inclusive no Brasil, procure meu livro "Psiconautas - Viagens com a Ciência Psicodélica Brasileira"

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