Virada Psicodélica

Novidades da fronteira da pesquisa em saúde mental

Virada Psicodélica - Marcelo Leite
Marcelo Leite
Descrição de chapéu Mente

Devagar com o andor dos cogumelos, não tão mágicos assim

É má ideia sair tomando na louca psilocibina, o psicodélico dos fungos

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Cogumelos da espécie Psilocybe cubensis, que contém a substância psicodélica psilocibina
Cogumelos da espécie Psilocybe cubensis, que contém a substância psicodélica psilocibina - (Divulgação)

Há dias este blog noticiou pesquisa da Universidade da Califórnia em Berkeley mostrando apoio nos EUA para pesquisa e terapia com psicodélicos, como MDMA e psilocibina. Ficou de fora um dado importante: a disseminação do uso dessas substâncias poderosas, que continuam ilegais, algo que suscita certa preocupação.

Segundo a sondagem por telefone e internet com 1.500 eleitores, com intervalo de confiança de 2,5 pontos percentuais para mais ou para menos, a maioria (52%) teve contato imediato com psicodélicos nos 12 meses anteriores. Imediato, no caso, era ter tomado uma dessas drogas ou saber de alguém próximo que tomou.

Trata-se de um número alto, à primeira vista. Não existe pesquisa comparável mais antiga para concluir que ocorreu aumento recente no uso, mas é o que parece. Há outros estudos apontando nessa direção, como se verá mais abaixo.

Antes, cabe dizer por que isso preocupa. Apesar de terem perfil toxicológico de baixo risco, e exatamente por serem mantidos na ilegalidade, os alteradores da consciência costumam ser ingeridos em situações de baixa segurança –sem controle de dose e em espaços, idades e circunstâncias não recomendáveis.

Psicodélicos não são indicados para adolescentes, com seus cérebros maleáveis, nem pessoas com histórico pessoal ou familiar de psicose. Quem quiser se informar sobre condições apropriadas para uma viagem segura pode consultar o "Guia do Explorador Psicodélico" (2011), de James Fadiman, agora editado no Brasil.

Desenhos de cogumelos em cores psicodélicas sobre fundo preto e traços brancos delineando um rosto humano no canto inferior esquerdo
Ilustração de Raphael Egel - @liveenlightenment

Ainda que raros, surtos psicóticos e acidentes podem acontecer sob efeito de psicodélicos –e estão acontecendo. O jornal The Mercury News, por exemplo, publicou um relato triste de uma mãe que perdeu o filho numa aventura com cogumelos Psilocybe.

Em seu artigo, Kristin Nash pede que a regulamentação em debate na Califórnia contenha salvaguardas para evitar tragédias como a que levou seu filho de 21 anos. Nos estados de Oregon e Colorado, pioneiros na legalização da psilocibina, exigem-se várias licenças para tornar-se um "facilitador" ou abrir um centro de serviço.

A ciência vem demonstrando, na última década, o potencial terapêutico de psicodélicos, o que deve levar a licenças para uso no tratamento de estresse pós-traumático e depressão, em 2024 ou logo depois disso. A proibição generalizada dos anos 1970 está em vias de cair, no que se batizou de renascimento psicodélico.

Com o crescente interesse da imprensa e do público por esses testes clínicos, muita gente está partindo para a autoexperimentação. Nada contra, em princípio, se esses exploradores seguirem regras básicas de segurança, como cercar-se de um guia experiente e responsável.

Nem sempre isso acontece. Tornou-se fácil nos EUA e no Brasil obter cogumelos desidratados pela internet, ou mesmo por baixo do balcão em alguns dispensários de cânabis americanos. Ouve-se que a moçada masca o fungo para ir à balada, com a ligeireza de quem costuma ingerir "bala" (MDMA) para dançar.

Se for menos de um grama de cogus secos, nenhum problema mais grave deve ocorrer –a depender do estado mental da pessoa, do ambiente e da mistura com outras drogas, claro, como álcool. A partir dessa dose, contudo, as coisas podem se complicar.

A Universidade de Michigan publicou há pouco mais de um mês no periódico especializado Addiction estudo mostrando, justamente, aumento do consumo de Psilocybe entre jovens de 19 a 30 anos. Curiosamente, não se detectou incremento similar no uso de LSD.

Dos 11.304 entrevistados, 4,2% declararam em 2021 ter usado ácido pelo menos uma vez nos 12 meses anteriores, parcela similar à verificada em 2018 (3,7%). No caso de psicodélicos não-LSD (cogumelos, basicamente), o contingente saltou de 3,4% para 6,6%.

O Levantamento Global de Drogas (GDS, em inglês), registrou duplicação similar no uso de cogumelos em 12 meses, entre mais de 20 mil respondentes pela internet, de vários países, mas entre 2015 e 2020. Amostra enviesada, mas ilustrativa daquela tendência: em cinco anos, usuários de psilocibina foram de 8,6% a 16,1%.

O LSD, entretanto, avançou ainda mais, segundo a GDS, de 8,5% para 21%. MDMA passou de 23,2% para 37,6%.

"Apesar dos resultados preliminares promissores, está claro que psicodélicos não são drogas milagrosas [wonder drugs]", assinalaram Nora Volkow, Joshua Gordon e Erich Wargo em artigo recente no periódico Jama Psychiatry, da Associação Médica Americana. "Mas o hype ultrapassou a ciência."

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AVISO AOS NAVEGANTES - Psicodélicos ainda são terapias experimentais e, certamente, não constituem panaceia para todos os transtornos psíquicos, nem devem ser objeto de automedicação. Fale com seu terapeuta ou médico antes de se aventurar na área.

Sobre a tendência de legalização do uso terapêutico e adulto de psicodélicos nos EUA, veja a reportagem "Cogumelos Livres" na edição de dezembro de 2022 na revista Piauí.

Para saber mais sobre a história e novos desenvolvimentos da ciência nessa área, inclusive no Brasil, procure meu livro "Psiconautas - Viagens com a Ciência Psicodélica Brasileira".

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