Virada Psicodélica

Novidades da fronteira da pesquisa em saúde mental

Virada Psicodélica - Marcelo Leite
Marcelo Leite
Descrição de chapéu Mente

Colorado aprova distribuição de psicodélicos

É o 2º estado americano a legalizar cogumelos 'mágicos', após Oregon

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São Paulo
Cogumelos em cores psicodélicas sobre fundo branco
Ilustração de Raphael Egel - Arquivo Pessoal

Por margem apertada de votos (52% x 48%), o estado do Colorado se tornou o segundo dos Estados Unidos a regulamentar a oferta de cogumelos psicodélicos ao público adulto. O referendo, incluído na eleição de terça-feira (8), aprovou a Proposição 122, que introduz a Lei de Saúde e Medicina Natural.

O Colorado, no Oeste dos EUA, já havia sido pioneiro na descriminalização da maconha, há uma década. Desde então floresceu o comércio de cânabis, para desgosto de conservadores, derrotados agora, de novo, na tentativa de barrar os psicodélicos. Mas também houve críticas de progressistas, pelo predomínio de grandes capitalistas.

Pela nova legislação, os cogumelos ditos "mágicos", só poderão ser consumidos por maiores de 21 anos, por exemplo em "centros de cura", e não vendidos no varejo, sempre na presença de facilitadores habilitados durante toda a "viagem", que pode durar por volta de seis horas.

A proposta é que o serviço possa ser oferecido, sem prescrição médica, também por terapeutas alternativos, e não apenas por profissionais de saúde. Esses serviços clandestinos nunca deixaram de existir, mesmo com a proibição de psicodélicos na década de 1970.

O texto ora adotado no Colorado tem semelhanças com legislação aprovada em 2020 em Oregon (Noroeste dos EUA). No estado pioneiro se autorizara há dois anos a abertura de "serviços de psilocibina" (princípio psicoativo dos cogumelos Psilocybe), que passarão a ser oferecidos em meados do ano que vem, quase três anos depois da decisão pelo eleitorado. O Colorado foi mais longe, e mais rápido.

Em Oregon, um comitê consultivo teve dois anos para detalhar a regulamentação, que passa por consulta pública até dezembro e entra em vigor em 2023. No Colorado, o grupo será nomeado até final de janeiro e já em setembro do ano que vem deverá apresentar sua proposta. A distribuição propriamente dita começaria antes do final de 2024, portanto no prazo de dois anos após o voto de terça-feira.

Também houve avanço no aspecto descriminalização da posse individual, pois a partir de agora se admite que indivíduos detenham e até cultivem cogumelos. E não não só para consumo individual, mas também em quantidade suficiente para doar a conhecidos, embora não se especifique um limite de peso.

Outra grande novidade está na previsão para estender a regulamentação, em 2026, para outras drogas psicodélicas baseadas em plantas. Poderão ser legalizadas a mescalina do cacto peiote (Lophophora williamsii), a ibogaína do arbusto africano Tabernanthe iboga, e a dimetiltriptamina (DMT) presente em vegetais como as folhas da chacrona (Psychotria viridis), um dos ingredientes do chá ayahuasca.

 Bebida sagrada ayahuasca, preparada com folhas de chacrona, na Aldeia Lobo Velho
Bebida sagrada ayahuasca, preparada com folhas de chacrona, na Aldeia Lobo Velho - Renan Omura/Agência Mural)

Por fim, os redatores da Proposição 122 tiveram o cuidado de não incluir no texto do referendo a opção para que cidades e condados viessem a votar sua recusa da legislação estadual (cláusula de "opt-out"). Havia tal provisão na lei aprovada em Oregon, uma concessão para eleitores conservadores, e várias localidades de lá incluíram essa decisão na cédula da votação de terça-feira.

Dos 36 condados de Oregon, 27 submeteram a proibição local da psilocibina a voto, e 24 de fato derrubaram a norma estadual (assim como 114 cidades). Só os condados de Jackson, Josephine e Deschutes a mantiveram. O resultado, entretanto, foi comemorado por defensores da medida liberalizante, porque a maior parte da população do estado terá acesso aos cogumelos.

Os 12 condados em que haverá serviços de psilocibina abrigam as maiores cidades, como Portland, Salem (capital), Eugene e Bend, onde os psicodélicos se tornaram legais. Só nelas vive um quarto da população de 4,3 milhões. Os que votaram contra ficam no centro-leste de Oregon, em áreas rurais com poucos habitantes.

Mapa de Oregon mostra em verde condados e cidades que aprovaram psilocibina e em vermelho os que proibiram
Mapa de Oregon mostra em verde condados e cidades que aprovaram psilocibina e em vermelho os que proibiram - Reprodução/Psychedelic alpha

Mesmo aí, nos redutos conservadores onde se baniram os cogumelos, não faltam cidades que escolheram permanecer como "portos seguros" para a psilocibina, como se pode ver no mapa acima. As pessoas que desejarem ter a experiência psicodélica com eles poderão realizá-la sem precisar viajar muito –fisicamente, isto é. Além disso, em 17 lugares a proibição é provisória, vale só por dois anos.

"Acreditamos que, à medida que a terapia seja implementada nas comunidades de Oregon em 2023 e depois, os eleitores continuarão aprendendo sobre como ela pode enfrentar nossa crise de saúde mental", disse ao jornal The Oregonian Sam Chapman, da ONG Healing Advocacy Fund. "Com o passar do tempo, o acesso só continuará a se expandir."

As iniciativas em Oregon e Colorado, ao dar acesso direto a psicodélicos sem prescrição médica, passam ao largo do processo usual de aprovação de fármacos pela FDA, a Anvisa dos EUA. Na via normalmente utilizada, as drogas têm de passar por testes clínicos de fase 1, 2 e 3 antes de receber licença como medicamentos.

No caso de psicodélicos, a substância mais avançada para uso psicoterapêutico é MDMA para transtorno de estresse pós-traumático, que se encontra em ensaio de fase 3 e poderá ser autorizada como adjuvante de psicoterapia em 2023 ou 2024. Caso isso aconteça, espera-se que o tratamento passe a ser coberto por seguros de saúde.

Em seguida vem a psilocibina (cogumelos) para depressão. Vários centros de pesquisa e empresas realizaram estudos com resultados encorajadores. O maior deles, da companhia Compass Pathways, foi publicado há uma semana no respeitado periódico New England Journal of Medicine.

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Para saber mais sobre a história e novos desenvolvimentos da ciência nessa área, inclusive no Brasil, procure meu livro "Psiconautas - Viagens com a Ciência Psicodélica Brasileira".

Não deixe de ver também as reportagens da série "A Ressurreição da Jurema":

https://www1.folha.uol.com.br/ilustrissima/2022/07/reporter-conta-experiencia-de-inalar-dmt-psicodelico-em-teste-contra-depressao.shtml

https://www1.folha.uol.com.br/ilustrissima/2022/07/da-caatinga-ao-laboratorio-cientistas-investigam-efeito-antidepressivo-de-psicodelico.shtml

https://www1.folha.uol.com.br/ilustrissima/2022/07/cultos-com-alucinogeno-da-jurema-florescem-no-nordeste.shtml

Cabe lembrar que psicodélicos ainda são terapias experimentais e, certamente, não constituem panaceia para todos os transtornos psíquicos, nem devem ser objeto de automedicação. Fale com seu terapeuta ou médico antes de se aventurar na área.

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