Após mais de meio século de proibição, substâncias psicodélicas voltam a ser receitadas legalmente na Austrália. Dois pacientes em Melbourne receberam as primeiras doses regulamentadas de drogas modificadoras da consciência, como MDMA (ecstasy, bala) e psilocibina (princípio ativo de cogumelos "mágicos"), sem que seja como voluntários de pesquisas.
É a primeira nação a permitir o uso clínico desses compostos, que permanecem ilegais na maioria dos países. Desde julho do ano passado psiquiatras australianos com licença especial podem prescrever MDMA para transtorno de estresse pós-traumático (TEPT) e psilocibina para depressão, tratamentos que ora se tornam realidade.
Os médicos pioneiros em psicoterapia assistida por psicodélicos (PAP) são Eli Kotler e Ted Cassidy. Em nota no LinkedIn, Cassidy conta que deu MDMA para uma mulher com TEPT crônico e resistente a tratamento, com bom resultado.
"É um destaque na carreira para mim – um dia com terapia assistida por MDMA realizou mais do que normalmente se consegue em um ano", escreveu o psiquiatra. Ele publicou na rede social uma foto da primeira receita da droga em seu país.
Ele fez treinamento para obter o Certificado em Terapias Assistidas por Psicodélicos (CPAT, em inglês) na organização filantrópica Mind Medicine Australia, que também forneceu o medicamento. Menos de um ano transcorreu entre a descriminalização das duas substâncias, pedida pela Mind Medicine em março de 2022 e baixada em 3 de fevereiro de 2023, e as primeiras aplicações.
Em comunicado, Mind Medicine diz que baseou a solicitação na crescente quantidade de evidências demonstrando que as PAPs podem ajudar pessoas que sofrem com condições psiquiátricas refratárias a tratamento e no fato de que terapias hoje disponíveis têm impacto nulo ou limitado em tais casos.
"É tão gratificante ver esses pacientes que estão sofrendo imensamente poderem ser tratados com essas terapias transformadoras pela primeira em mais de 50 anos", comemorou Tania de Jong, diretora executiva da Mind Medicine.
Eli Kotler, o outro médico pioneiro, afirmou que "este é um passo auspicioso em direção a um sistema de saúde mental que cure seres humanos, em vez de tratar transtornos psiquiátricos, e que valorize a integração, em lugar de administrar sintomas".
Na própria Austrália há críticas –tanto de conservadores quanto de militantes pró-psicodélicos– à iniciativa liberalizante da TGA, sigla em inglês da Administração de Bens Terapêuticos. Os primeiros acham que foi precipitado e que seria preciso mais pesquisas; os rivais, que o processo resultou muito burocrático.
Problemas semelhantes perseguem outra iniciativa descriminalizadora, os serviços de psilocibina autorizados no estado norte-americano do Oregon. A diferença é que, nesse caso, facilitadores credenciados não podem atuar como médicos nem como psicólogos. Estão impedidos de conduzir tratamento clínico, só podem oferecer sessões a quem quer autoconhecimento ou uma experiência psicodélica.
Como não são cobertas por seguros de saúde, pois afinal se trata de substâncias proibidas no plano federal, e exigem licenças custosas para credenciar profissionais e instalações, as sessões em Oregon estrearam com preços salgados. Cobra-se mais de US$ 3.000 por três encontros com facilitadores (preparação, dosagem e integração).
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AVISO AOS NAVEGANTES - Psicodélicos ainda são terapias experimentais e, certamente, não constituem panaceia para todos os transtornos psíquicos, nem devem ser objeto de automedicação. Fale com seu terapeuta ou médico antes de se aventurar na área.
Sobre a tendência de legalização do uso terapêutico e adulto de psicodélicos nos EUA, veja a reportagem "Cogumelos Livres" na edição de dezembro de 2022 na revista Piauí.
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