Twitter. Whatsapp. Instagram.
As redes sociais conquistam os lares brasileiros.
Agostinho passava horas no celular.
A família ia ficando inquieta.
--Começou na pandemia...
--Não, acho que foi antes.
--Parou de trabalhar.
--Ele diz que continua.
O rapaz era consultor tributário.
--A gente não sabe o que ele fica fazendo de verdade.
--Fechado no quarto.
--Viciou.
--Será que é coisa de sexo?
--Ah, ah, imagine. O Agostinho? Nunca.
De fato, o jovem seguia rígidos princípios evangélicos.
Eram outras as preocupações de Agostinho.
--Comunismo. Venezuela. Bolsonaro.
A mobilização política da classe média pode, por vezes, chegar ao fanatismo.
Xingamentos. Insultos. Impropérios.
--Só contra a Anitta já fiz mais de cem mensagens.
A irmã de Agostinho fazia gozação.
--No fundo, você acha ela uma gostosa.
--O quê? O quê você falou?
Agostinho bateu com raiva a porta do quarto.
A mãe achou melhor interferir.
--Agostinho... você está ficando fanático.
--Eu sou a luz, o caminho e a verdade.
--Afinal, o Lula não foi tão ruim assim.
A porta do quarto abriu-se com violência.
--Louca. Comunista. Até você, mãe?
O pai de Agostinho ouviu a conversa.
--Opa. Opa. Mais respeito aí.
Agostinho levantou o nariz para o quadrinho da Santa Ceia em cima do aparador.
--Hum. Não falo mais nada.
O comportamento de Agostinho alterou-se rapidamente.
--Está saindo mais de casa...
--Fazendo exercício no clube...
--Comprou roupas novas...
--Nunca mais vi ele fechado no quarto.
--Foi milagre. Eu estava rezando tanto...
--Parou o vício de internet completamente.
Agostinho entrou em casa carregando um pesado pacote.
--O que é que vocês ficam falando de mim?
--É que...
--Calem a boca. Todos vocês.
--Eu só estava dizendo que...
--Sabe o que é isso, pai? É lavagem cerebral em cima de mim.
O dr. Laércio Carlos não conseguia entender.
--Tática comunista. Vocês adotaram isso. Devagarinho.
--Mas, filho.
--Ficam me pressionando para eu largar minhas convicções. Minha fé. Meus ideais.
Ele abriu o pacote.
Um fuzil semi-automático comprado sem problemas num clube de tiro.
--Gente. A liberdade começa em casa.
O fuzilamento da família se deu de forma indolor.
--Chega de falação. O momento é de agir. Por nosso Brasil.
As armas chegam aos lares da classe média.
Alguns falam em segurança. Outros, em liberdade.
O problema é quem está na frente do cano.
Comentários
Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.