Voltaire de Souza

Crônicas da vida louca

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Evangélicos em conflito

Num ambiente de polarização, pastores sofrem ao tentar lembrar palavras de Jesus

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Ódio. Polêmica. Religião.

Comunidades evangélicas dão o seu recado.

—Lula é o capeta.

O pastor Ponciano tentava manter o bom senso.

—Opa. Calma aí. Não é bem assim.

A mão dele tremia ao segurar o microfone.

—Jesus pregava o amor e a tolerância.

Os fiéis olhavam para o teto.

—Cristo nunca segurou numa semi-automática.

—Han-hã.

—Nosso Senhor foi vítima da pena de morte.

O silêncio crescia na congregação.

—Prenderam ele numa operação policial.

Comparações, às vezes, podem ser chocantes.

O sr. Ademar frequentava a igreja há mais de vinte anos.

—E nunca ouvi uma coisa dessas.

Dona Dalzímia concordava.

—Esse pastor está louco.

—Comunista, irmã.

—Vai passar a eternidade no fogo do inferno.

O sr. Ademar fez cara séria.

—Não dá para esperar tanto tempo.

Afinal de contas, as eleições se aproximam.

—Tem de exorcizar esse homem. Está possuído pelo capeta. Com certeza.

—Glória a Deus, irmão.

—Glória a Deus.

As vozes de Ademar e Dalzímia iam ficando alteradas.

—É Satanás falando.

—Virou servo do capeta.

O pastor Ponciano começou a perceber a movimentação nos fundos do templo.

—Gosto de gritaria... mas aí já é um pouco demais.

Ele largou o microfone.

A essa altura, dona Dalzímia, ela já estava soltando espuma pela boca.

O pastor não teve dúvidas.

—É Satanás... tem de expulsar esse mau espírito.

O sr. Ademar discordou da ideia.

—Satanás é você, pastor Ponciano.

Os dedos do bolsonarista se fechavam em torno da garganta do pastor.

Dona Dalzímia dava gargalhadas sem sentido.

—Satanás sou eu...

Ponciano sentiu se afrouxarem as mãos do sr. Ademar.

—Bff... bff...

Convulsões. Olhos virados. Espuma.

—Sai, capeta.

Foi quando uma estranha voz tomou conta do aparelho de som.

—Vocês aí. Que mania é essa de chamar o outro de servo de Satanás?

Um vento frio percorreu todo o espaço de culto.

—Eu mando em todo mundo aqui.

O sr. Ademar, dona Dalzímia e o pastor Ponciano ficaram em silêncio.

—E não quero briga aqui dentro.

—Jesus? Será esta a voz do Senhor Deus?

—Ô gente burra, caraca.

Tratava-se do miliciano Luizinho do Pinel.

Três tiros de escopeta afirmaram a autoridade do líder local.

Ponciano, Dalzímia e Ademar são pranteados na comunidade.

—E que Deus seja louvado.

Neoliberalismo é isso aí.

A liberdade de expressão está garantida.

Mas cada um é responsável pelas escolhas que faz.

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