Armas. Ameaças. Xingamentos.
Esquenta a campanha eleitoral.
O mercado financeiro acompanha tudo com atenção.
Em seu escritório na Faria Lima, o banqueiro J. P. do Prado respirava fundo.
—É hora de entregar os pontos.
O mordomo Carlos trouxe o balde de gelo.
—O ideal era resolver essa eleição no primeiro turno.
Mas ele continuava tendo crises de consciência.
Remorso. Dúvida. Hesitação.
—O Paulo Guedes vai ficar chateado...
Ele examinou o uísque no fundo do copo.
—Carlos. Que diabo é isso?
—O que foi, doutor J. P.?
—Esse uísque aqui não é 20 anos.
Carlos examinou o rótulo da garrafa importada.
—Puxa, doutor J. P.... acho que cometi um equívoco.
—Esse uísque aqui é para o nível da gerência executiva.
—Perfeitamente, doutor J. P.
—O meu é o exclusivo. O da reserva especial.
—Lamento muitíssimo, doutor J. P.
—Tudo bem, Carlos. Todos nós cometemos erros.
J. P. semicerrou os olhos.
—Eu combati tanto o Lula... e será que vou ter de votar nele?
Havia uma esperança.
--O Meirelles. Se ele tomar o comando da coisa...
J. P. serviu-se de uma nova dose de uísque.
—Bem melhor que o Paulo Guedes. Com toda a franqueza.
O paladar da reserva especial era outra coisa.
—Mais envelhecido. Mais encorpado. Tipo Meirelles.
O scotch ia descendo devagarinho.
—O problema é essa petistada.
Era quase triste o seu sorriso.
—Cada sacrifício que a gente tem de engolir.
Tomou mais um gole.
—Fazer o quê? Tudo pela estabilidade do mercado.
A tarde ia caindo pesadamente sobre o horizonte dos Jardins.
Uma nuvem estacionava com tons de rosa e amarelo à frente do vidro panorâmico.
—Parece um castelo... um palácio... ou uma carruagem dourada?
O copo de cristal tcheco já estava em repouso sobre a mesa italiana.
—Um floquinho de lã... branquinho... vem vindo... quase prateado.
A aparição se materializou à sua frente.
—Não é possível. O fantasma da rainha Elizabeth?
Os passos medidos. O manto monárquico. A estatura diminuta.
—Her Majesty? What is this?
O sorriso da boa senhora iluminava o ambiente.
J. P. tentou se levantar em homenagem à soberana extinta.
A resposta veio em bom português.
—Calma, J. P. Não sou a rainha.
O banqueiro olhou melhor.
—Lula? Você aqui?
—Vim te tranquilizar, companheiro.
—Pode falar, presidente.
—Nesse governo eu vou ser só rainha da Inglaterra... o Meirelles vai cuidar de tudo.
—Ah. Tipo primeiro-ministro?
—E com o Alckmin para segurar os excessos dele.
J. P. acordou com um sorriso de serenidade.
—Carlos. Ou melhor, Charles.
—O que foi, doutor J. P.?
—Traz outra garrafa. E dessa vez pode ser cachaça mesmo.
As esperanças do mercado são como garrafas de uísque escocês.
Esvaziam-se rapidinho.
Mas logo chega outra.
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