Matemático que teve medalha Fields furtada no Rio receberá uma nova

Caucher Birkar ganhará item extra que seria exposto na sede da União Internacional de Matemática

Fernando Tadeu Moraes
Rio de Janeiro

A história da Medalha Fields furtada no Rio de Janeiro vai ter um final feliz. A organização do Congresso Internacional de Matemáticos (ICM, na sigla em inglês) entregará uma nova ao iraniano de origem curda Caucher Birkar, 40, que teve sua medalha, popularmente conhecida como o “Nobel da matemática”, furtada logo após o fim da cerimônia de premiação, realizada na quarta-feira (1º).

A nova láurea será entregue ao matemático neste sábado (4), antes do jantar de gala do ICM, o evento mais importante da matemática, que ocorre pela primeira vez em um país do hemisfério Sul.

A reparação a Birkar será possível porque, além das quatro medalhas entregues na quarta, existe uma extra, "virgem", na qual será gravado o seu nome. A medalha sobressalente havia sido cunhada junto com as que foram dadas aos vencedores mas seria exposta na sede da União 
Internacional de Matemática, em Berlim. 

"A medalha Fields é uma celebração da matemática, um momento de alegria, e queremos que o professor Caucher Birkar volte ao seu país com a melhor imagem do Brasil", disse Marcelo Viana, presidente do Comitê Organizador do ICM-2018.

Forjadas em ouro 14 quilates, as medalhas são confeccionadas no Canadá e valem aproximadamente R$ 15 mil. Em um de seus lados, está gravado o rosto de Arquimedes, um dos maiores matemáticos da história. Também há a inscrição em latim "Transire suum pectus mundoque potiri" —que significa "superar os limites da inteligência e conquistar o universo".

No verso da medalha, encontra-se a inscrição, também latina, "Congregati  ex  toto orbe mathematici  ob scripta insignia tribuere". A expressão significa: "Reunidos, matemáticos de todo o mundo a concedem [a medalha] por escritos notáveis".

Após receber o prêmio, Birkar o guardou numa pasta. O furto ocorreu enquanto o matemático atendia a pedidos de fotos. Imagens obtidas pela Folha nesta quinta (2) mostram os dois homens considerados suspeitos pela polícia carioca de terem cometido o crime.

As câmeras de segurança do local flagraram o momento em que um dos homens se aproximam da pasta com a medalha enquanto Birkar estava de costas. Ele coloca uma mochila em frente à pasta que guardava a medalha, aparentemente com a intenção de escondê-la. Mais tarde, essa mesma mochila foi encontrada com os documentos do matemático.

O outro homem, que aparece com óculos na cabeça, estava andando e conversando com o rapaz de mochila, e também é considerado suspeito pela polícia.

Para adentrar o recinto onde ocorria a cerimônia era obrigatório portar a credencial do evento ou estar com uma pulseira de convidado. Nas imagens é possível ver que nenhum dos dois portava a credencial.

Birkar é professor na Universidade de Cambridge, na Inglaterra. Ele nasceu no Irã, na cidade curda de Marivan, bastante afetada pela guerra Irã-Iraque dos anos 1980, e estudou matemática na Universidade de Teerã antes de ir para o Reino Unido em 2000. Depois de um ano, ele recebeu o status de refugiado, tornou-se um cidadão britânico e começou seu doutorado no país, na Universidade de Nottingham. ​

Sua área de pesquisa é geometria algébrica, que, grosso modo, estuda a interconexão entre a geometria e a teoria dos números.

Outros três pesquisadores também receberam a láurea matemática: o italiano Alessio Figalli, 34, o alemão Peter Scholze, 30, e o indiano Akshay Venkatesh, 36. Todos eles agora fazem parte do exclusivíssimo grupo de 56 matemáticos que já receberam a medalha, criada em 1936.

Entre os vencedores anteriores está o brasileiro Artur Avila, que em 2014 tornou-se o primeiro latino-americano a conquistar a honraria. 

A medalha Fields é um prêmio de características únicas. É entregue de quatro em quatro anos (junto com os Congressos Internacionais de Matemáticos, também quadrienais) para matemáticos de até 40 anos. A cada edição, saem de duas a quatro medalhas para pesquisadores com feitos extraordinários na carreira.

O cheque que acompanha a Fields é modesto, quando comparado com o do Nobel, que paga cerca de US$ 1,1 milhão (cerca de R$ 4 milhões). A medalha matemática rende 15 mil dólares canadenses (R$ 43 mil) aos seus laureados.

No Congresso Internacional de Matemáticos deste ano, estão previstas na programação acadêmica cerca de 1.200 palestras, painéis de debates, comunicações e apresentações de pôsteres, num arco que cobre todas as áreas da matemática.

“Hoje é muito raro que um pesquisador vá a uma conferência específica da sua área. O ICM é quase o único momento em que você consegue ter um panorama geral da matemática”, diz Viana.

Dada a extrema especialização da matemática nas últimas décadas, não é raro que dois pesquisadores de áreas distintas não consigam sequer entender o 
trabalho um do outro. 

“Nesse sentido, muitas pessoas do meio, inclusive eu, acreditam que o congresso tem um papel importante em manter a matemática unida, como um corpo de conhecimento em que as várias partes se relacionam umas com as outras”, afirma o diretor do Impa (Instituto de Matemática Pura e Aplicada).

Além do foco acadêmico, o ICM também terá atividades voltadas à popularização da matemática, abertas ao público, como o ciclo de cinco palestras promovido pelo Impa e pelo Instituto Serrapilheira com matemáticos de destaque internacional e divulgadores da disciplina.

Olimpíada

Nesta quinta, foi realizado, durante o ICM-2018, a entrega das medalhas de ouro da 13ª Olimpíada Brasileira das Escolas Públicas (Obmep). Foram premiados 576 estudantes de todo o país. 

Organizada pelo Impa (Instituto de Matemática Pura e Aplicada) é a maior competição científica do mundo. Na última edição, participaram 18,2 milhões de estudantes.

Participaram da entrega dos prêmios dois vencedores da medalha Fields, o brasileiro Artur Avila, e o francês Cédric Villani, vencedor em 2010. Antes da cerimônia, Avila foi condecorado com a Ordem Nacional do Mérito Científico, entregue pelo ministro da Educação Rossieli Soares.  Quando discursava, Soares se referiu duas vezes ao brasileiro que ganhou a medalha, chamando-o de Artur Lira.

Em seu curto discurso após receber a ordem do mérito, Avila exaltou os estudantes que lotavam o auditório. "Cada vez que eu encontro os medalhistas da Obmep eu entendo um pouco mais a importância dessa olimpíada e a razão pela qual ela é uma competição tão especial."

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