Com menos verbas, museus de ciência brasileiros sofrem com manutenção

Diretor do Museu de Zoologia da USP critica morosidade para reformas e burocracia em licitações

São Paulo , Belém e Belo Horizonte

Apenas dois meses antes de o Museu Nacional do Rio de Janeiro arder em chamas, a redução de verbas e os problemas de manutenção da instituição foram descritos em reportagem da Folha. O título “tragédia anunciada” foi repetido à exaustão para descrever a maior perda científica e histórica do país.

Um mês após o incêndio, sabe-se que não se tratava de caso isolado, porém. Outros museus de ciência e história natural do país padecem de dificuldades similares.  

O Museu de Zoologia da USP, um dos mais importantes da área na América Latina, teve seu orçamento reduzido pela metade nos últimos cinco anos. Em 2013, a verba para a operação da instituição —manutenção predial, equipamentos de segurança e materiais de suporte para os acervos— foi de R$ 1.435.251. Para 2018, a verba foi de R$ 786.476.

Especializado em evolução e taxonomia dos animais, tem cerca de 8 milhões de itens. Uma das coleções mais importantes é a de peixes neotropicais —a maior do mundo. Com esses animais um pesquisador pode, por exemplo, analisar como era o nível de poluição de um rio em diferentes décadas.

O museu teve sua coleção iniciada em 1890, quando o conselheiro Francisco Mayrink doou ao governo de São Paulo uma coleção de história natural reunida pelo coronel Joaquim Sertório a partir de 1870. Em 1941 foi finalizada a construção do prédio atual da instituição. Em 1969, foi incorporada à USP e ganhou seu nome atual. 

A instituição vem passando por reformas para melhorar a segurança, mas elas esbarram em orçamento curto, demora nas aprovações e burocracias em licitações.

Segundo Mario de Pinna, diretor do Museu e doutor em biologia evolutiva, o museu está em uma situação “intermediária” de segurança. Já passou por algumas medidas de proteção contra incêndios, mas ainda faltam reformas.

Segundo a USP, a instituição precisou reequilibrar-se financeiramente com a crise econômica e realizou ajustes orçamentários em suas unidades, calculados a partir da média da execução orçamentária efetiva dos últimos anos.

A universidade diz que a dotação do museu pode ser suplementada com recursos extras —um exemplo é o projeto de reforma da cobertura do laboratório de taxidermia, cuja verba sairá da superintendência do espaço físico da universidade, e não do orçamento do museu. “Sabemos que o motivo é a crise e não culpamos a universidade, mas precisamos de mais dinheiro”, diz Pinna.

Como museu universitário, que conta com um curso próprio de pós-graduação, a pesquisa é outra fonte de captação de recursos. “Somos um museu acadêmico, nossos 13 docentes da pós-graduação são a alma da instituição”, diz. “Grande parte das despesas é paga por verbas de projetos dos professores. Se não fosse por eles, essa instituição não se mantinha."

Os docentes trazem recursos de bolsas de pesquisa de instituições como Fapesp, CNPq, Finep e Capes. Uma porcentagem da verba de grandes projetos vai para o museu. Em 2018, apenas o montante vindo da Fapesp rendeu R$ 270 mil à instituição. O museu também é beneficiado com equipamentos que professores e alunos adquirem para suas pesquisas.

Hoje a entrada no museu, que atrai cerca de 70 mil visitantes por ano, é gratuita, mas existe um plano de começar a cobrar pelos ingressos no valor de R$ 10 a partir de 2019.

Funcionários mais antigos relatam que houve três casos de princípio de incêndio no museu, nenhum grave, o último há 25 anos. Foi no final dos anos 1990 que o museu começou a melhorar sua segurança, ao trocar as estantes de madeira por móveis de metal e aumentar a quantidade de extintores. 

Em 2011 uma reforma elétrica foi realizada no edifício. Um reservatório de água de 70 mil litros, finalizado em 2016, garante o abastecimento dos hidrantes. O museu conta com uma brigada de incêndio com 28 funcionários e todos os alunos passam por um curso para aprender a acionar os hidrantes e extintores. 

Faltam, porém, alguns reparos. O museu tem um projeto de AVCB (Auto de Vistoria do Corpo de Bombeiros) já aprovado pelos bombeiros, que inclui instalação de portas corta-fogo, troca de divisórias de MDF por paredes de alvenaria e substituição dos forros do teto, feitos de papelão e madeira, por forros de gesso.

A Superintendência do Espaço Físico (SEF) da USP está finalizando a checagem dos itens do AVCB para solicitar a aprovação de órgãos de preservação do patrimônio histórico, como o estadual Condephaat e o municipal Conpresp. O projeto deve ser enviado aos órgãos até o dia 11 deste mês e as obras devem ser concluídas até o segundo semestre de 2019.

Para Pinna, o processo de aprovação de reformas é moroso e confuso. Segundo o Condephaat, a edificação do Museu de Zoologia não é tombada pelo órgão, mas o museu fica na área do Parque da Independência, este sim protegido. Tudo o que for feito em suas dependências, portanto, precisaria de autorização. Mas, segundo Pinna, existe uma interpretação de que apenas a fachada seria protegida. “É um limbo legal, ninguém sabe se pode mexer.” 

O diretor diz que, dada a urgência em proteger o prédio, já está fazendo algumas mudanças por conta própria, como a instalação de portas corta-fogo e a substituição dos forros.

Essa lentidão é uma das principais responsáveis pela tragédia no Museu Nacional, na avaliação de Pinna. “Lá tudo era tombado, então foi sendo feita gambiarra em cima de gambiarra, o que se tornou um gatilho para o fogo”, diz. “O tombamento virou uma camisa de força que impediu que fossem feitas as reformas necessárias para evitar o que aconteceu.”

O fogo também é uma ameaça constante ao museu Emilio Goeldi, em Belém. 

Em 2009, um de seus prédios sofreu um pequeno incêndio, que foi rapidamente identificado e controlado. Não houve perdas.

Outro ponto em comum é carência de verba. No ano passado, a instituição quase fechou as portas por falta de recursos. A direção do Goeldi diz tentar meios financeiros para melhorar o sistema de combate a incêndios principalmente para as peças arqueológicas (120 mil objetos e 2 milhões de fragmentos da Amazônia) e etnográficas (15 mil objetos de 120 povos indígenas) que requerem um sistema que usa gás, mais caro —quando ativado, o gás, que não é tóxico nem corrosivo, é liberado por difusores instalados nas paredes e no teto das salas e apaga o fogo.

Também por questões de orçamento, há quase dez anos está parada a construção de um dos prédios do Goeldi para expor ao público peças importantes do acervo. Entre esses tesouros, estão fósseis pré-históricos de preguiça-gigante e de peixe-boi gigante, que eram endêmicos da Amazônia, e o único original no país do “Mapa Etno-Histórico do Brasil e Regiões Adjacentes”, elaborado pelo etnólogo alemão Curt Nimuendajú em 1943.

Foi queimado no Museu Nacional o outro original em solo brasileiro (há um nos EUA) desse documento, que reúne informações sobre todas as etnias indígenas que habitaram o Brasil desde o século 16. Essas peças estão em guardadas em um espaço do campus de pesquisa, em outro bairro.

A obra do novo prédio começou em 2009 e parou no ano seguinte. Há previsão de ser retomada até o fim deste ano e concluída em dezembro de 2019.

Fundado em 1866, o Emilio Goeldi passou a ser o museu de ciências mais antigo do Brasil em atividade após a tragédia no Rio, e uma referência mundial em estudos amazônicos. 

O museu possui 19 coleções científicas principais, divididas em 40 subcoleções, com mais de 4,5 milhões de itens tombados, nas áreas de arqueologia, etnologia, linguística, biologia e paleontologia, entre outras. Vai de artefatos de civilizações milenares da região, como a marajoara e a tapajônica, à coleção de espécimes já extintos.

“Não tem como falar sobre a história da Amazônia sem passar pelo Goeldi”, diz Maria Emília da Cruz Sales, coordenadora de Comunicação e Extensão da instituição.

No parque zoobotânico, que integra o Goeldi, há também um aquário, fundado em 1911 e que passou recentemente por uma reforma, com espécies amazônicas de peixes, répteis e quelônios. Ele deve ser ampliado ainda este ano, criando um espaço para a quarentena de peixes e uma área para exposições. Pedro Oliva, chefe do parque zoobotânico, diz que a parte elétrica passa constantemente por manutenção. “A situação não é a ideal, mas a gente procura fazer intervenções pontuais em cada prédio. O importante é ficar sempre atento e ver se essas fiações continuam atendendo as nossas necessidades”, diz. Após o incêndio no Rio, houve nova vistoria dos bombeiros.

Exceção diante da situação de degradação dos museus brasileiros, o Museu de Ciências Naturais PUC Minas, em Belo Horizonte, foi reformado e teve seu sistema de combate a incêndio ampliado há cinco anos.

As melhorias, porém, vieram na esteira de um incêndio, em janeiro de 2013, que afetou a parte expositiva do segundo andar, destruindo cenários e réplicas de fósseis. A estrutura do museu e o acervo científico não foram danificados. A cópia do fóssil de uma preguiça gigante, por exemplo, se perdeu, mas foi feita outra.

A reforma durou 11 meses e custou R$ 1,5 milhões, bancados pela PUC. O museu ganhou na época nova pintura, sistema elétrico, sistema hidráulico e iluminação de led, mais durável e econômica.

O custeio do museu, o que inclui o pagamento de funcionários, também é financiado pela PUC que, embora não atrase os repasses, não tem como arcar com ampliação ou mais contratações. Já a verba para pesquisas e projetos vêm de instituições de amparo à pesquisa como Fapemig e CNPq ou da Lei Rouanet.

“Estamos muito bem, sobretudo porque há uma grande demanda do público estudantil. Temos média diária acima de 300 pessoas na visitação e, nas férias, o volume cresce consideravelmente. E temos grande número de pesquisadores de outros museus e de outros países”, afirma o coordenador do museu, Bonifácio Teixeira.

Em 2017, o museu recebeu 103 mil visitantes. Fundado em 1983, reúne coleções de referência, com mais de 130 mil peças da fauna e flora extinta e atual.

A coleção de paleontologia se destaca com preguiças terrestres, tatus gigantes e tigre-dentes-de-sabre. “É uma das mais importantes das Américas. E recebemos grande qualidade de material arqueológico também”, diz Teixeira.

Já o acervo de espécies atuais tem 36 mil exemplares de animais e plantas.

O museu de BH abriga ainda cinco réplicas de peças que faziam parte da coleção do Museu Nacional do Rio de Janeiro, destruído por um incêndio há um mês. São cópias de fósseis de mamíferos e de dinossauros que agora servirão como modelo para criar novas réplicas e que serão enviadas ao Rio como reposição.

“Estamos firmes na colaboração com Museu Nacional, vamos oferecer as cópias dessas peças”, diz o coordenador.

Juliana Tiraboschi, Augusto Pinheiro e Carolina Linhares

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