'Formiga do inferno' que conviveu com dinossauros não era tão perigosa assim

Estudo feito no Brasil aponta que supermandíbula não permitia o empalamento de vítimas

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São Carlos (SP)

“Formigas do inferno” não é uma designação das mais simpáticas, mas parecia uma expressão apropriada para falar de insetos da Era dos Dinossauros dotados de uma mandíbula assustadora, capaz de empalar suas presas. As supostas malvadezas dos bichos, entretanto, talvez tenham sido bastante exageradas.

É o que sugere um estudo feito no Brasil que relata a descoberta de três novas espécies dessas formigas, as quais viveram há cerca de 100 milhões de anos, no período Cretáceo.

Segundo o estudo, o mais provável é que a movimentação da supermandíbula não permitisse o empalamento de vítimas, e que o estranho aparato bucal dos animais os ajudasse a consumir fontes mais inócuas de alimento, como seiva e secreções produzidas por outros insetos.

A pesquisa sobre as formigas do grupo Haidomyrmecinae foi publicada recentemente na revista científica Cretaceous Research por John Lattke e Gabriel Melo, do Departamento de Zoologia da UFPR (Universidade Federal do Paraná).

Os exemplares estudados por eles ficaram preservados em âmbar oriundo de Myanmar, no Sudeste Asiático. “É um material que tem mudado completamente o que sabemos sobre a evolução de diversos grupos de insetos, com uma diversidade inimaginável”, conta Melo.

Formigas gigantes mergulhadas em uma composição amarelada
Formiga do inferno, preservada em âmbar, uma das três novas espécies descoberta no Brasil - John Lattke e Gabriel Melo/Divulgação

De fato, do ponto de vista anatômico, não existe nada parecido com as “formigas do inferno” entre suas parentas modernas, apesar da grande variedade de espécies do grupo hoje. Além da megamandíbula, também podem apresentar “chifres”, que estudos anteriores propuseram ser outra arma contra presas.

As semelhanças com as formigas modernas estão em aspectos mais gerais do estilo de vida, já que as Haidomyrmecinae parecem ter formado grupos sociais e habitado troncos de árvores (provavelmente gimnospermas, como os atuais pinheiros).

O novo trabalho se concentrou na descrição e na análise comparativa das três novas espécies, batizadas de Ceratomyrmex planus, Haidomyrmex davidbowiei (cujo nome homenageia o roqueiro britânico David Bowie) e Dilobops dentata.

Um dos pontos centrais é que, nas espécies vivas de formigas, a movimentação da mandíbula é sempre na lateral. No entanto, para que o temido empalamento das presas acontecesse, as “formigas do inferno” teriam de mexer o aparato bucal na vertical, ou no eixo dorsal-ventral, como dizem os pesquisadores.

É claro que as espécies do Cretáceo poderiam ter desenvolvido adaptações diferentes das atuais, mas o estudo das articulações das formigas preservadas no âmbar sugere que não era esse o caso. Além disso, em ao menos uma das espécies, a mandíbula parece não ter sido perfurante.

Formigas gigantes mergulhadas em uma composição amarelada
Detalhes da formiga do Inferno, que apresenta mandíbula enorme e, às vezes, chifres - John Lattke e Gabriel Melo/Divulgação

E há ainda a presença de “pêlos” delicados no aparato, que acabariam sendo perdidos caso ele fosse constantemente usado para capturar vítimas, o que parece não ter acontecido.

Por outro lado, outra parte da anatomia da cabeça dos animais, o chamado clípeo, tem características que indicam uma capacidade de sucção forte, “como uma cigarra sugando a seiva de uma raiz”, compara Melo.

Isso sugere que, em vez de funcionar como uma lança, a mandíbula talvez atuasse como um grampo, prendendo a boca do inseto a uma superfície para que ele a sugasse. Além da seiva e das secreções deixadas na casca das árvores por outros invertebrados, é concebível que as formigas sugassem também hemolinfa (“sangue”) de outros insetos.

De qualquer maneira, parece cair por terra o estereótipo de superpredador, embora algumas espécies do grupo talvez fossem caçadoras. A própria mandíbula gigante talvez seja, na verdade, um “dente” superdesenvolvido (que não corresponde, é claro, aos dentes dos vertebrados, mas a estruturas próprias dos insetos), diz John Lattke.

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