Fluido espinhal de camundongos jovens aguça memória de roedores mais velhos

Estudo publicado na revista Nature pode abrir portas a tratamentos futuros para humanos

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Benjamin Mueller
The New York Times

Cinco anos atrás, Tal Iram, uma jovem neurocientista da Universidade Stanford, procurou seu supervisor com uma proposta ousada: ela queria extrair fluido das cavidades cerebrais de camundongos jovens e injetá-lo no cérebro de camundongos mais velhos, para testar se as transferências poderiam rejuvenescer os roedores envelhecidos.

Seu supervisor, Tony Wyss-Coray, ficou famoso por mostrar que dar sangue de animais mais novos a animais velhos podia neutralizar e até reverter alguns efeitos do envelhecimento. Mas a ideia de testar esse princípio com o líquido cefalorraquidiano, o líquido de difícil acesso que banha o cérebro e a medula espinhal, pareceu-lhe um feito técnico tão desafiador que tentá-lo beirava a imprudência.

"Quando discutimos isso inicialmente, eu disse: 'É tão difícil que não tenho certeza se vai funcionar'", contou Wyss-Coray.

Descoberta indica que tornar o cérebro resistente às mudanças da velhice pode depender menos da interferência em processos específicos de doenças e mais da tentativa de restaurar o tecido para algo mais próximo de seu estado juvenil - Diego Padgurschi /Folhapress

Iram perseverou, trabalhando durante um ano apenas para descobrir como coletar o líquido incolor dos camundongos. Na quarta-feira (11), ela relatou os resultados tentadores na revista Nature: uma semana de infusões de líquido cefalorraquidiano jovem melhorou a memória de camundongos mais velhos.

A descoberta foi o mais recente indício de que tornar os cérebros resistentes às mudanças implacáveis da velhice pode depender menos da interferência em processos específicos de doenças e mais da tentativa de restaurar o ambiente cerebral para algo mais próximo de seu estado juvenil.

"Isso salienta a ideia de que o líquido cefalorraquidiano pode ser usado como meio para manipular o cérebro", disse Iram.

Transformar esse insight em um tratamento para humanos, no entanto, é um desafio mais formidável, disseram os autores do estudo. Os trabalhos anteriores sobre como o sangue jovem pode reverter alguns sinais de envelhecimento levaram a ensaios clínicos recentes nos quais doações de sangue de pessoas mais jovens foram filtradas e aplicadas em pacientes com doença de Alzheimer ou Parkinson.

Mas ainda não está claro exatamente quão bem-sucedidos esses tratamentos podem ser, muito menos quão amplamente podem ser usados, disseram os cientistas.

As dificuldades de trabalhar com o líquido cefalorraquidiano são mais acentuadas do que as relacionadas ao sangue. Infundir o fluido de uma pessoa jovem em um paciente mais velho provavelmente não é possível; extrair o líquido geralmente requer uma punção lombar, e os cientistas dizem que há questões éticas sobre como coletar líquido cefalorraquidiano suficiente para infusões.

Embora existam teoricamente outras maneiras de obter benefícios semelhantes —como fornecer uma proteína crítica do fluido que os pesquisadores identificaram ou fazer uma pequena molécula que imita essa proteína—, essas abordagens encerram seus próprios desafios.

O líquido cefalorraquidiano se tornou um alvo lógico para pesquisadores interessados em envelhecimento. Ele nutre as células cerebrais e sua composição muda com a idade. Diferentemente do sangue, o fluido fica perto do cérebro. ​

Durante anos, os cientistas viram o fluido principalmente como uma forma de registrar as mudanças associadas ao envelhecimento, em vez de combater seus efeitos. Testes de líquido cefalorraquidiano, por exemplo, ajudaram a identificar níveis de proteínas anormais em pacientes com perda significativa de memória que desenvolveram Alzheimer. Os cientistas sabiam que também havia proteínas promotoras da saúde no líquido cefalorraquidiano, mas identificar suas localizações e efeitos precisos parecia impossível.

Por um lado, disseram os cientistas, era difícil rastrear as mudanças no fluido, que o corpo reabastecia continuamente. E coletá-lo de camundongos, evitando a contaminação do fluido com vestígios de sangue, era extremamente difícil.

"O campo ficou décadas atrás de outras áreas da neurociência", disse Maria Lehtinen, que estuda o líquido cefalorraquidiano no Hospital Infantil de Boston e é coautora de um comentário na Nature sobre o novo estudo com ratos. "Em grande parte, isso se deve às limitações técnicas no estudo de um fluido que está profundamente dentro do cérebro e que é substituído continuamente."

Para infundir o líquido cefalorraquidiano jovem em ratos velhos, Iram fez um pequeno orifício em seus crânios e implantou uma bomba abaixo da pele na parte superior das costas. Para comparação, um grupo separado de camundongos velhos foi infundido com líquido cefalorraquidiano artificial.

Algumas semanas depois, os camundongos foram expostos a sinais –um som e uma luz piscando– que eles aprenderam anteriormente a associar a choques nos pés. Os animais que receberam a infusão de líquido cefalorraquidiano jovem tendiam a congelar por mais tempo, sugerindo que haviam preservado memórias mais fortes dos choques originais nas patas.

"Este é um estudo muito interessante que me parece cientificamente sólido", disse Matt Kaeberlein, biólogo que estuda o envelhecimento na Universidade de Washington e não participou da pesquisa. "Isso aumenta o crescente corpo de evidências de que é possível, talvez surpreendentemente fácil, restaurar a função em tecidos envelhecidos, visando os mecanismos do envelhecimento biológico."

Iram tentou determinar como o jovem líquido cefalorraquidiano estava ajudando a preservar a memória analisando o hipocampo, parte do cérebro dedicada à formação e armazenamento da memória. O tratamento dos camundongos velhos com o fluido, como ela descobriu, teve um forte efeito nas células que atuam como precursoras dos oligodendrócitos, que produzem camadas de gordura conhecidas como mielina, que isolam as fibras nervosas e garantem fortes conexões de sinal entre os neurônios.

Os autores do estudo se concentraram em uma proteína específica no líquido cefalorraquidiano jovem que parecia participar do desencadeamento da série de eventos que levava a um isolamento mais forte do nervo. Conhecida como fator de crescimento de fibroblastos 17, ou FGF17, a proteína pode ser infundida no líquido cefalorraquidiano mais velho e pode replicar parcialmente os efeitos do líquido jovem, segundo o estudo.

Ainda mais impressionante, o bloqueio da proteína em camundongos jovens pareceu prejudicar sua função cerebral, oferecendo evidências mais fortes de que o FGF17 afeta a cognição e muda com a idade.
O estudo fortaleceu o caso de que as falhas na formação de mielina estavam relacionadas à perda de memória associada à idade.

Alguns cientistas disseram que conhecer uma das proteínas responsáveis pelos efeitos do fluido espinhal jovem poderia abrir as portas para possíveis tratamentos baseados nessa proteína. Ao mesmo tempo, os recentes avanços tecnológicos aproximaram os cientistas da observação de mudanças no líquido cefalorraquidiano em tempo real, ajudando-os a "descascar as camadas de complexidade e mistério que cercam esse fluido", disse Lehtinen.

Tradução de Luiz Roberto M. Gonçalves

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