Com eleição de Lula, cientistas dizem que 'pesadelo enfim está terminando'

Para comunidade científica, petista dará atenção às áreas de ciência, educação e meio ambiente

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São Paulo

Cientistas do Brasil e do mundo celebraram a vitória de Luiz Inácio Lula da Silva (PT). Eles postaram fotos, replicaram mensagens e produziram comunicados em que predomina o tom de alívio pela derrota de Jair Bolsonaro (PL) e de esperança em relação ao novo governo.

"Congratulations, Brazil. Hallelujah!" (parabéns, Brasil. Aleluia), escreveu o biólogo Richard Dawkins em seu perfil no Twitter. Paul Zachary Myers, biólogo na Universidade de Minnesota, também parabenizou o país.

Na mesma rede social, o astrônomo Phil Plait mencionou a pequena margem de diferença entre os candidatos para dizer quão próximos do fascismo os brasileiros ficaram e incentivar a votação nos Estados Unidos.

Por aqui, o Observatório do Clima, que reúne 77 organizações entre ONGs, institutos de pesquisa e movimentos sociais, divulgou uma nota em que afirma que "o pesadelo enfim está terminando", e a SBPC (Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência) posicionou-se parabenizando o presidente eleito e o povo brasileiro pelo exemplo de espírito democrático.

Helena Nader em sua sala na Unifesp; apesar dos desafios que Lula terá pela frente, a pesquisadora afirma que está otimista - Eduardo Knapp - 22.mar.2022/Folhapress

A comunidade científica diz acreditar que Lula dará atenção às áreas de ciência, educação e meio ambiente. Por outro lado, sabe que há grandes desafios pela frente, como o fato de o país ter 33 milhões de pessoas passando fome.

"A maior prioridade não é só recuperar o orçamento, é acabar com o ódio, com a cisão do país. A outra prioridade é acabar com a fome. Antes, tínhamos pessoas em situação de rua. Agora são famílias inteiras", afirma a biomédica Helena Nader, professora da Unifesp (Universidade Federal de São Paulo) e presidente da ABC (Academia Brasileira de Ciências).

O presidente da SBPC, o filósofo Renato Janine Ribeiro, também põe o combate à fome em primeiro lugar, seguido pela redução da miséria e pela ênfase na educação.

"É importante que todas as pessoas que apoiaram Lula aceitem essa priorização e entendam que a educação precisa ser prioridade porque, para combater a fome, será preciso promover o acesso à comida com respeito ao meio ambiente. O novo governo vai precisar mexer na produção de comida, acabar com o desmatamento. Está tudo interligado", diz.

Para o Observatório do Clima, é preciso enxergar com realismo a situação do país e agir rápido em relação à agenda socioambiental e climática.

"Estancar o massacre dos povos indígenas e a devastação da Amazônia exigirá contrariar quadrilhas poderosas e, frequentemente, interesses de aliados e apoiadores nos governos locais e no Parlamento. A retirada dos criminosos das terras indígenas e a reversão das taxas de desmatamento são medidas urgentes, das quais depende a recuperação da credibilidade do governo brasileiro perante o próprio povo e a comunidade internacional", defende.

A microbiologista Natalia Pasternak, presidente do IQC (Instituto Questão de Ciência), destaca ainda os desafios que a gestão do petista terá na área da saúde. "O governo atual deixa um legado perverso para ciência, tecnologia e saúde. Ele destruiu o PNI (Programa Nacional de Imunizações) e deu força para a hesitação vacinal crescer no Brasil", avalia.

"Não podemos esquecer que temos 58 milhões de pessoas vulneráveis ao discurso antivacina baseado na ideia de que o governo não pode interferir na liberdade individual Temos as piores taxas de vacinação infantil da nossa história. Vai ser preciso reconstruir, investir pesado em campanhas, no PNI e no SUS", completa Pasternak.

Para Nader, Lula terá o apoio da comunidade científica para atuar na reconstrução. "Ele vai ter uma grande dificuldade por causa da crise econômica e porque todo mundo está esperando que um milagre aconteça já no primeiro ano. Eu sou bem pragmática, sei que vai levar um tempo e vejo que nós, da educação e da ciência, temos que ajudar."

Uma das formas de auxiliar, menciona a professora, é aplicar o conhecimento já existente sobre formas de melhorar a educação. Outra é indicar caminhos de como atuar na área que não envolvam grandes investimentos, já que muitas áreas vão demandar recursos. Nesse sentido, ela lista o uso dos recursos do FNDCT (Fundo Nacional do Desenvolvimento Científico e Tecnológico) pelas áreas para as quais foi criado e a formação de um grupo para estudar como aumentar o valor das bolsas para pesquisa.

Natalia Pasternak, presidente do IQC: "Estaremos à disposição e vigilantes para que as políticas públicas do novo governo sejam baseadas em ciência e evidência, não em ideologia e achismo" - Karime Xavier - 23.out.2018/Folhapress

"O jovem é a esperança deste país. Ao dizer para um jovem que a bolsa dele é de R$ 1.500 para fazer o mestrado com dedicação exclusiva, você está virando as costas à ciência e à inovação", pondera.

O problema também é enfatizado por Janine Ribeiro. Para ele, as primeiras medidas relacionadas diretamente com C&T devem englobar o aumento do número de bolsas, a atualização do valor e a criação de oportunidades de pós-doutorado com remuneração.

Apoio na campanha

Até a definição da eleição, 14.657 pessoas haviam assinado o manifesto "Ciência, Tecnologia e Inovação com Lula", criado pela comunidade científica do país.

Além dos pesquisadores, instituições e publicações demonstraram apoio à saída de Bolsonaro. No último dia 26, Hugo Aguilaniu, diretor-presidente do Instituto Serrapilheira, divulgou um vídeo nas redes sociais anunciando apoio da entidade à candidatura de Lula. "Ao nosso ver, a única candidatura que garante um apoio à ciência de verdade é a do Lula", afirmou.

Um dia antes, a revista científica Nature afirmou em um editorial que só havia uma escolha para o Brasil e para o mundo e que um segundo mandato de Bolsonaro representaria ameaças à ciência, à democracia e ao meio ambiente.

Em setembro, antes do primeiro turno, um editorial da revista científica The Lancet criticou a gestão de Bolsonaro na pandemia e o desrespeito a indígenas e também citou a necessidade de "uma mudança urgente".

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