Descrição de chapéu Todo mundo lê junto

'Não faço meu trabalho para ficar famosa', diz a cientista Natalia Pasternak

Especialista em microbiologia fala da infância, da carreira e do amor pela ciência

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São Paulo

Quando se diz que alguém é cientista, fica fácil imaginar essa pessoa em um laboratório, vestindo jaleco e óculos especiais, e segurando alguns tubos de ensaio. Natalia Pasternak até já trabalhou assim por algum tempo, mas por boa parte da sua carreira ela tem sido um tipo diferente de cientista.

Ela é uma divulgadora científica. Em resumo, explica Natalia, no seu trabalho ela "traduz" as ciências, tornando-a mais acessível às pessoas leigas —ou seja, que não fazem parte da comunidade científica.

Foi (e tem sido) assim, por exemplo, durante boa parte da pandemia do coronavírus, quando Natalia foi convidada por muitos programas de TV, jornais e sites para ajudar a população a entender o que estava acontecendo.

Folhinha entrevista Natalia Pasternak para o Dia das Meninas e Mulheres nas Ciências
Ilustração de Natalia Pasternak, de autoria de Catarina Pignato - Catarina Pignato

Nesta sexta (11), foi comemorado o Dia Internacional das Mulheres e Meninas nas Ciências e, por isso, Natalia conversou com a Folhinha para contar sobre seu interesse pelo tema, sua infância e sua carreira.

Você é uma divulgadora científica. Como é o seu trabalho?

O meu trabalho é traduzir a ciência que é produzida nas universidades e nos centros de pesquisa para que todo mundo entenda. É um trabalho de tradução da ciência, que às vezes pode ser complicada. Existem maneiras de fazer todo mundo entender, porque todo mundo pode e consegue entender ciências, qualquer pessoa de qualquer idade e de qualquer lugar.

O que a pessoa tem que estudar para ser um "tradutor" de ciências?

Boa pergunta, porque não basta ser um cientista ou saber ciências, tem que saber também comunicar. A gente estuda técnicas de comunicação para adaptar essa linguagem para diferentes públicos. Não vou falar do mesmo jeito para crianças e para um gestor público, por exemplo. E, principalmente, a pessoa tem que saber traduzir a ciência sem simplificá-la demais, achando que o público é bobo, subestimando as pessoas. O público sempre tem capacidade de entender.

Durante o enfrentamento da Covid, você se tornou uma das principais cientistas a aparecer na TV e nos jornais. Como foi isso tudo para você, dar tantas entrevistas e ficar famosa?

Acho que o que mais mudou na minha vida foi a intensidade do trabalho. Toda essa demanda toma muito tempo e dedicação. Não é que eu vou lá e falo de repente sobre qualquer assunto, eu estudo antes. Tudo isso é um trabalho contínuo e sob demanda, é muito diferente do que eu fazia antes, quando eu podia escolher os temas e ir divulgá-los. Trabalhar sob pressão e sob demanda é muito mais difícil. Sobre ficar famosa, isso é uma bobagem. Não faço meu trabalho para ficar famosa, senão eu estava indo no BBB. Meu trabalho é como outro qualquer, depois que acabar a pandemia ninguém mais vai se lembrar de mim. Se eu puder, vou aproveitar esse lugar que a imprensa generosamente me cedeu para que as pessoas entendam a importância das ciências no dia a dia.

São Paulo, 23.10.2018. A divulgadora científica Natalia Pasternak - Karime Xavier/Folhapress

Você começou a se interessar pelas ciências quando ainda era uma menina?

Foi um caminho muito torto. Na época da escola, quando eu tinha a idade da minha filha hoje, 12 anos, eu queria ser escritora. Meu caminho de comunicadora de ciências acabou me levando a isso, até ganhei um Prêmio Jabuti! Eu gostava muito dos livros do Carl Sagan, do Isaac Asimov, mas eu não me imaginava divulgando ciências. Naquela época, o ensino médio a gente chamava de colegial e era dividido em exatas, biológicas e humanas. Ainda bem que mudaram, porque a gente tinha que decidir aos 14 anos qual área a gente queria. Eu gostava de matemática e fui para as exatas.

Minha primeira faculdade foi de direito, fiz três anos dela e percebi que não era o que eu gostava, e então fui estudar biologia. A gente não pode ter medo de errar, temos o direito de mudar de ideia. Na faculdade de biologia eu me encontrei, tive certeza e daí segui carreira nessa área. A gente tem que ter um pouco de coragem na vida, porque deve ser muito chato trabalhar com o que a gente não gosta.

Havia outras meninas da sua idade que também gostassem do tema ciências?

Quando entrei na faculdade de biologia, minha turma era bem dividida entre meninos e meninas. Não tinha essa coisa de estigma de profissão, era bem equilibrada e na pós-graduação também. Nunca senti preconceito dentro da universidade. Na bancada [laboratório] e no pós-doutorado também foi tudo muito tranquilo.

Só comecei a sentir algo trabalhando com comunicação de ciências. O estereótipo de como uma mulher deveria se comportar, falar. Se eu levanto um tom de voz na TV, por exemplo, a reação ao meu tom é descabida em comparação à reação aos meus colegas homens que fazem a mesma coisa. Existe uma pressuposição de como a mulher deve se comportar. Ninguém debatia o conteúdo da minha mensagem, mas falavam da minha maquiagem, da minha aparência, diziam que fui deselegante, que sou histérica, louca, descontrolada. São adjetivos que são qualificadores de mulheres, não aparecem para os homens. Até a desqualificação é machista e tem estereótipos.

Qual a parte mais legal do seu trabalho e qual a parte mais difícil ou chata?

A mais legal é perceber que você fez a diferença na vida das pessoas. Que elas pararam para pensar naquele assunto e mudaram de atitude. Pessoas falavam para mim que morriam de medo dos transgênicos, por exemplo, e que assistiram às minhas palestras ou leram meus textos e que agora sabiam que não precisavam ter medo, que essa é só uma técnica segura e até legal pro meio ambiente. Ou ver alguém que, agora, resolveu se vacinar, que um texto meu ajudou a esclarecer o tema e a pessoa mudou de ideia.

A parte mais difícil é que explicar ciência acabou se tornando muito politizado durante a pandemia, então é difícil separar isso para chegar nas pessoas. Muitas vezes as pessoas nem vão ler meus textos ou assistir às minhas palestras porque já acham que me conhecem. Nunca falei minha posição política em público! Tentam me encaixar em alguém contra o governo, então não querem nem ouvir o que eu falo. Isso acontece comigo e com vários colegas.

Você fez doutorado em microbiologia. O que é isso?

É o estudo de microorganismos. São organismos muito pequenos, por isso são micro. São as bactérias, vírus e alguns tipos de fungos. A gente enxerga todos eles usando aparelhos, mede o que eles fazem. Eles são importantíssimos, estão no planeta há muito mais tempo que a gente. Estudá-los nos dá o entendimento de como a vida evoluiu no planeta Terra, como eles sobrevivem em lugares que a gente não conseguiria nem chegar perto. Tem bactérias que vivem em geleiras, outras no fundo do mar superquente. Estudá-los é estudar a vida. Deu para perceber que eu acho fascinante, né? (risos) Morro de saudade das minhas bactérias, estou torcendo para a pandemia acabar também porque quero voltar a escrever sobre elas.

Há um tempo você ajudou jornalistas com um curso para popularizar a ciência. O que você ensinava nele?

Principalmente como dar uma notícia científica, como escolher quem entrevistar. Ensinava a tomar cuidado, porque, no jornalismo, muitas vezes é muito comum achar que tem que dar os lados de uma história, quem é contra e quem é a favor, e na ciência isso não existe. Ela é construída em cima de um processo de investigação, ela vai tentar se aproximar dos fatos. A gente trabalha com fatos, e não dá pra ter dois lados nos fatos, ou é ou não é. Como quando os jornalistas iam falar sobre a cloroquina, por exemplo, eles têm que saber as evidências do uso dela, e que ninguém é contra ou a favor de um remédio.

O que você diria para meninas que se interessam por ciências e pensam em estudar mais esse assunto ao longo da vida, e quem sabe até trabalhar com ele?

A gente tem que fazer o que a gente gosta. Tive, claro, muitos privilégios de poder escolher a profissão que eu queria, mas não tenha medo de errar. Se você curte ciências, escolha uma faculdade que se encaixe, mas saiba que é só uma faculdade, não um destino. Aproveite para ir atrás de campos de conhecimento, não tenha vergonha, bata na porta dos laboratórios que você quer conhecer. Nós, professores, somos muito receptivos. Não deixe de fazer o que você gosta para fazer outro caminho só porque ele parece mais fácil.

TODO MUNDO LÊ JUNTO

Texto com este selo é indicado para ser lido por responsáveis e educadores com a criança

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