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Grandes descobertas científicas são cada vez mais raras, aponta estudo

Avanços reais são poucos diante de volume cada vez maior de pesquisas feitas

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William J. Broad
The New York Times

Vacinas milagrosas. Videofones em nossos bolsos. Foguetes reutilizáveis. Nossa fartura tecnológica e o progresso científico relacionado a ela parecem inegáveis e incomparáveis. Mas artigo publicado pela revista Nature aponta que o ritmo geral dos grandes avanços diminuiu drasticamente nos últimos quase três quartos de século.

Os pesquisadores responsáveis pelo artigo analisaram milhões de patentes e artigos científicos e mostraram que investigadores e inventores fizeram relativamente poucos avanços e inovações importantes, considerando a montanha crescente de pesquisas científicas e tecnológicas realizadas em todo o mundo.

Foguete SpaceX Falcon 9 é lançado levando membros da tripulação comandante Nicole Mann, o piloto Josh Cassada, a cosmonauta Roscosmos Anna Kikina e o especialista em missão Koichi Wakata da Japan Aerospace Exploration Agency (JAXA) para a Estação Espacial Internacional - Joe Skipper - 5.out.22/Reuters

Os três analistas constataram entre 1945 e 2010 uma queda constante de descobertas disruptivas como parcela do aumento de pesquisas, sugerindo que os cientistas hoje tendem a avançar de modo incremental, mais do que descrever saltos intelectuais.

"Deveríamos estar vivendo uma era áurea de novas descobertas e inovações", afirma Michael Park, um dos autores do artigo e doutorando em empreendedorismo e administração estratégica na Universidade de Minnesota, nos EUA.

As conclusões de Park e seus colegas sugerem que os investimentos em ciência estão numa espiral de retornos cada vez menores e que, sob alguns aspectos, a quantidade vem superando a qualidade.

Embora isso não seja tratado no estudo, as conclusões também levantam questionamentos sobre até que ponto a ciência está em condições de abrir novas fronteiras e sustentar o tipo de ousadia que desvendou o átomo e o universo e o que pode ser feito para combater a distância crescente entre a ciência e descobertas pioneiras. Estudos anteriores apontaram para uma desaceleração no progresso científico, mas na maioria dos casos o fizeram com menos rigor.

Park, Russel J. Funk, também da Universidade de Minnesota, e Erin Leahey, socióloga na Universidade do Arizona (EUA), basearam seu estudo numa espécie de análise aumentada de citações que Funk ajudou a criar. A análise de citações geralmente rastreia como pesquisadores citam os trabalhos publicados uns dos outros como maneira de separar ideias brilhantes de ideias pouco excepcionais, num sistema inundado de artigos científicos. O método aprimorado que eles utilizaram amplia o escopo analítico.

"É uma métrica muito inteligente", avalia Pierre Azoulay, professor de inovação tecnológica, empreendedorismo e administração estratégica no MIT (Massachusetts Institute of Technology), nos EUA. "Fiquei maravilhado quando vi. É como um brinquedo novo."

Não é de hoje que pesquisadores procuram maneiras objetivas de avaliar o estado da ciência, vista como crucial para o crescimento econômico, o orgulho nacional e a força militar. Ficou mais difícil fazê-lo quando os artigos científicos publicados aumentaram em número, chegando a mais de 1 milhão a cada ano. São mais de 3.000 artigos a cada dia —segundo qualquer critério, um borrão indecifrável.

Contestando esse aumento, especialistas vêm debatendo o valor dos avanços incrementais versus os momentos de "eureca" que mudam tudo que é sabido sobre um campo qualquer.

O novo estudo pode aprofundar esse debate. Uma surpresa é que descobertas saudadas popularmente como grandes avanços são vistas pelos autores do novo estudo como, em muitos casos, representativas de pouco mais que ciência rotineira. Os autores consideram que os verdadeiros saltos às vezes estão totalmente ausentes da discussão.

Por exemplo, o maior avanço citado na lista de exemplos traçada pelo estudo está na recombinação de genes, ainda pouco conhecida pela ciência popular. Essa descoberta permitiu que DNA alheio fosse inserido em células humanas e animais, não apenas em células bacterianas.

O New York Times mencionou essa descoberta em 1983, em uma nota de apenas quatro parágrafos. Mas a façanha rendeu uma série de prêmios a seus autores e à instituição deles, a Universidade Columbia, nos EUA, além de quase US$ 1 bilhão (cerca de R$ 5 bilhões, na cotação atual) em taxas de licenciamento, uma vez que ela possibilitou um avanço nas operações de biotecnologia em todo o mundo.

Em contraste com isso, os analistas enxergariam duas das descobertas mais festejadas deste século como sendo triunfos da ciência comum, e não saltos ousados. As vacinas de mRNA (o RNA mensageiro) que combatem o coronavírus com êxito decorreram de décadas de trabalho pouco chamativo, pontuam os autores.

E a observação em 2015 de ondas gravitacionais —ondulações sutis na tessitura do espaço-tempo— não representou exatamente um avanço inédito: foi a confirmação de uma teoria centenária que exigiu décadas de trabalho árduo, testes e desenvolvimento de sensores.

"Avanços disruptivos são bons", diz o cientista Dashun Wang, da Universidade Northwestern (EUA), que usou a nova técnica analítica em um estudo em 2019. "Queremos novidade. Mas também queremos ciência cotidiana."

Os três analistas descobriram a tendência de avanços incrementais quando estavam usando a forma aprimorada de análise de citações para examinar quase 50 milhões artigos científicos e patentes publicados entre 1945 e 2010. Eles examinaram quatro categorias — ciências da vida e biomedicina, ciências físicas, tecnologia e ciências sociais —e encontraram uma queda constante nas descobertas que qualificaram como "disruptivas". "Nossos resultados sugerem que o ritmo mais lento da disrupção pode refletir uma mudança fundamental na natureza da ciência e da tecnologia", escreveram.

Seu método inovador —e a análise de citações de maneira geral— ganha poder analítico devido à exigência de que cientistas citem estudos que ajudaram a dar forma às suas descobertas publicadas. A partir da década de 1950, analistas começaram a contabilizar essas citações como forma de identificar pesquisas importantes. Era uma espécie de medição dos aplausos científicos.

Mas a contagem podia ser enganosa. Alguns autores citavam seus próprios trabalhos com certa frequência. E os grandes nomes da ciência podiam receber grande número de citações por descobertas não notáveis. O pior de tudo é que alguns dos artigos mais citados envolviam melhorias apenas minúsculas de técnicas amplamente utilizadas pela comunidade científica.

O novo método examina as citações com profundidade maior, separando com mais eficácia o trabalho rotineiro dos avanços verdadeiros. Ele contabiliza não apenas citações que aparecem numa pesquisa analisada, mas nos estudos anteriores que ela cita.

O que se descobriu foi que os trabalhos anteriores são citados com frequência muito maior se a descoberta é rotineira, e não altamente inovadora. O método analítico converte essa diferença em um novo prisma pelo qual se pode olhar a empreitada científica.

A métrica recebeu o nome de índice CD em função de sua escala, que passa da consolidação à disrupção do conjunto do conhecimento existente.

Funk, que ajudou a idealizar o índice CD, afirma que o novo estudo foi tão computacionalmente intensivo que a equipe precisou em alguns momentos usar supercomputadores para processar os milhões de conjuntos de dados. "Levou mais ou menos um mês", conta. "Este tipo de coisa não teria sido possível há dez anos. Apenas agora está ficando ao nosso alcance."

Tradução de Clara Allain

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