Descrição de chapéu dinossauro

Mary Anning, 1ª mulher paleontóloga, tem biografia feita há pelo menos 175 anos encontrada

George Roberts, professor em uma escola em frente à loja onde a família de Anning vendia fósseis, é provável autor do texto

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São Paulo

Talvez mais famosa hoje do que nunca devido à proliferação de obras retratando a sua história, a britânica Mary Anning, considerada a primeira mulher na paleontologia, não tinha até o momento uma biografia escrita em vida publicada.

Os cientistas Michael Taylor, do Museu de História Natural da Escócia, e Michael Benton, da Universidade de Bristol, encontraram o primeiro texto biográfico de Anning, feito há pelo menos 175 anos, em um conjunto de memórias que estava guardado na biblioteca da Universidade de Bristol.

A biografia foi divulgada na edição desta quarta (11) da revista especializada Journal of the Geological Society.

A paleontóloga Mary Anning (1799–1847), que encontrou o primeiro fóssil de um grande vertebrado aos 12 anos de idade, um esqueleto de ictiossauro
A paleontóloga Mary Anning (1799-1847), que encontrou o primeiro fóssil de um grande vertebrado aos 12 anos de idade, um esqueleto de ictiossauro - Reprodução

Datado entre 1837 e 1847 (a data exata não foi possível determinar), o manuscrito foi atribuído a George Roberts (1804–1860), um historiador e professor que dava aulas em uma escola em frente à loja da família de Anning.

Para os pesquisadores, a atribuição da autoria é indiscutível com base na análise da caligrafia e em outros textos publicados por Roberts e, também, por ele ter relatado o cotidiano da jovem naturalista.

Nascida em 1799 na cidade de Lyme Regis, no sul da Inglaterra, Mary Anning era filha de um comerciante que vendia tapetes, objetos de arte e fósseis descobertos na costa de Dorset. Atingida por um raio quando tinha apenas um ano de idade, a biografia descreve Anning após o episódio como "vivaz e inteligente" e "que alimentava a curiosidade dos anatomistas" com os fósseis por ela encontrados.

Não é para menos. Aos dez anos, Anning achou o primeiro fóssil, um amonite –espécie de molusco extinto que tinha uma concha com centenas de câmaras—, mas suas descobertas mais importantes e lembradas até hoje foram os esqueletos de grandes répteis marinhos, como os ictiossauros e plesiossauros.

Uma página da biografia que inclui detalhes de Mary Anning sendo atingida por um raio quando bebê
Uma página da biografia que inclui detalhes de Mary Anning sendo atingida por um raio quando bebê - Coleções Especiais, Universidade de Bristol

Seu pai, Richard Anning, morreu quando ela tinha apenas 12 anos, e a jovem passou a cuidar da loja da família. O interesse cada vez maior nos fósseis e a descoberta de esqueletos completos levaram o nome da paleontóloga para círculos de cientistas conhecidos à época, que passaram a publicar os seus achados nos periódicos científicos.

Um desses achados foi descrito em 1818 pelo paleontólogo Everard Home (1756–1832) denominado Icthyosaurus, que significa "peixe réptil". Atualmente, o Museu de História Natural de Londres tem uma exibição em uma sala inteira dos fósseis de Anning.

Anning morreu aos 47 anos, em 1847, de câncer de mama, como o próprio texto de Roberts conta, e nunca foi aceita pelo círculo de pesquisadores da Sociedade Geológica de Londres. Nos últimos nove anos antes da sua morte, ela recebeu uma pensão da Sociedade Geológica no valor de 23 libras anuais (equivalente a cerca de 2.400 libras corrigidas pela inflação).

Os autores afirmam, porém, que o formato da escrita e um adendo no final do texto —a tinta utilizada no papel difere das outras três páginas— relatando a morte reforçam a ideia de que a intenção de Roberts era contar a história de Anning, e não dos fósseis ou da geologia da região.

Posteriormente, outros geólogos e paleontólogos publicaram obituários de Anning em revistas científicas à época, incluindo um similar ao texto de Roberts publicado na revista Athenæum, mas a autoria do texto é anônima.

Segundo os autores do artigo na Geological Society, o fato de Roberts ter convivido com Anning e reportado também a sua importância em uma outra publicação, em 1834, tornam a biografia não publicada a mais próxima de uma história da paleontóloga em vida já encontrada.

O paleontólogo Michael Benton disse à Folha que são desconhecidos outros relatos biográficos de Mary Anning porque ela era uma aldeã de origem humilde e que morreu cedo.

Estátua de Mary Anning e seu cão, Tray, na cidade de Lyme Regis, no sul da Inglaterra. A estátua foi produzida por Denise Dutton e colocada na cidade na ocasião da Campamnha "Mary Anning Rock", em 2022.
Estátua de Mary Anning e seu cão, Tray, na cidade de Lyme Regis, no sul da Inglaterra. A estátua foi produzida por Denise Dutton e colocada na cidade na ocasião da Campamnha "Mary Anning Rock", em 2022. - Cortesia de Heather Britton/Journal of the Geological Society

"Se ela tivesse vivido até os 70 ou 80 anos, outros escritos poderiam ter surgido sobre ela. Mas por ela ter virado um ícone tão importante é preciso ter certeza do que é dito sobre ela e não inventar histórias, como é feito em alguns filmes e obras", afirma.

Assim, a biografia é única por trazer histórias escritas por quem a conheceu enquanto viva. "O novo documento confirma alguns fatos, como o de que foi atingida por um raio quando bebê", diz.

O relato de Anning, porém, é um pouco infantilizado, assim como em outros obituários divulgados após sua morte, um estereótipo reforçado por ela ser mulher.

"Comparando a outros obituários que ele publicou, porém, não é possível dizer que era simplesmente por ela ser mulher, exceto que talvez, por não ter formação acadêmica, ela não tinha documentos formais a seu crédito", dizem os autores.

O fato é que, mais de 175 anos após sua morte, Mary Anning ainda inspira mulheres e meninas cientistas em todo o mundo.

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