Governo Lula traz avanços, mas cenário de pesquisa científica no país ainda preocupa

Promessas da gestão petista incluem ampliar bolsas de pesquisa e restabelecer verba

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São Paulo

Ao assumir a Presidência em janeiro, Luiz Inácio Lula da Silva (PT) afirmou a intenção de retomar os investimentos na área da ciência e tecnologia.

Apesar de alguns avanços, o governo chega aos cem dias ainda com lacunas nessa área.

Ainda na campanha, Lula prometeu retomar os investimentos em ciência, com o descontingenciamento do FNDCT (Fundo Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico), que havia sido bloqueado por meio de uma MP (medida provisória) durante o governo de Jair Bolsonaro (PL).

No último dia 30, a ministra da Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI), Luciana Santos, enviou um projeto de lei para votação na Câmara dos Deputados solicitando a liberação de R$ 9,6 bilhões do fundo.

E, em fevereiro, os dois principais órgãos de fomento à pesquisa no país, o CNPq (Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico) e a Capes (Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior), anunciaram o reajuste das bolsas de pós-graduação.

Estudantes durante protesto contra o corte de verbas feito pelo Ministério da Educação nos orçamentos de universidades e institutos federais, na UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro), no centro do Rio de Janeiro - Eduardo Anizelli - 7.dez.22/Folhapress

O aumento, depois de nove anos sem reajuste, foi celebrado, mas não deve ser uma ação isolada, avaliam pesquisadores. Isso porque, após a conclusão da pós-graduação, políticas de fixação dos cientistas também são necessárias.

"Existe hoje a necessidade de fixar pesquisadores no Brasil e isso não pode ser temporário, [necessita de] novas vagas em instituições de pesquisa para que possam construir seus laboratórios e sua carreira", afirma a bióloga Thaís Guedes, pesquisadora associada do Instituto de Biologia da Unicamp.

Guedes é uma das autoras da carta publicada em fevereiro na revista científica Science que ressalta a importância de o país investir em jovens em início de carreira se quiser se colocar como uma potência econômica e científica mundial, especialmente em áreas como mudanças climáticas, saúde e inovação.

A principal dificuldade relatada hoje pelos cientistas é a falta de estabilidade para desenvolver suas pesquisas. A situação, no entanto, diverge do marco dos cem primeiros dias de Bolsonaro, quando foi anunciado o corte de mais de 40% do orçamento da ciência.

"É claro que somos a favor do reajuste das bolsas, mas um auxílio de 1 a 2 anos não resolve", reflete Guedes.

Embora o país tenha vivido anos áureos da pesquisa científica, nos últimos houve uma série de cortes e ataques à ciência nacional. Tal instabilidade ocasionou, desde meados de 2017, na chamada fuga de cérebros.

"Todos os avanços que foram criados no passado foram descontinuados nos últimos quatro anos, quando vivemos um período de negacionismo científico", diz Luisa Diele-Viegas, professora da UFBA (Universidade Federal da Bahia), também autora da carta.

Houve também uma queda nas titulações de doutorado no país nos últimos anos: em 2019, o país atingiu a maior marca de doutores formados, com 24.422, caindo para 20.066, em 2020, primeiro ano da pandemia, e depois para 20.671 em 2021, de acordo com informações do portal Geocapes. Os dados de 2022 ainda não foram divulgados, mas é possível que a recuperação ainda demore a aparecer.

Para mudar esse cenário, é preciso que o país passe a olhar para a ciência como política de Estado, e não de governo, afirma Diele-Viegas. "Quando há a desvalorização das instituições que desenvolvem pesquisa e avanço do negacionismo científico, dificulta também a valorização do jovem pesquisador."

Em nota, a Capes, vinculada ao MEC (Ministério da Educação), disse que o governo pretende ampliar o número de bolsas de pós-graduação em 2023 de 84,3 mil para 89,6 mil (incluindo mestrado e doutorado) e dos chamados recursos de custeio aos programas, passando para R$ 225 milhões, um incremento de R$ 50 milhões ao que estava previsto no último ano.

O órgão afirmou também que reajustou as bolsas de pós-doutorado, passando de R$ 4.100 para R$ 5.200, e implementou dois programas para reduzir as desigualdades regionais no incentivo à pesquisa, um em parceria com as FAPs (Fundações de Amparo à Pesquisa) estaduais, com mais de 3.700 bolsas de mestrado, doutorado e pós-doutorado, e outro para apoio ao desenvolvimento da região semiárida brasileira, com mais 236 bolsas, com investimento de até R$ 261 milhões.

Já o MCTI disse que a fixação de pesquisadores no país está "no centro das preocupações da atual gestão" e que "trabalha na implementação de ações voltadas para o fortalecimento de jovens doutores, criando condições para que desenvolvam atividades de pesquisa junto a grupos e redes no país, sobretudo, na busca de soluções para os desafios estratégicos".

A falta de vagas nas universidades é um dos principais problemas que atingem os jovens cientistas, mas há também uma falha na contratação de doutores nas empresas. Segundo dados do MCTI, até 2020 havia 59 mil pesquisadores contratados em empresas, ou 280 por milhão de habitantes, taxa seis vezes inferior à da Coreia do Sul e um décimo da dos EUA.

Para o secretário de Ciência e Tecnologia de São Paulo, Vahan Agopyan, os cientistas deixam o país pela falta de condições de trabalho.

"Estamos entre os 15 principais produtores de conhecimento do mundo, mas temos uma enorme dificuldade em manter os nossos talentos no país. Há um descontentamento por parte da comunidade acadêmica com a falta de oportunidades", afirma.

Um dos casos com uma resolução insatisfeita é o do químico Gabriel Costa da Hora, atualmente pesquisador associado de pós-doutorado na Universidade de Utah, nos Estados Unidos. Doutor em química pela Universidade Federal do Pernambuco, Hora conseguiu em 2018 uma bolsa de pós-doutorado no exterior pela Capes, na Universidade da Califórnia em Davis.

Em 2019, procurou um retorno ao país com um novo auxílio, mas o momento já era de cortes na ciência, e seu projeto foi negado. Decidiu prolongar sua estadia no país americano com uma vaga na Universidade de Utah. Aí que começou o seu pesadelo.

Com a pandemia, sem saber quando seria possível regressar ao país, solicitou à Capes o adiamento do chamado período de interstício, quando os pesquisadores são obrigados a retornar ao país por um período de no mínimo dois anos para contribuir com a pesquisa nacional. Teve o pedido aceito, mas sem ônus à agência.

No último ano, por problemas familiares, não conseguiu retornar ao país, mas continuou a produtividade no exterior, com a publicação de cinco artigos, todos em coautoria com cientistas brasileiros.

A Capes entende que o pesquisador não cumpriu o período do interstício e, portanto, será obrigado a devolver o dinheiro da bolsa. Em março último, seu pai morreu, e ele não pôde vir ao Brasil para o velório com medo de ser impedido de regressar aos EUA –o seu visto vence em setembro, e ele precisa solicitar a renovação se quiser permanecer no país.

"Eles querem que eu volte para o desemprego. Aqui nos EUA eu tenho uma posição de pesquisador associado, que é um passo antes de ser professor. Colaborei sempre com pesquisadores brasileiros, produzi artigos de interesse nacional, mas por uma tecnicalidade, uma burocracia, não posso regressar ao meu país e nem continuar no laboratório onde estou pois a Capes se nega a dar meu processo como encerrado. É horrível se sentir assim", lamenta.

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