Descrição de chapéu The New York Times

Cresce número de jesuítas homenageados pela astronomia

Três asteroides receberam nome de integrantes da ordem, a mesma do papa Francisco

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Elisabetta Povoledo
The New York Times

Séculos depois de a Santa Sé ter amordaçado os observadores de estrelas católicos por questionarem a posição central da Terra no cosmos, vem crescendo o número de astrônomos jesuítas que estão deixando sua marca nos céus.

A cidade-Estado, chefiada por Francisco, primeiro papa jesuíta da história, recentemente anunciou que mais três religiosos dessa ordem, cientistas do observatório interno do Vaticano, ganharam asteroides em seu nome, nova leva na tradição que também inclui o papa do século 16 que encomendou o calendário gregoriano e o chef confeiteiro toscano cujo passatempo era admirar o firmamento.

Guy Consolmagno, diretor do Observatório do Vaticano em Albano, Itália, em 24 de outubro de 2017 - Nadia Shira Cohen/The New York Times

Embora bem menos numerosos que os astros, mais de 30 jesuítas emprestaram seu nome para os corpos celestes desde que eles começaram a ser identificados formalmente, em 1801.

"O que não deveria surpreender ninguém, dada a natureza frequentemente científica dessa comunidade", diz o astrônomo Don Yeomans, que trabalhou no Laboratório de Propulsão a Jato da Nasa em Pasadena, na Califórnia, e hoje integra o grupo que aprova oficialmente o nome dado aos asteroides.

No mês passado, três foram reconhecidos no firmamento: Robert Janusz, padre e físico polonês dedicado à medição da luz dos aglomerados estelares (565184 Janusz); o norte-americano William R. Stoeger (1943-2014, 551878 Stoeger); e Johann Georg Hagen (1847-1930), austro-americano que "elaborou diversos experimentos engenhosos no Vaticano para demonstrar a rotação da Terra, confirmando diretamente as teorias de Copérnico e Galileu" (562971 Johannhagen).

Os três trabalham ou trabalharam na Specola Vaticana, ou Observatório do Vaticano, pertinho dos jardins papais de Castel Gandolfo, a curta distância de carro de Roma. A instituição é resultado de séculos de patrocínio de pesquisas sobre as estrelas, e o único órgão da instituição a efetuar estudos científicos.

Integrado por jesuítas desde os anos 30, sua história contradiz a ideia de que a Igreja Católica sempre fez questão de dificultar o avanço científico, perpetuada por casos famosos como o de Galileu e o de Giordano Bruno nas mãos da Inquisição, durante a Renascença.

"Há entidades como a Pontifícia Academia das Ciências, que só informa ao Vaticano o que acontece nesse campo, mas nós realmente atuamos nele", informa Guy Consolmagno, diretor do observatório homenageado com um asteroide (4597 Consolmagno), cujo site tem por lema a frase "ciência inspirada pela fé". Em entrevista concedida ao The New York Times em 2017, ele afirmou que parte da missão do órgão é "mostrar ao mundo que a Igreja apoia a ciência".

É emblemático que um ex-diretor do observatório, George V. Coyne, jesuíta astrofísico que morreu em 2020, tenha desempenhado um importante papel na mudança de posição do Vaticano, que reconheceu formalmente em 1992 que Galileu talvez tivesse razão. "Sem dúvida, a Bíblia não é um livro científico. As escrituras são compostas de mitos, poesia e história, mas não ensinam ciência", declarou à "The New York Times Magazine" em 1994.

A base da Specola é da época do papa Gregório 13º, que construiu um observatório —conhecido como a Torre dos Ventos— dentro do Vaticano para que os astrônomos pudessem estudar a reforma do calendário juliano, em uso até 1582. Também conhecido como Ugo Boncompagni (1502-85), ele foi um dos primeiros —e mais importantes— patronos dos jesuítas, e hoje tem um asteroide com seu nome, o Ugoboncompagni.

Entre os astrônomos que trabalharam no calendário reformado estavam um jesuíta, Cristóvão Clávio (1538-1612) —asteroide 20237 Clávio—, que viveu no Colégio Romano, criado na capital italiana em 1551 por Santo Inácio de Loyola, fundador da ordem.

A escola formou gerações de astrônomos, incluindo Giovanni Battista Riccioli (1598-1671) —asteroide 122632 Riccioli—, que publicou um mapa da Lua em 1647 e codificou parte da nomenclatura lunar que está em uso até hoje. Quando Neil Armstrong disse: "Houston, aqui é da Base Tranquilidade. A Águia pousou", na missão lunar Apollo 11, de 1969, fez referência ao Mare Tranquillitatis, assim batizado por Riccioli.

O asteroide 4705 Secchi ganhou o nome do padre jesuíta Angelo Secchi (1818-78), pioneiro da espectroscopia astronômica e diretor do observatório do Colégio Romano de 1848 até sua morte.

Os religiosos que hoje atuam ali se dividem entre Castel Gandolfo e Monte Graham, no Arizona, onde o Vaticano opera um telescópio em parceria com a universidade do estado; Jean-Baptiste Kikwaya Eluo é um deles (também há um asteroide com seu nome, o 23443 Kikwaya).

"Ser ao mesmo tempo cientista e homem da fé muda a maneira como a pessoa vê o mundo. Na verdade, minha vocação científica foi estimulada pelos meus superiores da ordem. Como jesuítas, acreditamos realmente que Deus é o único responsável pela existência de todas as coisas, e isso cria uma relação bem diferente entre nós e o objeto em observação", afirmou durante entrevista por Zoom do Arizona.

Quem nomeia os asteroides —também conhecidos como planetas menores ou corpos pequenos do sistema solar— são os astrônomos profissionais que integram a União Astronômica Internacional. A cada três meses, o grupo recebe uma lista com os nomes e as citações propostos, mas nem todos são designados; de fato, somente 3,8 por cento dos 620 mil (numerados) ganharam nome, seguindo diretrizes específicas.

Amostras de meteoros no Observatório do Vaticano - Nadia Shira Cohen/The New York Times

Tradicionalmente, a predominância era das figuras das mitologias grega e romana (os quatro primeiros foram nomeados Ceres, Palas, Juno e Vesta), mas depois a inspiração passou a vir de outras culturas. Ryugu, por exemplo, é um palácio mágico subaquático no folclore japonês, enquanto Benu é xará da divindade aviária egípcia ancestral (aliás, escolhido entre milhares de sugestões no concurso "Dê Nome para o Asteroide!"). Há também Apófis, que, na mitologia egípcia, é inimigo do deus Sol, Rá.

Com o tempo, porém, a nomeação foi se tornando mais prosaica, em reconhecimento principalmente a cientistas, astrônomos e figuras de destaque. Mais recentemente ainda, passou a ser inspirada nos vencedores e principais participantes das feiras de ciência do ensino médio e engenharia. (Carl Zimmer, que escreve sobre ciência para o The New York Times, também tem o seu: 212073 Carlzimmer.)

Mas há restrições. Segundo a diretriz, não se devem usar nomes de animais de estimação nem de figuras históricas associadas com o tráfico de escravos, genocídios ou eugenia. Já quem foi destaque militar ou político deve estar morto há pelo menos cem anos para ser levado em consideração.

Abrir o processo dessa forma, porém, levantou o debate sobre a identificação inspirada pelo nome de estudantes cujo futuro está completamente indefinido. É o caso da deputada Alexandria Ocasio-Cortez, que "ganhou" um asteroide (23238 Ocasio-Cortez) depois de seu projeto escolar ter sido premiado em uma feira internacional de ciências e engenharia.

"É verdade", garantiu ela no Twitter em 2018. Embora ela tenha engatado a carreira política, o astro manterá seu nome; afinal, não há reivindicação retroativa.

"Não fazemos esse tipo de coisa, como também desaconselhamos veementemente a inspiração religiosa. Nos casos dos jesuítas astrônomos, a inspiração vem do fato de que são astrônomos e por acaso também são jesuítas, não o contrário", garante Gareth Williams, secretário do Grupo de Trabalho para Nomenclatura de Pequenos Corpos.

Observatório do Vaticano em Albano, na Itália - Nadia Shira Cohen/The New York Times

Muitos nomes se justificam com histórias peculiares. Na última leva, o asteroide 44715 ganhou o nome Paolovezzosi por causa de Paolo Vezzosi, astrônomo amador e confeiteiro de Montelupo Fiorentino —que, de acordo com a citação, "fornecia bolos deliciosos" nos eventos de divulgação.

Ele foi indicado por Maura Tombelli, presidente do grupo de astronomia fundado na cidadezinha toscana que construiu ali um observatório público. Ela descobriu 200 asteroides durante seu período de observação astronômica (tanto que foi homenageada com o 9904 Mauratombelli).

"Indicar Vezzosi foi uma maneira de agradecer a ele por ter ajudado a erguer o observatório. Não tínhamos outra coisa a oferecer a não ser as pedras no céu", explicou ela.

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