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Satélites ameaçam astronomia, mas alguns cientistas enxergam oportunidade

Embora limitem a sensibilidade de telescópios na Terra, equipamentos em órbita podem ajudar a desvendar grandes mistérios

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Lyndie Chiou
The New York Times

Todas as noites as estrelas do céu competem com milhares de satélites. O número de intrujões no espaço cresce sem parar, com a proliferação de constelações de satélites; empresas estão planejando lançar dezenas de milhares de orbitadores para transmitir sinais de internet e outras comunicações de volta à Terra. Entre essas empresas estão a SpaceX, que já lançou milhares de satélites Starlink, e a Amazon, que pretende lançar sua constelação Project Kuiper ainda neste ano.

Para astrônomos que estudam o universo a partir da superfície de nosso mundo, é um problema que não para de se agravar.

"É um tópico quente", comentou o astrônomo Eric Burns, da Louisiana State University. "Estamos falando de satélites em número tão grande que estão limitando a sensibilidade de telescópios baseados na Terra."

Imagem da estrela Albireo, na constelação Cygnus, feita em 2019 foi prejudicada por satélites Starlink
Imagem da estrela Albireo, na constelação Cygnus, feita em 2019 foi prejudicada por satélites Starlink - Rafael Schmall/NOIRLab/National Science Foundation via The New York Times

Muitos astrônomos criticam fortemente os efeitos que as constelações de satélites têm e terão sobre seus estudos. Mas Burns e outros cientistas estão pensando em como usar esses limões orbitais para criar uma limonada cósmica. Eles perguntam: e se todos esses satélites intrujões pudessem ajudar a fazer o campo da astronomia avançar, ampliando o acesso terrestre aos sinais de satélite?

O que esses astrônomos enxergam é o potencial para um novo tipo de telescópio que as megaconstelações de satélites podem possibilitar. Numa proposta que Burns e seus colegas pretendem apresentar e compartilhar com empresas privadas que estão construindo constelações de satélites, eles esperam que milhares de detectores de raios gama possam ir para o espaço de carona nos satélites. Cada detector, individualmente, seria fraco. Mas, operando juntos dentro de uma megaconstelação de muitos milhares de satélites, a potência de tal sistema poderia rivalizar com o Swift e o Fermi, dois observatórios de raios gama no espaço administrados pela Nasa.

O impacto seria significativo. Explosões de raios gama são a característica dos eventos mais catastróficos do universo desde o Big Bang. O aprofundamento das pesquisas sobre o fenômeno pode ajudar a trazer respostas às maiores perguntas de hoje, como o que compõe as cores das estrelas de nêutrons ou como o comportamento da energia escura pode revelar o formato do universo.

"Esses são os mais importantes conjuntos de perguntas que se pode fazer na astronomia", disse Burns. "Vamos poder tratar os milhares de detectores de raios gama como um telescópio único, coerente e extremamente potente que olhará em toda parte no universo e será mais sensível que qualquer coisa feita até agora."

A ideia não é sem precedentes. Em 2011, a Iridium Communications trabalhou com cientistas para mandar instrumentos de pesquisa de carona para o espaço. Cerca de 30 satélites da Iridium —que geralmente transmitem comunicações de voz e dados para a Terra— também abrigam dosímetros que medem a radiação na órbita baixa da Terra, dentro do programa Reach, uma colaboração entre a Força Aérea americana e cientistas.

E todos os mais de 60 satélites da Iridium carregam magnetômetros para o programa Ampere, administrado pelo Laboratório Johns Hopkins de Física Aplicada, que estuda como a energia entra no ionosfera da Terra, vinda de sua magnetosfera.

Alexa Halford, diretora-adjunta de laboratório do Centro Goddard de Voo Espacial, da Nasa, diz que as leituras da Iridium são uma fonte importante de dados sobre radiação. O trabalho dela revela a conexão entre a magnetosfera e a atmosfera da Terra e como as duas trabalham juntas para proteger a terra de chuvas de radiação espacial forte.

Halford disse que as maneiras em que as megaconstelações de satélites interferem com os telescópios na superfície da Terra precisam ser mais estudadas.

"A astronomia baseada na terra é incrivelmente importante, e precisamos agir com responsabilidade", ela disse.

Por outro lado, ela enxerga potencial enorme na colocação de instrumentos científicos em mais satélites.

"Mais dados podem nos oferecer um quadro mais completo", disse Halford. "Eu teria dificuldade em dizer não a isso."

A SpaceX já está compartilhando alguns dados com cientistas, num arranjo que pode beneficiar as duas partes.

Tzu-Wei Fang, cientista da Administração Oceânica e Atmosférica dos EUA que se especializa na previsão das condições meteorológicas no espaço, começou a colaborar com o SpaceX após um lançamento desastroso em fevereiro de 2022. A SpaceX ficou assistindo enquanto 38 de seus 49 satélites Starlink que acabavam de ser mandados ao espaço explodiram em chamas.

A "autópsia" realizada por Fang documentou como uma tempestade geomagnética leve havia elevado a densidade do ar nas altitudes em que ocorrem as órbitas baixas da Terra. Por isso, em vez de entrarem em órbita, os satélites Starlink colidiram com ar quente e denso e se romperam.

"Ninguém está podendo trabalhar com arrastão orbital terrestre de baixa altitude muito bem agora porque não temos os satélites apropriados", ela disse.

Depois desse incidente, a SpaceX concordou em compartilhar os dados de posicionamento e velocidade de seus aproximadamente 4.000 satélites Starlink por um ano, dando a Fang e seus colegas a oportunidade de estudar o tipo de arrastão orbital que destruiu os satélites. Isso pode levar a previsões meteorológicas espaciais melhores, dando aos satélites mais tempo para reagir a uma elevação da densidade do ar, subindo para uma altitude orbital mais segura, "o que no final das contas vai beneficiar a todo mundo", falou Fang.

Obter dados cientificamente úteis de constelações de satélites encerra obstáculos técnicos. Os satélites em órbita terrestre baixa se deslocam muito rápido, completando um circuito orbital total em 90 minutos. Assim, combinar dados de uma constelação de muitos satélites não é fácil.

Para que equipamentos científicos possam pegar carona em órbita, há limitações rigorosas que devem ser respeitadas. Os satélites de comunicações em órbita terrestre baixa, como o Starlink da SpaceX, têm vida útil curta —cerca de cinco anos—, de modo que os detectores teriam que ter baixo custo. A título de comparação, o Telescópio Espacial Hubble custou cerca de US$ 16 bilhões em valores de hoje, mas a previsão é que dure por volta de 40 anos.

Quaisquer adições não poderiam simplesmente ser incluídas de última hora. Engenheiros de satélites teriam que modificar seus designs, com upgrades como fontes energéticas e links de dados maiores, para acomodar as novas cargas.

A necessidade de negociar individualmente com empresas hesitantes como a SpaceX tem frustrado os astrônomos até hoje. Burns pensa que pode ser hora de pedir supervisão governamental para garantir que as megaconstelações de satélites prejudiquem a ciência o mínimo possível.

Com participação maior, Burns espera que cientistas e fabricantes de satélites aprendam a trabalhar juntos. "Penso realmente que essa ideia de colocar instrumentos científicos nas próprias megaconstelações beneficiaria ambas as partes", ele disse. "Se as empresas estiverem abertas à ideia, será uma solução ainda melhor."

Tradução de Clara Allain 

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