Macacos-pregos machos são vistos em ritual de acasalamento na Bahia

'Namoro' é descrito em estudo e reforça ideia de que comportamentos homossexuais são relativamente comuns entre primatas

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São Carlos (SP)

O complexo ritual de acasalamento típico dos macacos-pregos também pode ser praticado por dois indivíduos do mesmo sexo, mostra um estudo assinado por pesquisadores da USP (Universidade de São Paulo).

Os dados, que foram obtidos durante a observação dos bichos na mata atlântica do sul da Bahia, são mais um exemplo de como os comportamentos homossexuais são relativamente comuns entre primatas e outros animais.

"No caso dos macacos-pregos, ainda existem poucos estudos sobre o tema, mas é bem provável que identifiquemos vários outros casos parecidos", contou à Folha a primeira autora do estudo, Irene Delval, que atualmente é pesquisadora de pós-doutorado no Departamento de Psicologia Experimental da USP.

Ela assina o trabalho com três colegas da universidade paulista (Marcelo Fernández-Bolaños, Patrícia Izar e Jaroslava Varella Valentova) e com Elisabetta Visalberghi, primatóloga do Conselho Nacional de Pesquisas italiano.

Macacos-pregos-do-peito-amarelo no zoológico de São Paulo. Os pesquisadores estudaram as interações sexuais entre machos na Reserva Biológica de Una, perto de Ilhéus (BA)
Macacos-pregos-do-peito-amarelo no zoológico de São Paulo; pesquisadores estudaram as interações sexuais entre machos na Reserva Biológica de Una, perto de Ilhéus (BA) - Eduardo Knapp - 30.mai.18/Folhapress

Delval é espanhola e conta que sempre quis estudar primatas em estado selvagem, o que a trouxe ao Brasil, onde também fez mestrado e doutorado, a partir do começo da década passada. Um dos interesses da pesquisadora é o desenvolvimento da personalidade dos primatas desde os primeiros meses de vida, num processo que tem muitas analogias com o mesmo processo em humanos.

"A gente consegue acompanhar os filhotes desde o nascimento, nos mais variados aspectos, como a amamentação, a relação entre mãe e filhote, as interações e brincadeiras entre os filhotes", explica. Um dos locais onde a equipe faz esse acompanhamento é a Reserva Biológica de Una, perto de Ilhéus (BA), onde há um grupo com cerca de 30 macacos-pregos-do-peito-amarelo (Sapajus xanthosternos), espécie criticamente ameaçada de extinção.

Os macacos-pregos são famosos por sua inteligência e flexibilidade comportamental, sendo capazes de utilizar ferramentas (como pedras redondas e pauzinhos) para obter comida de diversas maneiras. A vida amorosa dos bichos é igualmente intrincada, envolvendo um longo ritual de "namoro" no qual as fêmeas tomam a iniciativa.

Ao cortejar o macho ao longo de várias horas e dias, a fêmea de macaco-prego adota uma série de comportamentos ritualizados, incluindo vocalizações e expressões faciais típicas (erguer as sobrancelhas e dar "sorrisos", por exemplo), bem como a exibição da genitália.

De início, é comum que o macho ignore esses convites e até seja rude, antes de enfim ceder e copular com a pretendente. Até hoje, os poucos casos de comportamento homossexual registrados para macacos-pregos envolviam apenas machos "montando" uns nos outros.

A situação flagrada pelos pesquisadores no novo estudo, que está no periódico especializado Archives of Sexual Behavior, é bem mais complexa. Os dados estão registrados num vídeo de 15 minutos de duração em que aparecem dois machos jovens —Dumbo, com idade entre 5 e 6 anos, e Pimenta, com cerca de um ano e meio.

Quando os pesquisadores começaram a gravar, as interações sexuais já tinham iniciado, com Pimenta "montando" Dumbo. Ambos os machos se revezaram nesse papel e apresentaram ereções durante o processo, mas boa parte do repertório comportamental do ritual de acasalamento também estava presente.

Para ser exato, os pesquisadores contabilizaram 16 dos 20 movimentos típicos do "namoro" de macacos-pregos, incluindo as expressões faciais (embora sem a fase inicial de "rejeição" de um animal pelo outro).

A equipe também observou comportamentos que não costumam fazer parte desse repertório tradicional, mas que parecem denotar intimidade entre os machos jovens, como abraços, o posicionamento da cabeça de um animal perto do peito do outro, cheirando-o, carícias mútuas no peito e o entrelaçamento das caudas durante a "monta".

"Em muitas espécies de primatas e outros animais, é comum que o comportamento homossexual seja visto como uma forma de administrar ou minimizar conflitos entre membros do grupo, mas não parece que seja esse o caso aqui", diz Delval.

Várias outras explicações possíveis existem para a interação entre Pimenta e Dumbo, mas o acompanhamento do grupo indica que eles já eram bastante próximos entre si e tinham uma relação amistosa.

Em muitas espécies de primatas e outros animais, é comum que o comportamento homossexual seja visto como uma forma de administrar ou minimizar conflitos entre membros do grupo, mas não parece que seja esse o caso aqui

Irene Delval

primeira autora do estudo

"Por causa disso, eles podem simplesmente estar demonstrando afeto, ainda mais porque, no caso do Pimenta, é uma idade em que não se espera que haja atividade sexual", diz a pesquisadora espanhola.

É possível especular até que os amigos estivessem se despedindo, uma vez que, pouco tempo depois, Dumbo se transferiu para outro bando, o que é comum no caso dos machos na idade dele.

Por outro lado, o comportamento poderia estar ligado ao aprendizado dos rituais de acasalamento, com os machos jovens copiando ações praticadas pelas fêmeas da espécie. Ainda não há registros de um casal de fêmeas agindo dessa maneira entre macacos-pregos, mas Delval diz que não se pode descartar essa possibilidade.

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