Descrição de chapéu Financial Times

Neurotecnologia baseada em IA para analisar cérebro precisa de regulação, diz Unesco

Manipulação de sinais cerebrais avança tão rápido que ameaça os direitos humanos, alerta órgão da ONU

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Clive Cookson
Londres | Financial Times

A neurotecnologia está avançando tão rápido que ameaça os direitos humanos e precisa de regulamentação global, de acordo com a Unesco, organização científica e cultural da ONU.

Numa conferência de líderes científicos e políticos em Paris na quinta-feira (13), a agência começou a desenvolver uma "estrutura ética universal" para a neurotecnologia, que conecta computadores ao cérebro e cada vez mais usa a inteligência artificial (IA) para analisar a atividade neural.

"Quando você acrescenta IA, está colocando neurotecnologia com esteroides", disse Mariagrazia Squicciarini, principal autora de um relatório da Unesco sobre o ritmo acelerado da inovação em neurotecnologia.

Paciente com paralisia recebe implante para testes de equipamento que pode controlar movimentos - Daniel Lozada/NYT

A neurotecnologia, incluindo os implantes para diagnosticar e tratar distúrbios relacionados ao cérebro, está começando a melhorar a vida de pessoas com deficiência, mas o aumento do investimento em programas baseados em IA capazes de ler a mente das pessoas e armazenar dados neurais levantou preocupações sobre seu uso.

Gabriela Ramos, diretora-geral assistente da Unesco para ciências sociais e humanas, disse: "A promessa (...) poderá ter um alto custo em termos de direitos humanos e liberdades fundamentais, se houver abuso. A neurotecnologia pode afetar nossa identidade, autonomia, privacidade, sentimentos, comportamentos e bem-estar geral".

"Avanços que muitos consideravam ficção científica alguns anos atrás já estão aqui, e prestes a mudar a própria essência do que significa ser humano."

Os pesquisadores da Unesco estimam que os investimentos privados em empresas de neurotecnologia, como a Onward Medical e a Neuralink de Elon Musk, aumentaram mais de 20 vezes desde 2010, atingindo US$ 7,3 bilhões em 2020. O mercado de dispositivos neurotecnológicos deverá ultrapassar US$ 24 bilhões até 2027, segundo projeções.

O relatório analisou publicações científicas e patentes para examinar a rápida expansão do campo. O número de artigos de neurociência aumentou de 57.899 em 2011 para 94.456 em 2021, enquanto as patentes mundiais relacionadas à neurotecnologia aumentaram de 418 para 1.531 entre 2010 e 2020.

Um dos palestrantes na conferência da Unesco, Rafael Yuste, diretor do Centro de Neurotecnologia da Universidade Columbia, em Nova York, é um importante neurobiólogo e defensor da regulamentação internacional "para proteger a privacidade mental".

Ele apontou que em quatro estudos publicados no ano passado, nem todos revisados por pares, "os pesquisadores decodificaram a fala e as imagens dos cérebros de voluntários humanos, usando dispositivos não invasivos, que não precisavam de neurocirurgia para sua inserção".

"Todos os quatro incorporaram modelos avançados de IA para decodificar os dados do cérebro", disse Yuste. "Os novos algoritmos permitirão que você decodifique informações altamente confidenciais, o que torna ainda mais urgente a proteção da privacidade mental."

A regulamentação é necessária porque "quase sem exceção, as empresas de neurotecnologia dos Estados Unidos e do Canadá assumem a propriedade total dos dados neurais do cliente em seus contratos com usuários", acrescentou. "Precisamos proteger a propriedade mental, caso contrário as empresas começarão a armazenar dados cerebrais. Elas podem não decodificá-los hoje, mas a IA permitirá que os decodifiquem amanhã."

O próprio laboratório de Yuste decodificou e manipulou o processamento neural no córtex visual de camundongos para que os pesquisadores possam "implantar alucinações –fazê-los ver coisas que na verdade não estão vendo. A manipulação da atividade cerebral humana no futuro é algo que devemos começar a discutir agora. Abre a possibilidade de um novo tipo de ser humano em que parte do processamento mental acontece fora do corpo".

Squicciarini, da Unesco, disse: "Não somos contra a neurotecnologia ou pedimos uma moratória na pesquisa, porque ela tem um enorme potencial para reduzir as mortes e incapacidades causadas por distúrbios neurológicos.

"Mas precisamos de uma abordagem coordenada globalmente para a regulamentação da neurotecnologia, não apenas na medicina, mas também no mercado de consumo."

Tradução de Luiz Roberto M. Gonçalves

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Tópicos relacionados

Leia tudo sobre o tema e siga:

Comentários

Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.