Descrição de chapéu The New York Times

Não espere que uma 'teoria de tudo' explique tudo

Nem mesmo a física mais avançada pode revelar tudo o que queremos saber sobre a história e o futuro do cosmos, ou sobre nós mesmos

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Dennis Overbye
The New York Times

Para que servem as leis da física, se não podemos resolver as equações que as descrevem?

Essa foi a pergunta que me ocorreu ao ler um artigo no The Guardian escrito por Andrew Pontzen, um cosmólogo do University College London que passa os dias realizando simulações computacionais de buracos negros, estrelas, galáxias e do nascimento e crescimento do universo. O que ele queria dizer era que ele e todos nós estamos fadados ao fracasso.

"Mesmo que imaginemos que a humanidade acabará descobrindo uma 'teoria de tudo' que abrange todas as partículas e forças individuais, o valor explicativo dessa teoria para o universo como um todo será provavelmente marginal", escreveu Pontzen.

Imagem infravermelha do telescópio espacial James Webb mostra uma área do céu conhecida como Goods-Sul, na qual tem mais de 45 mil galáxias visíveis
Imagem infravermelha do telescópio espacial James Webb mostra uma área do céu conhecida como Goods-Sul, na qual tem mais de 45 mil galáxias visíveis - Nasa, ESA, CSA, Brant Robertson (UC Santa Cruz), Ben Johnson (CfA), Sandro Tacchella (Cambridge), Marcia Rieke (University of Arizona), Daniel Eisenstein (CfA) via NYT

Não importa o quanto pensemos conhecer as leis básicas da física e a lista cada vez maior de partículas elementares, não há poder computacional suficiente no universo para acompanhar todas elas. E nunca poderemos saber o bastante para prever com segurança o que acontece quando todas essas partículas colidem ou interagem de outra forma. Um ponto decimal adicionado a uma estimativa da localização ou velocidade de uma partícula, digamos, pode repercutir ao longo da história e alterar o resultado bilhões de anos depois, por meio do chamado "efeito borboleta" da teoria do caos.

Considere algo tão simples quanto, por exemplo, a órbita da Terra em torno do sol, diz Pontzen. Deixado à sua própria conta, nosso mundo, ou seu fóssil crocante, continuaria para sempre na mesma órbita. Mas na amplidão do tempo cósmico os empurrões gravitacionais de outros planetas do sistema solar podem alterar seu curso. Dependendo da precisão com que caracterizamos esses empurrões e do material que está sendo empurrado, os cálculos gravitacionais podem produzir previsões extremamente divergentes sobre onde a Terra e seus irmãos estarão daqui a centenas de milhões de anos.

Como resultado, na prática, não podemos prever o futuro nem o passado. Cosmólogos como Pontzen podem proteger suas apostas diminuindo o zoom e considerando o panorama geral —grandes aglomerações de materiais, como nuvens de gás, ou sistemas cujo comportamento coletivo é previsível e não depende de variações individuais. Podemos ferver macarrão sem monitorar cada molécula de água.

Mas existe o risco de se presumir muita ordem. Veja um formigueiro, sugere Pontzen. Os movimentos de qualquer formiga parecem aleatórios. Mas se você olhar o todo, o formigueiro parece fervilhar com propósito e organização. É tentador ver uma consciência coletiva em ação, escreve Pontzen, mas "são apenas formigas solitárias" que seguem regras simples. "A sofisticação emerge do grande número de indivíduos que seguem essas regras", observa ele, citando o físico Philip W. Anderson, de Princeton: "Mais é diferente".

Uma imagem do céu completo da radiação cósmica de fundo em micro-ondas, feita a partir de dados coletados pelo satélite Planck da Agência Espacial Europeia, em 2010
Uma imagem do céu completo da radiação cósmica de fundo em micro-ondas, feita a partir de dados coletados pelo satélite Planck da Agência Espacial Europeia, em 2010. Nem mesmo a física mais avançada pode revelar tudo o que queremos saber sobre a história e o futuro do cosmos - ESA, HFI e Consórcio LFI via NYT

Na cosmologia, formou-se uma explicação plausível da história do universo através de suposições simples sobre coisas sobre as quais nada sabemos —matéria escura e energia escura—, mas que, no entanto, constituem 95% do universo. Supostamente, esse "lado negro" do universo interage com 5% da matéria conhecida —átomos— apenas através da gravidade. Depois do Big Bang, conta a história, formaram-se poças de matéria escura, que puxaram a matéria atômica, que se condensou em nuvens, que se aqueceram e se transformaram em estrelas e galáxias. À medida que o universo se expandiu, a energia escura que o permeia também se expandiu e começou a afastar as galáxias cada vez mais rapidamente.

Mas essa narrativa falha logo no início, nas primeiras centenas de milhões de anos, quando estrelas, galáxias e buracos negros se formavam num processo confuso e pouco compreendido que os investigadores chamam de "gastrofísica".

Sua mecânica é espantosamente difícil de prever, envolvendo campos magnéticos, a natureza e composição das primeiras estrelas e outros efeitos desconhecidos. "Certamente ninguém pode fazer isso agora, partindo simplesmente das leis confiáveis da física, independentemente da quantidade de potência de computação oferecida", disse Pontzen por e-mail.

Dados recentes do Telescópio Espacial James Webb, revelando galáxias e buracos negros que parecem demasiado maciços e demasiado precoces no universo para serem explicados pelo "modelo padrão" da cosmologia, parecem ampliar o problema. Isso é suficiente para fazer os cosmólogos voltarem às suas pranchetas?

Pontzen não está convencido de que chegou a hora de os cosmólogos abandonarem seu modelo de universo duramente conquistado. A história cósmica é complexa demais para ser simulada em detalhes. Só o nosso sol, salienta ele, contém 1057 átomos, e existem trilhões e trilhões dessas estrelas por aí.

Há meio século, astrônomos descobriram que o universo, com suas estrelas e galáxias, estava repleto de radiação de micro-ondas que sobrou do Big Bang. O mapeamento dessa radiação permitiu que eles criassem uma imagem do cosmos bebê, como existia apenas 380 mil anos após o início dos tempos.

Em princípio, toda a história poderia estar incorporada ali nos caracóis sutis da energia primordial. Na prática, é impossível ler o desdobrar do tempo nessas micro-ondas suficientemente bem para discernir a ascensão e a queda dos dinossauros, o alvorecer da era atômica ou o aparecimento de um ponto de interrogação no céu bilhões de anos mais tarde. Quase 14 bilhões de anos de incerteza quântica, acidentes e detritos cósmicos permanecem entre então e agora.

Na última contagem, os físicos identificaram cerca de 17 tipos de partículas elementares que constituem o universo físico e pelo menos quatro formas de interação —através da gravidade, do eletromagnetismo e das chamadas forças nucleares fortes e fracas.

A aposta cósmica que a ciência ocidental empreendeu é mostrar que essas quatro forças, e talvez outras ainda não descobertas, agindo sobre um vasto conjunto de átomos e seus constituintes, são suficientes para explicar as estrelas, o arco-íris, as flores, nós mesmos e, de fato, a existência do universo como um todo. É uma enorme montanha intelectual e filosófica para escalar.

Na verdade, apesar de toda a nossa fé no materialismo, diz Pontzen, talvez nunca saibamos se tivemos sucesso. "Nossas origens estão escritas no céu", disse ele, "e estamos apenas aprendendo a lê-las."

Tradução de Luiz Roberto M. Gonçalves

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