Descrição de chapéu astronomia

Por que os EUA levaram 51 anos para voltar à Lua

Sonda da empresa privada Intuitive Machines alunissou na última quinta-feira (22)

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Loren Grush
Bloomberg

Pela primeira vez desde 1972, os Estados Unidos estão de volta à Lua.

Às 20h23, horário de Brasília, da última quinta-feira (22), a Intuitive Machines pousou uma espaçonave robótica na Lua, tornando-se a primeira empresa privada a colocar um veículo intacto na superfície lunar.

A Nasa, que pagou quase US$ 118 milhões pela missão, deu parabéns pelo feito, via rede social: "Seu pedido foi entregue... na Lua!"

A empresa ainda enviará mais dois pousadores para o satélite em parceria com a agência americana.

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Uma das primeiras imagens dilvulgadas da IM-1, que realizou o primeiro pouso de uma empresa privada na Lua - Intuitive Machines

À medida que as ambições espaciais nacionais crescem e o negócio espacial se expande, empresas correram para reivindicar o título de alunissar a primeira nave privada. Nenhuma tinha tido sucesso até quinta-feira.

Uma organização sem fins lucrativos israelense, SpaceIL, tentou em 2019, mas sua nave caiu na superfície. No ano passado, a Ispace, com sede em Tóquio, perdeu contato com seu pousador. E, em janeiro, o módulo da Astrobotic, com sede em Pittsburgh (EUA), sofreu uma falha no motor logo depois de atingir o espaço.

Desde que os EUA colocaram com sucesso pessoas na Lua há meio século, por que foi tão difícil para empresas —até mesmo países— fazerem isso novamente?

A Lua é um ambiente hostil. É difícil projetar espaçonaves que possam navegar em sua superfície e é quase impossível recriar essas situações na Terra para testes. E os recursos das empresas privadas são insignificantes em comparação com o que a Nasa tinha na década de 1960: um tesouro que chegou a representar cerca de 4% do orçamento federal total dos EUA.

O maior obstáculo pode ter sido os engenheiros e empresas do século 21 com pouca ou nenhuma experiência em missões lunares. Já se passaram mais de 50 anos desde que as pessoas projetaram e enviaram pousadores para a Lua, então as empresas estavam começando praticamente do zero e trabalhando com tecnologias inovadoras.

"Dizemos que já estivemos lá antes, mas essas empresas não estiveram lá antes", disse Phillip Metzger, físico planetário da Universidade da Flórida Central. "É realmente uma nova tecnologia que está sendo aperfeiçoada e amadurecida agora."

De volta à Lua

A Nasa havia desviado sua atenção da Lua após a última missão Apollo em 1972 para se concentrar no ônibus espacial, na Estação Espacial Internacional e em outros objetivos. Várias administrações propuseram retornar à Lua, porém esses programas não resistiram às turbulências políticas. Mas, em 2017, o presidente Donald Trump incentivou a Nasa a lançar a iniciativa Artemis para enviar humanos de volta.

O objetivo da agência espacial é criar uma presença sustentável na Lua, afirmando que aprender a viver e trabalhar lá ajudará, em última instância, os humanos a explorar o Sistema Solar.

Isso significa muitos contratos governamentais lucrativos. E, ao contrário da era Apollo, as empresas privadas têm o potencial de chegar lá —com um pouco de ajuda da Nasa. A Intuitive Machines e a Astrobotic se associaram ao programa CLPS da agência espacial, projetado para ajudar a impulsionar o desenvolvimento de pousadores comerciais para Artemis.

No entanto, desafios físicos permanecem para a exploração lunar. Apenas viajar pelo vácuo do espaço para chegar à Lua já é uma luta. As espaçonaves precisam lidar com oscilações extremas de temperatura, dependendo de quais partes do veículo estão voltadas para o Sol, e muitas vezes são bombardeadas por raios cósmicos —partículas irradiadas que fluem do Sol ou do espaço profundo e que podem facilmente danificar eletrônicos mal protegidos.

A Lua tem aproximadamente um quarto da largura de nosso planeta, com muito menos gravidade no geral, tornando difícil manobrar em órbita. Seu terreno acidentado, crateras e outros fatores espalham a gravidade de forma desigual.

"Quando você orbita a Lua, eventualmente vai colidir com a Lua porque a gravidade irregular vai perturbar sua órbita", disse Metzger. "Por causa disso, você precisa de navegação que entenda precisamente onde você está e possa se adaptar em tempo real."

Diferentemente da Terra, que dispõe de uma atmosfera que ajuda a amortecer a queda das espaçonaves que retornam, a Lua praticamente não tem atmosfera. Para pousar lá, praticamente todas as espaçonaves devem usar algum tipo de motor de foguete para se abaixar suavemente até o solo. As espaçonaves precisam queimar seus motores de forma precisa para que parem relativamente acima da superfície. Caso contrário, correm o risco de colidir.

Tudo isso requer saber em que a espaçonave está prestes a pousar. Os pousadores robóticos muitas vezes dependem de informações coletadas pelos sensores do veículo, bem como imagens de seu alvo de pouso coletadas com antecedência, que geralmente não são de alta resolução. Complicando as coisas está a distância da Lua da Terra. Geralmente há alguns segundos de atraso ao enviar comandos para essas espaçonaves.

"Você tem que fazer tudo isso de forma autônoma", disse Addie Dove, professora associada da Universidade da Flórida Central que trabalha em uma missão de pouso na Lua. "Não há como um humano corrigir as coisas em tempo real devido à velocidade que tudo acontece."

Isso pode levar a problemas como os enfrentados pela Ispace em 2023. Eventualmente, descobriu-se que seu módulo lunar sofreu uma falha de software e calculou erroneamente a altura do terreno abaixo, fazendo com que ficasse sem combustível e caísse.

E às vezes há falhas de hardware. Em janeiro, a Agência de Exploração Aeroespacial do Japão pousou sua espaçonave Slim (Smart Lander for Investigating Moon) a 55 metros do alvo pretendido. Um problema aparente no motor fez com que a nave pousasse de cabeça, em vez de de lado. Portanto, embora tenha pousado intacta, sua missão terminou mais cedo, pois não pôde recarregar adequadamente seus painéis solares.

O Polo Sul

Uma camada adicional de dificuldade para a Intuitive Machines foi o alvo designado. Inicialmente, a empresa esperava pousar perto do equador relativamente plano da Lua, onde todas as missões Apollo pousaram. Mas a Nasa pediu à empresa para mudar seu local de pouso para a região do polo sul —um local que vários países têm observado e que a Índia se aproximou com o pouso de sua Chandrayaan-3 em agosto passado, após uma tentativa russa fracassada.

Dados coletados por espaçonaves robóticas que visitaram a Lua confirmaram que muitas das crateras do polo sul podem conter bolsões de água na forma de gelo. A Nasa e outras agências estão interessadas em minerar esse gelo, que poderia ser usado para água potável ou cultivos. Se quebrado em seus componentes elementares —hidrogênio e oxigênio—, a água também poderia se tornar propelentes futuros para foguetes. Mas ainda resta saber quanto gelo há e em que estado está.

A Nasa espera pousar futuros astronautas do Artemis nessa região e está contando com a primeira visão no local dos Estados Unidos a partir do módulo de pouso da Intuitive Machines. A região está fortemente marcada por crateras, e chegar lá a partir da órbita é ainda mais difícil do que chegar ao equador. Mudar o local de pouso exigiu análises e engenharia adicionais —quase como planejar uma missão totalmente nova.

"Estamos indo para lugares completamente diferentes na Lua onde nunca estivemos", disse Dove. "É como dizer que exploramos toda a Antártida ou toda a África quando só estivemos na costa."

Embora as espaçonaves lunares passem por anos de testes na Terra, a única maneira de saber se terão sucesso é testá-las no espaço. No entanto, mesmo isso tem seus limites.

"Se você falhar muitas vezes, então os políticos fazem você desistir de tentar", disse Metzger. "Se for um esforço comercial, então os investidores se retiram. Portanto, você não tem um número infinito de tentativas."

Para a Intuitive Machines, a primeira tentativa parece ter funcionado. E nas palavras do administrador da Nasa, Bill Nelson, esse feito "demonstra o poder e a promessa das parcerias comerciais da Nasa".

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