Samambaia 'zumbi' cria raízes incomuns em floresta tropical

No Panamá, cientistas encontram primeira espécie de planta conhecida por transformar tecido em decomposição em nova fonte de nutrientes

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Douglas Main
The New York Times

Nas florestas tropicais do oeste do Panamá, o biólogo de plantas Jim Dalling tropeçou em algumas samambaias com folhas de 1,8 metro de comprimento que se curvavam para o chão conforme morriam, cercando a planta como uma saia.

"Eu estava tentando mover essas coisas para fora do caminho e, então, no processo, percebi que elas estavam enraizadas no chão", disse Dalling. Professor e ecologista florestal da Universidade de Illinois, ele estava procurando por outra planta.

Os restos de folhas da samambaia estavam marrons e ressecados —mortos, aparentemente (embora ainda estivessem presos à base do tronco). Ele se perguntou: como matéria vegetal sem vida poderia ser dotada de raízes?

Planta
Caules cobertos de musgo de frondes em decomposição, ancorados no solo onde raízes brotaram novamente - James Dalling/NYT

"Eu realmente não podia acreditar no que estava vendo", disse Dalling.

Estudos adicionais revelaram que essa samambaia, conhecida como Cyathea rojasiana, transforma a parte interna de suas folhas mortas ou moribundas. Os restos do xilema e do floema —tubos que transportam água, açúcares e nutrientes por toda a folha viva— de alguma forma se tornam uma raiz.

Das pontas dessas "folhas zumbis", brotam novas raízes finas que penetram no solo, disse Dalling, coautor de um estudo descrevendo as descobertas publicado em janeiro no jornal Ecology.

No processo de transmutação do nervo central da folha, a planta passa por uma proliferação de novo tecido vascular —e evita apodrecer enquanto o resto da folha seca.

"Isso é completamente desconhecido em qualquer outra planta do mundo", disse ele.

"Normalmente, o tecido vascular é depositado na folha e pronto", disse Robbin Moran, especialista em samambaias e curador emérito do Jardim Botânico de Nova York, no Bronx. Mas com essa espécie, depois que o resto da folha morre, "está diferenciando, proliferando. Eu não sei como isso acontece."

"Eu nunca vi nada parecido", acrescentou Moran, que não estava envolvido no artigo.

Esta samambaia é encontrada em uma área encharcada da Reserva Florestal Fortuna, que recebe mais de 6 metros de chuva por ano. A chuva lixivia o solo arenoso e vulcânico, drenando-o de nitrogênio e fósforo. Os pesquisadores dizem acreditar que a adaptação da samambaia permite que ela acesse bolsões de nutrientes no solo superficial próximo, que de outra forma não poderia acessar.

Muitas plantas são conhecidas por sua capacidade quase ilimitada de se adaptar, e outras espécies podem produzir novas raízes a partir de folhas vivas. Exemplos notáveis incluem a samambaia andante (Asplenium rhizophyllum), nativa dos Estados Unidos, que se espalha sobre rochas musgosas usando essa técnica.

Raiz de samambaia 'zumbi' encontrada no Panamá - NYT

Mas as "folhas zumbis" dessa samambaia representam o primeiro exemplo conhecido de um reaproveitamento de tecido moribundo, disse Eddie Watkins, professor e especialista em samambaias da Universidade Colgate, que não fez parte do estudo.

Ao transformar o material da folha existente em raízes, a planta provavelmente economiza energia, sugeriu Watkins. Isso poderia ajudá-la na "batalha por nutrientes" em sua parte da floresta tropical.

Chuvas intensas e solos pobres proporcionam uma coleção única de plantas, incluindo um pinheiro conhecido como Podocarpus, do grego "fruto com pé", e que espalha raízes bulbosas estranhas por toda parte. Foi esse pinheiro que levou Dalling a vasculhar a vegetação em primeiro lugar.

"Foi pura sorte que estávamos mexendo na base dessas samambaias", disse ele.

Dalling inspecionou dezenas dessas samambaias, descobrindo que cada uma crescia raízes a partir de suas "folhas zumbis". Mas seu trabalho foi interrompido pelo início da pandemia de coronavírus, forçando-o a deixar o Panamá com sua esposa e cachorro e retornar a Illinois em fevereiro de 2020.

Dois anos depois, ele voltou. Com colegas, Dalling desenterrou raízes das folhas de três plantas individuais, colocou-as em vasos e adicionou um fertilizante com nitrogênio quimicamente marcado.

Um mês depois, examinaram novas folhas no topo da samambaia e descobriram que o nitrogênio estava de fato sendo incorporado à planta —confirmando que essas raízes estavam transportando ativamente água e nutrientes.

Não se sabe ainda, porém, como essa samambaia realiza tal proeza transformacional.

A descoberta, segundo Watkins, mostra a importância de se dedicar tempo para estudar e apreciar o mundo natural —e esse tipo de exploração tem se tornado menos frequente e difícil de financiar.

"Se você parar e olhar para o organismo, há coisas realmente novas e interessantes por aí", disse Watkins. "Há histórias a serem contadas que ainda não descobrimos."

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