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A missão ao lado oculto da Lua que revela ambicioso novo plano da China para o espaço

Chang'e 6 pretende trazer amostras lunares, mas também é um trampolim para um projeto muito mais ambicioso

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Andrew Jones
BBC Future

A sonda chinesa Chang'e-6 pousou no lado oculto e inexplorado da Lua e foi lançada de volta para a órbita lunar, carregando preciosas amostras de solo.

A sonda levou cerca de um mês após seu lançamento para chegar ao nosso satélite natural. Essa foi uma das mais ambiciosas missões lunares já realizadas pela China, que incluiu o lançamento de quatro artefatos em direção à Lua.

A missão não marca apenas o crescimento da capacidade chinesa de exploração do espaço. Ela também oferece indicações do tamanho das ambições do país na exploração do Sistema Solar.

A bandeira vermelha da China com cinco estrelas amarelas é exibida na superfície lunar. O solo cinza e árido da Lua serve como pano de fundo, enquanto parte de uma sonda espacial pode ser vista no canto inferior direito da imagem.
Bandeira da China exibida na Lua durante missão Chang'e 6 - CNSA/Xinhua

O principal objetivo da Chang'e-6 é coletar as primeiras amostras do lado oculto da Lua e trazê-las em segurança para a Terra. Essas amostras podem oferecer novas indicações sobre o nosso vizinho mais próximo, o nosso próprio planeta e o início da história do Sistema Solar.

Para isso, o quarteto de artefatos chinês precisa realizar um elaborado balé cósmico.

A viagem da Chang'e-6 até a Lua durou cerca de 4,5 dias, desde o seu lançamento no Centro Espacial de Wenchang, no dia 3 de maio. Ao atingir a órbita da Lua, um módulo de pouso se separou do veículo orbital, dirigindo-se à superfície.

Como o lado oculto da Lua nunca fica de frente para a Terra, as operações e comunicações foram possibilitadas pelo satélite retransmissor de comunicações Queqiao-2, lançado em março pela China.

O módulo de pouso tocou a superfície lunar na bacia Polo Sul-Aitken (APS) —uma imensa cratera de impacto no lado oculto da Lua— nas primeiras horas da manhã de 2 de junho, pelo horário de Pequim (dia 1º, em Brasília).

Instalada com segurança na superfície lunar, o módulo usou uma concha e uma broca para recolher cerca de 2 kg de materiais da superfície e abaixo dela. A carga foi vedada em seguida em um recipiente e lançada para a órbita lunar por um ascensor, com a missão de encontrar o módulo orbital para entregar sua preciosa carga.

No momento do encontro e atracação entre o módulo orbital e o ascensor, os dois artefatos se moviam a 1,68 km por segundo. O processo precisa ser automático, devido ao atraso nas comunicações causado pela distância entre os módulos e as estações de controle na Terra.

Depois desse jogo celestial de gato e rato, as amostras foram transferidas para uma cápsula de reentrada, que parece uma versão em miniatura do módulo de retorno da espaçonave tripulada chinesa Shenzhou. Ela será liberada pouco antes da chegada do módulo orbital à Terra.

Inicialmente, a cápsula vai se afastar da atmosfera terrestre, para eliminar parte da energia acumulada pelo seu retorno da Lua em alta velocidade. Em seguida, ela vai se precipitar pela atmosfera para levar as amostras até a região de aterrissagem, nas pradarias chinesas da Mongólia Interior.

O transporte dessas amostras da bacia APS até os laboratórios terrestres pode render uma série de valiosos dividendos para a ciência.

"A bacia APS é um dos melhores lugares na Lua para ir buscar rochas que possam ser pesquisadas para responder às nossas perguntas sobre as origens e a evolução geológica da Lua", afirma a professora de ciências lunares e planetárias Katherine Joy, da Universidade de Manchester, no Reino Unido.

As rochas recolhidas pela Chang'e-6 são as primeiras retiradas do lado oculto da Lua, já que todas as missões Apollo da Nasa visitaram o lado visível do nosso satélite natural.

"Esperamos que elas nos ajudem a desvendar por que o lado oculto e o lado visível da Lua são geologicamente tão diferentes entre si", afirma Joy. "As amostras coletadas também vão nos ajudar a datar a própria bacia de alto impacto, esclarecendo quando os imensos embriões planetários atingiram a Lua no início da sua história."

Ambições siderais

Para além das intrigas científicas, a missão Chang'e-6 também esconde algumas das ambições mais grandiosas da China. Suas manobras da missão servirão de treinamento para outra possível missão: coletar amostras de Marte.

Embora as amostras lunares carreguem a promessa de grandes conhecimentos científicos dos segredos do Sistema Solar, o material do planeta vermelho poderia fornecer novas percepções sobre um mistério ainda maior: as origens da vida —e se Marte é ou não habitável.

A Nasa e a Agência Espacial Europeia (ESA) também estão trabalhando para trazer amostras de Marte. Mas é um projeto complexo, que sofreu atrasos, problemas orçamentários e obstáculos parlamentares nos últimos tempos.

Com isso, a China pode ter caminho livre à sua frente, rumo a uma surpreendente missão espacial inédita.

Outro fato notável é que o complexo processo de encontro e atracação na órbita lunar da Chang'e-6 não é indispensável para o retorno de uma amostra da Lua. Mas ele é necessário para levar astronautas para a superfície lunar e trazê-los de volta para a Terra com segurança.

Por isso, a maior complexidade da missão da Chang'e-6 parece ser um trampolim para futuras missões lunares tripuladas.

Em 2023, a China anunciou planos de lançar sua primeira missão lunar tripulada até 2030. O país pretende colocar dois astronautas na superfície da Lua por algumas horas e reuni-los com um colega que irá aguardar em órbita.

O processo descrito é muito similar ao conjunto de ascensor e módulo orbital da Chang'e-6 e, principalmente, muito parecido com as missões Apollo, da Nasa.

A China não planeja uma breve presença na Lua, hasteando bandeiras e fotografando pegadas. Sua ambição se parece mais com a missão Artemis, da Nasa, do que com a Apollo.

A China pretende lançar duas missões separadas para o polo sul da Lua entre 2026 e 2028, como precursoras de uma futura base lunar. Elas devem incluir o teste de uso do solo lunar para construir tijolos em impressoras 3D.

"O polo sul lunar é o destino para o qual devemos nos preparar quando voltarmos a enviar seres humanos para a Lua", explica Joy.

"Além das missões Chang'e-7 e 8, diversas missões planejadas pelo programa comercial da Nasa também vão pousar para examinar onde e quantos materiais voláteis existem no solo do polo lunar, incluindo água em forma líquida e congelada."

"Esse material poderá ser útil para os futuros exploradores humanos, de forma que será muito interessante observar qual a diversidade que será encontrada pelos diversos módulos lunares robóticos planejados para os próximos anos", conclui a professora.

Esses esforços fazem parte da iniciativa de uma base lunar. Ao lado da Rússia, a China está tentando atrair países para o projeto conjunto de uma Estação Internacional de Pesquisa Lunar.

O país está desenvolvendo tecnologias básicas, como reatores nucleares para fornecer energia durante as noites lunares, que duram o equivalente a duas semanas na Terra.

Esse projeto é uma iniciativa separada, paralela ao programa Artemis, da Nasa. Ela ilustra que a crescente divisão geopolítica da Terra não se restringe ao nosso planeta.

Objetivos diversos

A exploração espacial, às vezes considerada um empreendimento puramente científico, também é uma demonstração de ousadia geopolítica e uma indicação da capacidade de atingir outros objetivos.

As ambições chinesas no espaço, naturalmente, são complexas.

"Todas as nações buscam projetos espaciais por diversos motivos, a maioria dentro das categorias de guerra, desenvolvimento e prestígio", afirma o pesquisador de política espacial e relações internacionais no espaço sideral Bleddyn Bowen, da Universidade de Leicester, no Reino Unido.

"Algumas missões são científicas e exploratórias, como a Chang'e, enquanto outras são em prol da economia e infraestrutura e ainda outras pretendem desenvolver capacidades militares ou aumentar a sua força", explica ele.

A China, agora, tem a sua própria estação espacial —Tiangong, ou Palácio Celestial, em chinês. Ela abriga três astronautas por vez, por períodos de seis meses. E sua constelação de satélites Beidou é a resposta chinesa ao sistema GPS dos Estados Unidos.

O fornecimento dos seus próprios sistemas de temporização e posicionamento alavancou o crescimento econômico da China. Estes sistemas permitiram o desenvolvimento de aplicativos com base na localização, e auxiliaram setores como o de finanças, agricultura, transporte marítimo, aviação e muito mais.

O setor militar chinês também desenvolveu capacidades de orientação precisa de mísseis e munições e melhor coordenação e projeção das suas forças em todo o mundo. Mas nada disso é diferente do que fazem outros países.

"O fato de que a China possui um programa espacial militar e armas antissatélites não é diferente do que outras potências espaciais importantes já fizeram no passado e estão fazendo hoje em dia", afirma Bowen.

"Os líderes chineses têm interesses diversos em termos de guerra, desenvolvimento e prestígio", explica o pesquisador. "Eles querem ter segurança contra ameaças internas e externas, projetar seu próprio poderio militar, garantir o controle de posições na economia mundial e angariar benefícios políticos e prestígio com suas conquistas e programas de grande envergadura."

As missões importantes como a Chang'6 são as que ocasionalmente ocupam as manchetes. Mas o programa espacial chinês tem escopo abrangente e repercussões para a China e para outros países.

No setor científico, a China vem avançando na astronomia, na astrofísica e na detecção de exoplanetas.

Em junho, a principal autoridade de ciências espaciais do país revelou uma série de missões que pretende trazer grandes inovações. Elas incluem uma constelação de satélites em formação, usando o lado oculto da Lua como escudo contra a interferência terrestre, para captar sinais fracos do início do Universo.

Outra missão pretende encontrar exoplanetas similares à Terra e os chamados planetas interestelares, que estão à deriva na Via Láctea, sem estrelas para orbitar. E uma sonda solar vai tentar obter as primeiras imagens dos polos do Sol.

O programa planetário chinês Tianwen pretende extrair amostras de um asteroide perto da Terra, visitar um cometa, recolher amostras de Marte e enviar uma sonda para Júpiter. E uma missão posterior para um dos gigantes gelados do Sistema Solar —Urano ou Netuno— está sendo analisada para o futuro.

As autoridades espaciais chinesas também falaram na criação de uma zona econômica Terra-Lua. Esta iniciativa demonstra que, como outras potências espaciais como os Estados Unidos, a China busca comercializar o espaço e seus recursos.

Mas, por enquanto, a China se concentra em trazer para casa o material da Chang'e-6 até o final de junho. Depois disso, sua próxima missão de coleta de amostras, no final da década, talvez seja conduzida pelos seus próprios astronautas.

Leia a versão original desta reportagem (em inglês) no site BBC Innovation.

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