Descrição de chapéu The New York Times

Isolada em ilha, última população de mamutes sofreu série de distúrbios genéticos

Animais provavelmente registraram um alto nível de doenças hereditárias, segundo estudo

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Carl Zimmer
The New York Times

Por milhões de anos, mamutes percorreram a Europa, Ásia e América do Norte. Porém, há cerca de 15 mil anos, começaram a desaparecer de sua vasta área, até sobreviverem em apenas algumas ilhas.

No fim, eles desapareceram desses refúgios também, com uma exceção: a ilha de Wrangel, a cerca de 129 quilômetros ao norte da costa da Sibéria. Lá, eles resistiram por milhares de anos —e ainda estavam vivos quando as Grandes Pirâmides foram construídas no Egito.

Mas, quando os da ilha desapareceram há 4.000 anos, os mamutes se extinguiram para sempre.

Por duas décadas, o geneticista Love Dalén, da Universidade de Estocolmo, e seus colegas têm extraído pedaços de DNA de fósseis nessa ilha. Nos últimos anos, eles reuniram genomas inteiros de mamutes. E, nesta quinta-feira (27), publicaram uma reconstrução da história genética desses animais.

Ilustração de mamute na ilha de Wrangel - Beth Zaiken/NYT

Os cientistas concluíram que a população da ilha surgiu há cerca de 10 mil anos com um pequeno rebanho composto de menos de dez animais. A colônia sobreviveu por 6.000 anos, mas os mamutes sofreram uma série de distúrbios genéticos.

Na avaliação de Oliver Ryder, diretor de genética de conservação na ONG San Diego Zoo Wildlife Alliance, o estudo oferece importantes lições para tentar salvar espécies da extinção e mostra que a endogamia pode causar danos a longo prazo.

"O trabalho permite examinar esse processo ao longo de milhares de anos", disse Ryder, que não esteve envolvido na pesquisa. "Não temos dados como esses para as espécies que estamos tentando salvar agora."

Dalén e seus colegas examinaram os genomas de 14 mamutes que viveram em Wrangel de 9.210 a 4.333 anos atrás. Os pesquisadores compararam o DNA dos mamutes da Ilha com sete genomas de mamutes que viveram no continente siberiano até 12.158 anos atrás.

O genoma de qualquer animal contém informações sobre a população à qual pertencia. Em grandes populações, há muita diversidade genética. Como resultado, um animal herdará diferentes versões de muitos de seus genes de seus pais. Em uma população pequena, os animais se tornarão consanguíneos, herdando cópias idênticas de muitos genes.

Presa de mamute na ilha de Wrangel - Love Dalen/NYT

Os fósseis mais antigos da ilha contêm versões idênticas de muitos genes. Com isso, Dalén e seus colegas concluíram que a ilha foi fundada por uma população incrivelmente pequena de mamutes.

Antes de cerca de 10 mil anos atrás, Wrangel era uma região montanhosa no continente da Sibéria. Poucos mamutes passavam tempo lá, preferindo regiões mais baixas onde plantas mais abundantes cresciam.

Mas, no final da Era do Gelo, o derretimento de geleiras submergiu a margem norte da Sibéria. "Havia um pequeno rebanho de mamutes que por acaso estava na ilha quando ela foi isolada do continente", explicou Dalén.

Os mamutes no continente enfrentaram desafios para sobreviver. Os humanos os caçavam, e a mudança do clima eliminava grande parte de seu habitat de pastagem, transformando-o em tundra.

Já os poucos mamutes encalhados em Wrangel tiveram sorte. A ilha estava livre de pessoas e outros predadores, e os animais não encaravam a competição de outros mamíferos herbívoros. Além disso, o clima na ilha a transformou em uma cápsula do tempo ecológica, onde ainda podiam desfrutar de uma diversidade de plantas da Era do Gelo.

"Wrangel era um lugar dourado para se viver", disse Dalén.

Ele e seus colegas descobriram que a população na ilha aumentou de menos de dez mamutes para aproximadamente 200 —esse provavelmente era o número máximo que a vegetação local poderia sustentar.

No entanto, a vida estava longe de ser perfeita ali. Os poucos animais que fundaram a ilha tinham muito pouca diversidade genética, e Dalén e seus colegas descobriram que o nível permaneceu baixo nos 6.000 anos seguintes.

"Eles carregavam a consanguinidade que adquiriram nos primeiros dias", disse o geneticista.

Como resultado, os animais provavelmente registraram um alto nível de doenças hereditárias. Dalén suspeita que eles conseguiram sobreviver por centenas de gerações porque não tinham predadores ou competidores.

O novo estudo não revela exatamente como os mamutes de Wrangel desapareceram. Não há evidências de que os humanos sejam os culpados; os primeiros visitantes conhecidos da ilha parecem ter estabelecido um acampamento de caça de verão 400 anos após os mamutes se extinguirem.

Por enquanto, Dalén só pode especular sobre a verdadeira causa da extinção. A guerra na Ucrânia tornou inviável para ele e seus colegas viajarem para a Rússia para fazer mais pesquisas.

É possível que um incêndio na tundra tenha exterminado os mamutes de Wrangel, ou que a erupção de um vulcão ártico possa tê-los eliminado. Dalén até consegue imaginar que um pássaro migratório tenha levado um vírus da gripe para a ilha, que então passou para os mamutes e os exterminou.

"Ainda temos várias explicações possíveis", afirmou ele.

Para Dalén, o novo estudo não é promissor para os biólogos da conservação que estão tentando resgatar espécies em risco de extinção. Mesmo que restaurem uma espécie para uma população maior, ela pode permanecer sobrecarregada com um baixo nível de diversidade genética.

O geneticista afirmou que pode ser essencial aumentar a diversidade genética das populações em recuperação. Biólogos da conservação têm investigado como fazer isso, movendo animais individuais entre populações para que possam se reproduzir, por exemplo.

A clonagem pode ser outro caminho para a recuperação das espécies. Ryder e seus colegas têm congelado células de animais em perigo para preservar parte de sua diversidade genética. Em 2021, pesquisadores conseguiram produzir um clone de um furão-de-pés-negros de uma população que havia desaparecido na década de 1980.

Sem essas intervenções, uma espécie ameaçada pode ter dificuldade em escapar de um legado de endogamia, mesmo após centenas de gerações.

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Tópicos relacionados

Leia tudo sobre o tema e siga:

Comentários

Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.