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Chimpanzés aprenderam a pronunciar uma palavra: mamãe

Cientistas avaliam que descoberta pode oferecer pistas sobre as origens da fala humana

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Carl Zimmer
The New York Times

Após analisar vídeos de chimpanzés cativos com décadas de idade, os cientistas concluíram que os animais poderiam pronunciar uma palavra: mamãe.

A descoberta, publicada no último dia 25 na revista Scientific Reports, pode oferecer algumas pistas importantes sobre como a fala evoluiu. Os pesquisadores argumentam que nossos ancestrais comuns com os chimpanzés já tinham cérebros equipados com alguns dos blocos de construção necessários para falar.

O psicólogo evolucionista Adriano Lameira, da Universidade de Warwick, na Grã-Bretanha, um dos autores do estudo, disse que a capacidade de falar é talvez a característica mais importante que nos diferencia de outros animais. Falar uns com os outros permitiu que os primeiros humanos cooperassem e acumulassem conhecimento ao longo das gerações.

Chimpanzé mantido em zoológico Dehiwala, Sri Lanka - Ishara S. Kodikara - 13.mai.22/AFP

"É a única característica que explica por que fomos capazes de mudar a face da Terra", afirmo Lameira. "Seríamos um macaco comum sem ela."

Cientistas há muito tempo se perguntam por que podemos falar e outros macacos não. Começando no início dos anos 1900, essa curiosidade levou a uma série de experimentos estranhos —e cruéis. Alguns pesquisadores tentaram criar macacos em suas próprias casas para analisar se a convivência com humanos poderia fazer com que os jovens animais falassem.

Em 1947, por exemplo, o psicólogo Keith Hayes e sua esposa, Catherine, adotaram um filhote de chimpanzé. Eles a chamaram de Viki e, quando ela tinha cinco meses, começaram a ensiná-la palavras. Após dois anos de treinamento, o casal afirmou que ela conseguia dizer "papai", "mamãe", "cima" e "copo".

Na década de 1980, muitos cientistas descartaram as experiências de Viki e outros macacos adotados. Para começar, separar os bebês de suas mães provavelmente foi traumático. "Não é o tipo de coisa que você poderia financiar hoje em dia, e com razão", disse o cientista Axel Ekstrom, do Instituto Real de Tecnologia KTH em Estocolmo.

É um perfil acústico muito particular, muito único. Você não pode confundir com outra coisa.

Axel Ekstrom

cientista do Instituto Real de Tecnologia KTH em Estocolmo

Ética à parte, os experimentos de adoção não resultaram em fala fluente. Os animais apresentavam dificuldade em produzir até mesmo padrões sonoros simples.

Essa diferença nas habilidades humanas e de macacos alimentou um debate: os chimpanzés eram incapazes de falar por causa de sua anatomia vocal ou por causa de seus cérebros?

Por décadas, Philip Lieberman, da Universidade Brown, defendeu que era o trato vocal. Ele observou em 1969 que a laringe e a língua humanas estão mais baixas na garganta do que em outros primatas. O antropólogo, que morreu em 2022, argumentou que essa mudança anatômica permitiu que as pessoas produzissem a ampla gama de sons necessária para a fala complexa.

Porém, em 2016, uma equipe de cientistas produziu filmes de raio-X de macacos vocalizando e descobriu que o trato vocal dos primatas estava na verdade "pronto para a fala". Isso levou alguns pesquisadores a considerar se o cérebro dos macacos carecia de algo essencial para a fala.

Alguns estudos sugerem que o cérebro humano é excepcional porque pode enviar comandos coordenados para a mandíbula e a garganta. Esse passo evolutivo pode ter permitido que nossos ancestrais combinassem consoantes e vogais em sílabas, que então poderiam ser combinadas em palavras.

E os humanos, ao contrário da grande maioria dos outros animais, podem aprender novos sons com outros.

No entanto, os autores do novo estudo suspeitavam que os macacos estavam sendo subestimados. Em sua própria pesquisa sobre orangotangos, Lameira se convenceu de que os macacos são capazes de aprender a vocalizar sons. Orangotangos selvagens em grupos vizinhos emitem chamados diferentes, por exemplo. Em zoológicos, eles aprenderam a imitar o apito de um zelador.

Ekstrom também se perguntou se os cientistas haviam sido rápidos demais em descartar os experimentos de adoção como fracassos. Ninguém nunca havia analisado os sons que Viki e outros chimpanzés emitiam.

Ele começou a procurar por gravações e, então, descobriu que Viki apareceu em um documentário de 1959. No filme, a jovem chimpanzé parece dizer "papa" três vezes e "copo" uma vez.

O cientista gravou a si mesmo dizendo "papa" e "copo" e então comparou sua voz com a de Viki. Cada vez que ela dizia "papa", ela produzia o mesmo padrão de som, sugerindo que de fato havia aprendido a dizer algo novo.

Contudo, como Ekstrom sustentou no ano passado, a versão de "papa" de Viki era diferente da dele. Ela apenas produzia dois sons de "puh" estalando, sem nenhuma vogal. Ela disse "copo" da mesma forma, fazendo apenas um som de "c" seguido por um "p".

"Isso não é muito convincente se você está tentando dizer, 'Olha, esse chimpanzé aprendeu a falar'", disse o pesquisador.

Ekstrom e Lameira se uniram para procurar mais gravações. Eles encontraram um curto vídeo do YouTube de um chimpanzé chamado Johnny que viveu no Santuário de Primatas Suncoast em Palm Harbor, Flórida. No vídeo, carregado anonimamente em 2007, Johnny parece dizer "mama" ("mamãe" em português) em resposta ao incentivo de uma mulher.

Nancy Nagel, membro do conselho do santuário por 30 anos, confirmou que o chimpanzé no vídeo era Johnny. "Ele dizia um 'mamãe' muito rouco", disse em uma entrevista. "Isso era tudo o que ele dizia."

Os pesquisadores também encontraram informações de 1962 sobre umachimpanzé fêmea na Itália chamada Renata. Ela também emitiu algo que soava como "mamãe".

No novo estudo, os cientistas analisaram como Johnny e Renata diziam a palavra. Seus sons se assemelhavam mais à versão de "mamãe" de Ekstrom. Ao contrário de Viki, Johnny e Renata conseguiam adicionar uma vogal após uma consoante.

"Parece como uma palavra", disse Ekstrom. "É um perfil acústico muito particular, muito único. Você não pode confundir com outra coisa."

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