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Como evitar que práticas colonialistas se repitam na exploração do espaço

Líderes do setor espacial argumentam que colonialismo de estilo europeu é a única maneira de proceder

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Mary-Jane Rubenstein

Professora de religião e estudos de ciência e tecnologia na Universidade Wesleyan (EUA)

The Conversation

A última década viu uma rápida expansão do setor espacial comercial. Nações rivais estão competindo por posições militares e econômicas de destaque fora da Terra. Entidades públicas e privadas estão clamando para minerar a Lua, e um crescente halo de lixo espacial está poluindo a órbita baixa da Terra.

Em 2023, um grupo de astrônomos alertou contra a repetição de "práticas colonialistas" terrestres no espaço sideral. Mas o que há de errado em colonizar o espaço se não há nada lá para começar?

Sou uma filósofa da ciência e da religião que vem escrevendo sobre o setor espacial há vários anos. À medida que agências governamentais e empresas privadas voltam seus olhos para as estrelas, percebo que muitos dos fatores que impulsionaram o imperialismo cristão europeu entre os séculos 15 e 19 reaparecem em formatos de alta velocidade e alta tecnologia.

Registro do solo de Marte feita por câmera no rover Spirit, da Nasa - Ho New/Nasa/JPL/Universidade Estadual do Arizona/Cornell

Algumas dessas práticas colonialistas podem incluir o cercamento de terras, a exploração de recursos naturais e a destruição de paisagens —em nome de ideais como destino, civilização e salvação da humanidade.

Muitos líderes do setor espacial, como o presidente da Mars Society, Robert Zubrin, argumentam que, embora o colonialismo de estilo europeu possa ter tido consequências desagradáveis na Terra, essa é a única maneira de proceder no espaço sideral. Na verdade, ele adverte que qualquer tentativa de desacelerar ou regulamentar o setor espacial tornará a fronteira marciana inacessível à humanidade, deixando-nos presos em uma Terra cada vez mais monótona e decadente.

Zubrin argumentou contra preocupações sobre o colonialismo no espaço. Ao contrário da Terra, o espaço sideral é vazio, afirma ele. Por que alguém deveria se preocupar com os direitos das rochas e de alguns micróbios hipotéticos? Mas, como se vê, nem todos concordam que o espaço sideral é vazio. E, como argumentaram os astrônomos preocupados, abandonar a cartilha colonial beneficiaria tanto os integrantes do setor espacial quanto os de fora.

O espaço está realmente vazio?

O povo de Bawaka Country, no norte da Austrália, disse ao setor espacial que seus ancestrais orientam a vida humana a partir de seu lar na galáxia e que essa relação está cada vez mais ameaçada por grandes constelações de satélites em órbita.

Da mesma forma, os anciãos inuits dizem que seus ancestrais vivem em corpos celestes. Os líderes navajos pediram à Nasa para não deixar restos humanos na Lua. Os anciãos Kanaka insistiram para que não sejam construídos mais telescópios em Mauna Kea, que os nativos do Havaí consideram ancestral e sagrado.

Essas posições indígenas contrastam fortemente com a insistência de muitos no setor de que o espaço é vazio e inanimado.

A chave para conciliar essas posições tão diferentes é buscar um acordo, não em relação a crenças ou visões de mundo, mas sim em relação ao comportamento. Os entusiastas seculares do espaço não precisam concordar que o espaço sideral é povoado, animado ou sagrado para tratá-lo com o cuidado e o respeito que as comunidades indígenas estão exigindo do setor.

Tratar o espaço sideral com cuidado pode envolver preservar formações naturais dignas de nota, limitar a mineração, reduzir as licenças e lançamentos de satélites e descobrir uma maneira de limpar o lixo em órbita.

Preocupações ambientais

O campo emergente da ecologia espacial examina as relações entre artefatos humanos e ambientes naturais no contexto da órbita da Terra, na Lua e em outros planetas. Como essa disciplina procura demonstrar, as órbitas e os corpos planetários são sistemas delicadamente equilibrados.

Sem uma regulamentação consistente, a atividade espacial comercial poderia tornar as órbitas inutilizáveis e desperdiçar a atmosfera similar ao vácuo da Lua.

Na verdade, a luz que incide sobre lixo espacial —satélites desativados, pedaços de naves espaciais, telefones celulares, porcas, parafusos, pedaços de metal e cacos de vidro— pode impedir que os astrônomos vejam, fotografem e naveguem por meio das estrelas.

A Lua, Marte e os asteroides ajudam os cientistas a entender como os planetas e o Sistema Solar se formaram, quais são as condições necessárias para a vida e como os planetas poderão ser no futuro. Se o setor espacial explodir, minerar e —seguindo uma sugestão do CEO da SpaceX, Elon Musk— destruir corpos planetários, os cientistas poderão perder o acesso a esse conhecimento.

O setor espacial comercial já causou danos ambientais significativos na Terra e em seus arredores.

Os constantes testes e lançamentos de foguetes da SpaceX dizimaram as áreas úmidas de Boca Chica, Texas. Uma explosão de um foguete da SpaceX em abril de 2023 danificou uma área estimada de 385 acres de terra, cursos d'água, tartarugas e pássaros —sem mencionar carros, casas e pulmões humanos.

O número crescente de lançamentos privados e públicos do setor deposita querosene, carbono e enxofre na atmosfera superior, onde essas substâncias permanecem mais tempo do que na estratosfera.

Pesquisas demonstraram que o acúmulo dessas substâncias poderia aumentar exponencialmente as mudanças climáticas. De acordo com uma estimativa, as emissões dos foguetes aquecem a atmosfera 500 vezes mais rapidamente do que as emissões da aviação.

Mesmo que Musk nunca chegue a Marte, a SpaceX e concorrentes estão aumentando o tráfego de satélites na órbita baixa da Terra que pode ameaçar a vida dos astronautas e corre o risco de tornar essas órbitas inutilizáveis.

Consequências humanas

Muitos líderes do setor espacial celebram o espaço como um "novo mundo novo" ou a fronteira final. Mas as primeiras economias modernas do açúcar, do tabaco e do ouro geraram lucro na construção de impérios para a Europa e para os EUA por meio da escravidão e da servidão contratada.

Os líderes do setor espacial terão de considerar como serão os acordos trabalhistas ao enviarem funcionários para trabalhar em seus hotéis espaciais, construírem seus bunkers e trabalharem na mineração de asteroides. Afinal de contas, os trabalhadores espaciais dependerão de seus empregadores não apenas para receber um salário e assistência médica, mas também para alimentação, água, ar e transporte de volta à Terra.

Em 1967, uma série de nações, incluindo os EUA, o Reino Unido e a URSS, assinaram o Tratado do Espaço Sideral. Esse tratado declarou, entre outras coisas, que nenhuma nação pode possuir um corpo planetário ou parte dele.

Negociado e assinado após duas guerras mundiais, o tratado foi um produto do conflito na Europa no século 20. Se o colonialismo na Terra culminou nessas duas guerras, as nações que o assinaram estavam efetivamente dizendo: "Não vamos lutar uns contra os outros por território e recursos novamente. Vamos ocupar o espaço sideral de forma diferente".

A essa altura, o tratado está desatualizado e praticamente não pode ser aplicado. Mas qualquer legislação futura faria bem em manter o espírito anticolonial do tratado original.

De uma perspectiva política, portanto, não importa se o espaço é de fato habitado ou se as rochas têm direitos. Evitar o colonialismo no espaço sideral não exige que o setor espacial concorde com essas questões metafísicas.

No lugar disso, exigirá que os participantes de todo o setor espacial e de fora dele concordem com um conjunto compartilhado de padrões para se preocupar com os planetas e suas órbitas, independentemente de suas motivações serem científicas, ambientais, humanistas ou religiosas.

Este artigo foi publicado no The Conversation Brasil e reproduzido aqui sob a licença Creative Commons. Clique aqui para ler a versão original

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