Descrição de chapéu

Conselho Federal de Medicina: ética, ciência e verdade

Presidente da entidade se manifesta em resposta ao texto 'Conselho sem partido', do blog Sou Ciência

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

José Hiran Gallo

Presidente do Conselho Federal de Medicina (CFM)

O experimento é antigo. Num grupo, uma pessoa conta um fato ao vizinho que o repassa a outros ao redor. Tempos depois, tenta-se recuperar a informação original. Ficam evidentes distorções. No caminho, dados foram acrescentados, percepções incorporadas, pontos de vista descontextualizados em prol de narrativas que comprometem reputações.

O Conselho Federal de Medicina (CFM) e os médicos brasileiros, de forma geral, conhecem bem esse enredo. Nos últimos tempos, tem sido recorrente, nas redes sociais e artigos opinativos, entendimentos enviesados atribuindo à autarquia e à classe que representa uma posição de antagonista-mor da sociedade.

Com argumentação pretensamente elaborada, insiste-se em reduzir o espaço legítimo do CFM, enquanto instituição pública, e apresentar a falsa ideia de que a classe médica está atrelada a plataformas político-ideológicas e sem compromisso com pacientes e a população. Evidentemente, isso não é verdade, mas a repetição se esforça para dar fôlego a essa falácia.

Um homem de cabelo grisalho e barba, vestido com um terno cinza e uma gravata verde, está falando em um microfone. Ele parece estar em um ambiente formal, possivelmente em um evento ou sessão legislativa, com um fundo de painéis verticais em tons escuros.
José Hiran Gallo, presidente do CFM (Conselho Federal de Medicina), durante audiência no Senado sobre aborto - Reprodução/Youtube TV Senado

Nesse processo, recentes trincheiras evocam novamente a pandemia de Covid-19, atribuindo ao CFM fatos distantes da verdade. Sobre isso, há esclarecimentos a serem feitos.

É preciso ressaltar, por exemplo, que o parecer 04/20, publicado no início da emergência epidemiológica, atendeu um objetivo principal: explicitar a competência do médico para prescrição "off-label" de medicamentos em contextos deste tipo, prerrogativa que sempre existiu para qualquer condição clínica, desde que exercida de forma ética e responsável, atenta aos limites da lei.

Sublinhe-se ainda que essa norma não foi feita em função de pleitos de qualquer natureza, pois o CFM é uma autarquia do Estado e, como tal, tem a missão de defesa dos interesses coletivos, tendo no médico —o único treinado para antecipar eventos adversos possíveis— o agente da prescrição de um medicamento "off-label".

Conforme a Anvisa, esse tipo de prescrição prevê o uso intencional em situações divergentes da bula de medicamento registrado com finalidade terapêutica. Configura prática consagrada pela ciência e medicina, não ocorrendo por ignorância ou arrogância do médico, mas por necessidade de tratamento de pacientes reais para quem não há medicamentos testados, segundo o rito científico existente.

Assim, a prescrição "off-label", quando necessária, é prerrogativa do médico, a partir de sua autonomia, sendo garantida pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ), que reconhece esse direito e garante que o medicamento prescrito seja coberto por planos de saúde e pelo SUS.

Ainda no combo das narrativas mirabolantes, detratores alardeiam ser o CFM apoiador de movimentos antivacina, inclusive de Covid-19. Isso é estapafúrdio para quem conhece o histórico do conselho em apoio ao Programa Nacional de Imunizações (PNI) e seu empenho em estimular a população a tomar doses de todos os tipos.

Prova disso são parcerias firmadas pelo CFM com órgãos, como o Ministério da Saúde e o Ministério Público, para participar do esforço de ampliação da taxa de cobertura vacinal no país. Elas se somam a campanhas institucionais da autarquia com esse fim voltadas a pacientes e profissionais e documentos produzidos pelo conselho que ajudaram a monitorar o avanço das pesquisas relacionadas à imunização contra Covid.

Para completar as tramas conspiratórias, cita-se o CFM como um dos responsáveis e apoiador do PL 1.904/2024, que proíbe o aborto a partir de 22 semanas, e contrário ao Programa Aborto Legal. São afirmações também infundadas que causam confusão, assim como atribuir ao CFM posição contrária à autonomia da mulher, o que foi feito pela retirada dessa expressão do contexto onde foi usada.

Ao longo de sete décadas, o CFM sempre tem estado ao lado da ética e da população. Apura abusos e pune, como instância recursal, transgressores de normas que colocam em risco seus pacientes. Elabora diretrizes assistenciais com base nas melhores evidências científicas e defende um atendimento eficaz, seguro e de qualidade no país.

Quem duvida pode confirmar tudo isso numa simples busca na internet, onde abundam documentos que atestam o cuidado do CFM em aplicar o conhecimento científico em favor da medicina e da saúde, observando ainda princípios da bioética e da ética médica.

Lembrem-se: a ciência é humilde, paciente e criteriosa. Ela sabe quanto ainda falta aprender e reconhece a complexidade do mundo. Quem a defende foge das narrativas baseadas em distorções, pois sabe que, se o fizer, deixa de ser cientista de fato e passa agir como caricatura de si mesmo, mais preocupado com holofotes do que com a verdade.

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Tópicos relacionados

Leia tudo sobre o tema e siga:

Comentários

Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.