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Física Sendy Nascimento trilha ciência entre pontos quânticos

Pesquisadora e embaixadora do Parent in Science almeja ser uma cientista 1A, o nível mais alto da pesquisa científica nacional

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São Paulo

Sendy Nascimento, 31, caminha entre fluidos complexos, nanopartículas e pontos quânticos. A professora da UFRN (Universidade Federal do Rio Grande do Norte), que tem parte de sua pesquisa relacionada ao tema que levou o Nobel de Química de 2023, almeja o topo da carreira científica: ser uma cientista brasileira 1A.

Para chegar lá, o caminho é longo, então, comecemos pelo começo.

"Acho que todo físico é um matemático que desistiu", diz, rindo, Nascimento, uma das pesquisadoras escolhidas para fazer parte da série Folha Descobertas, iniciativa da Folha em parceria como Hospital Israelita Albert Einstein.

Ela fez graduação, mestrado e doutorado em física na Universidade Federal de Alagoas. "Eu gostava muito de matemática, na minha cabeça eu ia ser professora de matemática."

O encantamento pela física surgiu a partir de um professor que mostrou como a disciplina ajudava a explicar a natureza com equações e com a própria matemática; que, com ela, era possível até mesmo predizer acontecimentos.

Imagem de uma mulher com cabelo cacheado e óculos, vestindo um jaleco branco sobre uma camisa verde. Ela está de pé contra uma parede branca e olha diretamente para a câmera.
A pesquisadora Sendy Nascimento, da UFRN (Universidade Federal do Rio Grande do Norte) - Alexandre Lago/Folhapress

Na graduação, ela já sabia que queria pesquisar, só faltava saber o quê. "Eu queria trabalhar com algo muito grande, escalas astronômicas; ou com algo muito pequenininho."

O mundo pequenininho venceu —não que o gosto por escalas gigantescas tenha desaparecido, ele apenas se restringiu a leituras sobre astronomia.

Pontos quânticos apareceram, quase sem querer, na vida da pesquisadora. A ideia inicial era pesquisar grafeno no doutorado. A resposta do orientador, lembra ela, foi que "grafeno a gente não tem, não. Mas tem algo ali da mesma família de carbono, que é o ponto quântico de carbono".

Raio-X

  • Nome

    Sendy Nascimento

  • Idade

    31

  • Cidade de origem

    Maceió (AL)

  • Onde mora hoje

    Natal (RN)

  • Linha de pesquisa

    Pontos quânticos de carbono

  • Instituições em que atua

    UFRN (Universidade Federal do Rio Grande do Norte)

Até então, ela não havia ouvido falar sobre isso. "Aí foi sentar na cadeira, ler, estudar e ir para o laboratório."

Apesar da palavra "quântica(o)" ser tratada com certas liberalidades hoje, há de se ter cuidado, prega Nascimento. "Quando digo que é um ponto quântico, seja o ponto quântico comum, seja o ponto quântico de carbono, é porque ele segue regras delimitadas pela mecânica quântica, não é porque ‘olha como ele é bonitinho, vamos dar o nome de quântico para ele’."

Os pontos quânticos recebem esse nome por causa de certas propriedades. Em linhas gerais, a fluorescência desses pontos (o comprimento de onda emitido) está ligada diretamente com o tamanho deles.

A imagem mostra cinco frascos de Erlenmeyer alinhados, cada um contendo um líquido fluorescente de cores diferentes. Da esquerda para a direita, as cores dos líquidos são laranja, vermelho, verde, azul e roxo. Os frascos estão em um ambiente escuro, destacando o brilho dos líquidos.
Frascos de laboratório são utilizados para explicação durante o anúncio dos vencedores do Prêmio Nobel de Química de 2023 na Real Academia Sueca de Ciências em Estocolmo, em 4 de outubro de 2023 - Jonathan Nackstrand/AFP

"Isso é descrito pela mecânica quântica, não pela mecânica clássica", diz Nascimento. "Na clássica, se tenho um copo grande, esse copo pode ser amarelo, pode ser azul. Se tenho um copo pequeno, ele também pode ser amarelo, azul. Quando a gente vai para esse mundo menor da nanopartícula, especificamente do ponto quântico, essa cor é limitada pelo tamanho, o que é incrível."

Já o objeto de pesquisa da cientista brasileira, o "carbon dot" —nome em inglês do ponto quântico de carbono—, tem uma história muito mais recente do que os pontos quânticos tradicionais. Isso significa muita coisa ainda a ser descoberta e explicada.

Por exemplo, afirma Nascimento, no caso dos pontos quânticos de carbono, a ligação entre tamanho e cores nem sempre é seguida. "A gente ainda não entende o que está acontecendo para ele se comportar dessa maneira."

Já se sabe, porém, que a superfície do "carbon dot" tem relevância para definir a cor.

"Tem estudos sobre isso, mas ainda não é algo extremamente bem descrito. Por exemplo, se eu tiver um 'carbon dot' com a superfície de tal jeito, vou ter o tamanho que vai ser o denominador essencial; se a superfície tiver outras coisas, então é a superfície que vai ser o fator principal para a fluorescência."

Há outra diferença importante entre um ponto quântico tradicional e o de carbono. A pesquisadora da UFRN diz que o primeiro é obtido com uso de metais. Dessa forma, mesmo que estejamos falando de algo que está em uma escala nanométrica, esse ponto ainda pode ser tóxico, o que traz a necessidade de tratamentos adicionais para determinados usos.

O mesmo não ocorre com os pontos quânticos de carbono, que são menos tóxicos para usos na natureza e contato com humanos. "Não vou dizer 100%, porque a gente cientista é difícil dizer 100%", brinca a pesquisadora.

Folha Descobertas

Série reúne os perfis de dez pesquisadores, de diferentes regiões do Brasil, que se destacam em sua área de atuação; a iniciativa é uma parceria com o Hospital Israelita Albert Einstein

Qual é o ponto desses pontos?

Mas para que servem os pontos quânticos e os de carbono?

Existe a possibilidade que eles estejam mais perto do que você possa imaginar e que você olhe para eles com alguma frequência. Um dos usos dos pontos quânticos é em telas.

Eles também podem ter uso médico e serem utilizados como marcadores. A partir deles, é possível identificar alguma substância, molécula ou mesmo condições, como temperatura e pH. E daí a importância da toxicidade ou ausência dela.

"Algumas doenças que a gente vem estudando, no início, têm uma variação de pH, por exemplo, na célula. Então, você consegue indicar que está iniciando aquele processo da doença, o que ajuda no tratamento", diz Nascimento, sobre um dos estudos relacionados aos "carbon dots" do qual participou e que tratava especificamente da identificação de pH e de baixa toxicidade em meio celular.

Os pontos de carbono podem até mesmo ser utilizados para marcar e posteriormente verificar combustíveis, diz a cientista, citando outra pesquisa com a qual está envolvida.

Outro ponto que pode ser curioso sobre os pontos quânticos de carbono é seu processo de formação. A receita de Nascimento é hidrotermal —depende de um meio aquoso e temperaturas altas—, com necessidade de uma espécie de "panela de pressão" um pouco mais perigosa —chamada autoclave.

A pesquisadora diz que, para os "carbon dots", existe a chamada síntese verde, na qual são formados os pontos a partir de biomassa. "Já existe 'carbon dot' feito da casca de banana, casca de laranja, casca da manga. Uma das professoras que trabalha comigo na química fez de esterco de vaca."

Vida de pesquisadora e mãe

Nascimento cresceu na região periférica de Maceió, Alagoas. Os empurrões de sua própria cabeça foram o que a fizeram seguir em frente. "O empurrão era a minha teimosia. O que às vezes é um problema, né?", diz. "A gente nunca sabe qual é o defeito que nos ajuda."

Os pais também contribuíram para a então estudante trilhar o caminho da pesquisa. Ainda no primeiro ano de faculdade, ela engravidou e seus pais a auxiliavam, quando podiam, cuidando do bebê em um período do dia. Mas o trabalho ainda era grande, e as faltas na universidade, constantes.

Além disso, a situação financeira apertou. "Eu ia andando para a universidade, não tinha nem o dinheiro da passagem nem o do almoço", conta Nascimento. Foi uma bolsa de iniciação científica que ajudou a aliviar a situação.

A creche da universidade foi outro ponto de grande ajuda. "Deveria ser algo de toda a universidade ter minimamente o berçário, creche, escola integral para que não só os estudantes mas os profissionais consigam ter ali um ambiente próximo e seguro ao qual possam confiar os seus filhos.

Houve momentos em que sua filha tinha que frequentar as aulas junto com a mãe.

"Tinha professor que não aceitava de jeito nenhum", diz Nascimento. Houve, inclusive, um momento em que ela não tinha com quem deixar sua filha e um professor tentou impedi-la de fazer uma prova. A sorte apareceu na forma de um casal de amigos que estava por perto e ficou com a criança durante o exame.

"Fui fazer a prova aos prantos, eu não conseguia nem entender o que é que tinha ali. São coisas que a gente da academia, da universidade, precisa refletir um pouco, precisa mudar", afirma a pesquisadora da UFRN, que também é embaixadora do Parent in Science.

E, finalmente, voltamos ao objetivo de Nascimento de ser uma cientista 1A, o que se refere à produtividade em pesquisa do CNPq (Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico).

"Só para entrar na base dessa pirâmide —eu ainda não estou nem na base—, são pedidas várias coisas. Você tem que ter um certo número de artigos, e não é só um certo número de artigos, é um certo número de artigos e consistência nesse número", afirma Nascimento, que cita ainda a importância de outros fatores, como eventos e patentes.

Alcançando tal posto, Nascimento, uma mulher negra, estará acompanhada de Rosy Mary dos Santos Isaias, professora do departamento de Botânica da UFMG (Universidade Federal de Minas Gerais) e a primeira pesquisadora negra a alcançar o nível 1A —o que ocorreu só em 2024.

"Um país que é mais de 50% negro só tem uma pesquisadora negra lá", questiona Nascimento.

A cientista da UFRN sabe aonde quer chegar e também o que não está disposta a sacrificar para tal. A única promessa é fazer o seu melhor.

"Quero ser uma boa pesquisadora, uma boa professora, mas quero fazer parte da extensão, porque a extensão é o meio em que a universidade se encontra com a sociedade. Apesar de eu amar estar enfurnada dentro de um laboratório, estudando só minhas coisinhas, a gente precisa estar em contato com a sociedade."


Folha Descobertas

A série apresenta, quinzenalmente, os perfis de dez jovens pesquisadores brasileiros de diferentes áreas de atuação e regiões do país. Para chegar aos nomes deles, a seleção partiu de indicações de um comitê formado por figuras de destaque do cenário científico nacional.

A série Folha Descobertas é uma parceria com o Hospital Israelita Albert Einstein

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