Alessandra Orofino

É cofundadora da ONG Meu Rio e diretora da organização Nossas. Curadora do blog #AgoraÉQueSãoElas.

Salvar artigos

Recurso exclusivo para assinantes

assine ou faça login

Alessandra Orofino

Obrigada, leitores

Não vamos reconstruir a política sem valorizar os jornalistas comprometidos com o contraditório

Esta será minha última coluna no caderno Cotidiano da Folha. Continuarei contribuindo com o jornal, através do blog #AgoraÉQueSãoElas e de textos para a página 3. Mas é natural que o fim deste ciclo traga consigo uma abundância de reflexões.

Minha primeira contribuição para Cotidiano se chamava “Uma coluna para Bolsonaro. Relendo-a hoje, a encontrei mais atual do que nunca. Nela, eu alertava para o papel fundamental que a gestão pouco ética de dados feita pela Cambridge Analytica tinha tido na eleição de Donald Trump. O grande trunfo do presidente americano foi ter conseguido entregar conteúdos distintos para cada tipo de eleitor, dependendo de suas preferências políticas e de seu perfil psicológico.

Kim Kataguiri discursa durante 3º Congresso Nacional do MBL, no Word Trade Center, em São Paulo
Kim Kataguiri discursa durante 3º Congresso Nacional do MBL, no Word Trade Center, em São Paulo - Joel Silva/Folhapress
 

Esse ser mutante, que se apresentava a cada indivíduo exatamente da forma como aquele indivíduo desejava vê-lo, se esquivou diversas vezes da praça pública. Ele sabia que o jogo no qual ele tinha mais chances de ganhar era o das informações desencontradas, fragmentadas. Um jogo feito possível pela lógica perversa e hipersegmentada da timeline do Facebook.

Essa estratégia, tão bem-sucedida por lá, está sendo repetida por aqui —​por Jair Bolsonaro, evidentemente. Quando Bolsonaro se recusa a comentar a execução de Marielle Franco, alegando que sua opinião seria “polêmica”, deixa a entender que teria posicionamento exatamente igual àquele que quer seu eleitor —​sem precisar dizer o que pensa.

Em seguida, a máquina de notícias falsas alimentadas por blogs fraudulentos e pelo MBL começa a entregar conteúdo que reforça os piores instintos de cada indivíduo. Bolsonaro se resguarda de um real debate público, mas cada um de seus fãs se sente absolutamente contemplado por seu não-posicionamento.

Esse pouco mais de um ano em Cotidiano (somado aos quase dois anos do blog), me deram a certeza de que a única saída possível para a era do hiper-ruído​ e das mentiras convincentes é a recuperação do espaço público, e o jornalismo profissional ainda é o único espaço público de informação do qual dispomos.

Não vamos reconstruir um centro político —entendido aqui como o centro do debate, o espaço mínimo de consenso democrático e republicano, e não como o centro político-eleitoral—​ sem valorizar os jornalistas que ainda estão comprometidos com o contraditório, a checagem de fatos e a análise crítica.

Neste ano eleitoral, os propagadores oficiais de fraudes vão fazer de tudo para descredibilizar a imprensa. E ainda que o jornalismo profissional brasileiro esteja longe de ser perfeito, ele ainda é melhor, muito melhor, do que os veículos fajutos que se posicionam como “mídia independente” —um verdadeiro insulto à mídia independente do país, que existe sim e, ainda que diminuta, entrega conteúdo de excelente qualidade jornalística.

Nesse contexto, é fundamental que as plataformas de difusão de informação, como o Facebook, aumentem o custo da mentira. Banir o MBLbem como outros grupos, à esquerda e à direita, que ganham dinheiro propagando falsidades de forma intencional e organizada— seria um primeiro passo decisivo.

A vocês que me leram e me leem neste e em outros espaços, só me resta agradecer pela atenção. E saibam que, muito em breve, outras duas curadoras do #Agora farão sua estreia em Cotidiano: Antonia Pellegrino e Manoela Miklos, minhas companheiras de blog e de vida, vão assinar uma coluna juntas.

Espero que vocês as leiam —e continuem lendo Folha, O Globo, El País, O Estado de S. Paulo, Nexo, Agência Pública e todos os veículos de pequeno, médio e grande porte que ainda se preocupam minimamente em garantir um debate limpo enquanto o país pega fogo.

Tópicos relacionados

Comentários

Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.