Alexandre Schneider

Pesquisador do Transformative Learning Technologies Lab da Universidade Columbia em Nova York, pesquisador do Centro de Economia e Política do Setor Público da FGV/SP e ex-secretário municipal de Educação de São Paulo.

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Alexandre Schneider
Descrição de chapéu Coronavírus

O coronavírus expõe a desigualdade educacional

Maior desafio é garantir a aprendizagem dos estudantes das escolas públicas; São Paulo testa caminho na rede municipal

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Cadu, de quatro anos, pula no sofá enquanto sua mãe, Inês, tenta realizar a quarta reunião à distância do dia. Aflita com a possibilidade de seus clientes se concentrarem na imagem do pequeno, e não em seus conselhos, Inês desliga a câmara e dá o iPad para o menino se distrair.

Sérgio, seu companheiro, não pode ajudá-la, pois está terminando um relatório de consultoria. Luana, a filha adolescente, tampouco. Assiste, com certo enfado, as aulas online de sua escola, enquanto simultaneamente troca mensagens com suas amigas, que são aquilo de que mais sente falta na escola.

Cauã, de cinco anos, não para quieto. Já são dias fechado na pequena casa de dois cômodos na zona sul da cidade. Dribla o avô, a mãe, o pai e os dois irmãos em um jogo de futebol imaginário desde o início do dia.

O calor é intenso e por vezes todos saem até a porta de casa para se refrescar. Cauã e os gêmeos de 13 anos estão de férias nas escola públicas que frequentam. Ainda não sabem se voltarão às aulas em maio. Bete, sua mãe, é diarista. Contou com a compreensão de seus empregadores, que resolveram manter a sua remuneração e deixá-la em casa. Antonio não teve a mesma sorte.

As preocupações de Inês e Sérgio nesse período de quarentena se resumem ao que fazer com o filho de quatro anos —uma vez que precisam trabalhar e não querem que ele passe os dias à frente da TV— e se manterem produtivos trabalhando à distância, sem perderem contratos de consultoria em caso de uma recessão.

No caso de Luana, já conseguiram acompanhar se está realizando as tarefas adequadamente. Questionam-se sobre se a filha está aprendendo. E se perguntam o que ela tanto faz no celular depois de encerradas as tarefas e as aulas.

Antonio e Bete rezam pela volta à normalidade. Há o desconforto em relação à quarentena forçada, o receio dos empregadores de Bete não irem até o fim e a dificuldade de Antonio em se recolocar enquanto a crise não acaba. As crianças comiam na escola, a despesa aumentou, a receita caiu. Bete se preocupa com os filhos. Até o momento a única noticia que teve foi de que as férias escolares foram antecipadas, mais nada.

A pandemia do coronavírus obrigou o fechamento das escolas e expôs a enorme desigualdade de oportunidades educacionais existente. Como garantir a aprendizagem de todos?

A verdade é que a educação está sendo forçada a “aprender” a educação à distância. No caso das escolas particulares, o desafio é duplo. De um lado, o de construir um processo de aprendizagem que não seja maçante e improdutivo após semanas passando horas em aulas por videoconferências ou respondendo a exercícios. De outro, convencer os pais que seus custos continuam os mesmos, o que inviabiliza a redução das mensalidades.

A perspectiva de uma quarentena mais longa deve levar as escolas a pensar no envio de orientações aos pais sobre como organizar os horários de aprendizagem de seus filhos e no desenvolvimento de atividades diversas, aproveitando este período não apenas para “passar o conteúdo”, mas para estimular as capacidades de reflexão, investigação e construção do conhecimento.

O maior desafio desses tempos está em garantir a aprendizagem dos estudantes das escolas públicas, a imensa maioria das crianças e jovens estudantes brasileiros. Sempre é bom lembrar que a cobertura de redes de dados não é a mesma em todo o país. E que muitas famílias possuem um único celular em casa. Como realizar educação à distância para um público tão heterogêneo, composto por famílias de diversas faixas de renda, muitas delas com alta vulnerabilidade?

A cidade de São Paulo está testando um caminho. Haverá a disponibilidade do uso de uma plataforma de comunicação entre a escola e os alunos mas, ao mesmo tempo, será enviado para a casa dos estudantes um conjunto de orientações aos pais e materiais com atividades para serem realizadas pelos estudantes em todas as áreas de conhecimento. A cidade construiu um currículo e um processo de formação e materiais integrados ao mesmo. Com isso foi ágil na elaboração do material.

Sem dúvida a estratégia paulistana é aquela que garante a todos os estudantes o acesso a atividades relacionadas com o currículo de suas escolas e suas redes, o que assegura a coerência entre as atividades propostas e as que vinham sendo realizadas em sala de aula. E permite aos professores, no retorno às aulas, levantarem que atividades os alunos realizaram e quais as dificuldades enfrentadas.

A boa notícia é que, desde 2010, a cidade é a única a ter uma política de recursos educacionais abertos, o que permite a qualquer rede pública do país copiar integral ou parcialmente tudo o que é produzido e construir seu material de acordo com a realidade local.

Nenhuma dessas ou outras alternativas deve excluir a principal: preparar o retorno às aulas regulares. Educadores e estudantes voltarão em situação muito fragilizada nesse período. Queda de renda, doenças em suas famílias e o próprio efeito psicológico de uma quarentena mais longa exigirão que as secretarias de educação organizem um bom acolhimento de todos na volta às aulas.

Desde já é preciso redesenhar o calendário escolar para verificar as necessidades de reposição de aulas e de reforço aos estudantes que eventualmente sofreram mais com a parada brusca causada pelas medidas de isolamento social.

O caminho mais adequado para garantir a aprendizagem de todos é o de estabelecer diretrizes que contemplem o apoio aos mais vulneráveis, solicitar um plano de trabalho a cada escola e acompanhá-lo.

O coronavírus, embora não escolha suas vítimas, expôs a brutal desigualdade de oportunidades educacionais em nosso país. Cabe aos governos e às escolas as escolhas corretas para que esse fosso não seja ainda mais ampliado.

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