Alexandre Schwartsman

Consultor, ex-diretor do Banco Central (2003-2006). É doutor pela Universidade da Califórnia em Berkeley.

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Alexandre Schwartsman

Reformas não serão aprovadas por quem não as defender na eleição

Crença de que um governo pode se eleger omitindo o que quer fazer é claro caso de wishful thinking

A então presidente Dilma Rousseff empossa Joaquim Levy, que era vice do Bradesco, como ministro da Fazenda
A então presidente Dilma Rousseff empossa Joaquim Levy, que era vice do Bradesco, como ministro da Fazenda - Alan Marques - 21.dez.15/Folhapress

Alertei novamente na semana passada sobre as perspectivas complicadas para as contas públicas nos próximos anos caso não avancemos com reformas que reduzam o grau de rigidez dos Orçamentos.

Soa repetitivo, sei, mas, dado que ninguém parece querer tratar do assunto e não falta quem negue a existência do problema, fazer o quê?

Há, porém, os que, embora de acordo acerca do mau estado das finanças públicas, acreditam que haverá conserto, independentemente de quem for eleito em 2018.

O exemplo, frequentemente citado, é o comportamento observado no primeiro governo Lula, quando, apesar de retórica em contrário (em 2001, é bom lembrar, o PT apoiou um referendo sobre o não pagamento da dívida), houve aprofundamento do ajuste fiscal. 

Naquele momento, a despesa federal caiu de R$ 614 bilhões em 2002 para R$ 590 bilhões em 2003 (a preços de hoje), e o superavit primário do setor público se manteve até 2008 na casa de 3,5% do PIB.

É um bom argumento, mas acredito que não se aplica às condições atuais. Em primeiro lugar porque o problema fiscal não era tão agudo. Entre 1999 e 2002, por exemplo, o superávit primário médio já superava 3% do PIB. Não havia, pois, necessidade premente de um ajuste considerável. Assim, por mais que uns e outros esperneassem, o esforço fiscal adicional foi relativamente modesto comparado ao que se acredita ser necessário hoje.

Em segundo lugar, porque as condições políticas não poderiam ser mais distintas. Em que pese a ambiguidade da “Carta ao Povo Brasileiro”, o desempenho fiscal no primeiro governo Lula não foi percebido como afronta ao que foi dito na campanha, a não ser, é claro, pelos economistas do PT, devidamente excluídos (ainda bem!) da tarefa de gerir a política econômica naquele momento (quando assumiram, nos colocaram na pior recessão dos últimos 40 anos).

Já a experiência do segundo governo Dilma não poderia ser mais ilustrativa. Depois de negar, anos a fio, a existência de problemas e sugerir, durante a campanha, que banqueiros roubariam a comida dos pobres, a ex-presidente colocou como ministro da Fazenda um vice-presidente de um dos maiores bancos privados do país (e apenas porque o presidente do dito banco recusou o convite) e tentou, de forma desastrada, reverter o rumo de sua (não menos desastrada) política econômica.

O fracasso veio daí, não de “pautas-bomba”, o atual mimimi dos responsáveis pelo fiasco. A começar porque seu próprio partido jamais apoiou a iniciativa; ao contrário, quando não se omitiu, simplesmente a sabotou. E também porque a população, ao perceber o logro de que fora vítima, se mostrou indignada: a popularidade do governo, que superava 40% no final de 2014, despencou para menos de 10% seis meses depois. A perda de apoio no Congresso (e, portanto, sua incapacidade para avançar a pauta de reformas) resultou desses processos.

À luz da história recente, a crença de que um governo pode se eleger omitindo o que pretende fazer para, uma vez no poder, aprovar medidas complexas e impopulares me parece um claro caso de esperança ilusória (wishful thinking).

Reformas não serão aprovadas por quem não as defender na eleição e tentativas em contrário podem nos levar a crises políticas tão graves quanto vivemos em 2015-16.

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