Alexandre Schwartsman

Consultor, ex-diretor do Banco Central (2003-2006). É doutor pela Universidade da Califórnia em Berkeley.

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Debate econômico não progride sem entendimento dos números

Efeitos da reforma trabalhista no emprego só devem se materializar em prazos bem mais longos

Desempregados procuram vagas no centro de São Paulo
Desempregados procuram vagas no centro de São Paulo - Danilo Verpa - 17.nov.17Folhapress

Quando falamos do mercado de trabalho no Brasil, há números para todos os gostos: a taxa de desemprego, que havia caído para 11,8% em dezembro, subiu para 13,1% em março, culpa, claro, da reforma trabalhista.

Por outro lado, houve criação de 195 mil postos de trabalho formal no primeiro trimestre do ano, prova inequívoca de que a reforma trabalhista teve resultados extraordinariamente positivos. Onde está a verdade?

Ora (direis), se buscamos a verdade nos dados, é preciso entendê-los. A começar porque, como escrevi uns meses atrás, o comportamento do mercado de trabalho não é uniforme ao longo do ano, o que, aliás, é uma característica de quase tudo o que interessa na economia.

Não tenho dúvida, por exemplo, de que ririam de quem afirmasse que a economia estava “bombando” no fim do ano passado porque as vendas no varejo em dezembro cresceram 23% na comparação com novembro (“e o Natal, cara-pálida?”) ou de quem tomasse a queda de quase 11% da produção industrial no mesmo intervalo como evidência de uma profunda recessão em curso (“e o Natal, cara-pálida?”).

Fato óbvio, mas negligenciado quando se fala do mercado de trabalho, é que há um comportamento sazonal visível nas variáveis econômicas: vendas crescem no Natal, a produção industrial cai durante o Carnaval e, no caso do emprego e do desemprego, as coisas não são diferentes.

Tipicamente a taxa de desemprego sobe de dezembro a março e aí cai gradualmente para atingir o menor nível do ano em dezembro, quando então reinicia o ciclo. 

Processo semelhante ocorre com a criação de vagas com carteira, exceto que, por questões de registro, é em dezembro que costuma haver forte queda do emprego formal, mesmo em anos de grande expansão (em 2010, por exemplo, ano em que foram criados mais de 2 milhões de postos, houve retração de 400 mil em dezembro).

Há duas formas de lidar com o problema. Ou comparamos sempre com o mesmo mês do ano anterior (e perdemos a informação do que ocorreu no meio do caminho) ou fazemos o que se convencionou chamar de ajuste sazonal, isto é, “limpamos” por meios estatísticos as flutuações puramente sazonais, o que nos permite concentrar no comportamento “real” da série.

No caso, o desemprego de 13,1% em março deste ano compara-se a 13,7% no mesmo mês de 2017, redução de 487 mil no número de desempregados. 

Já fazendo o ajuste sazonal notamos que o desemprego atingiu um pico de 12,9% no primeiro trimestre de 2017, caiu para 12,8% no segundo trimestre, 12,6% no terceiro, registrou um leve aumento para 12,7% no quarto e voltou a cair para 12,3% no primeiro trimestre deste ano.

Da mesma forma, a geração de empregos formais foi negativa até o terceiro trimestre do ano passado, voltando a terreno positivo no quarto trimestre (134 mil postos) e no começo deste ano (106 mil).


Houve, portanto, redução modesta do desemprego desde o começo de 2017 e retomada, também moderada, das contratações formais, esta última fenômeno mais recente, desenvolvimentos que reforçam a percepção de uma economia que se recupera lentamente.

A propósito, nada disso guarda qualquer relação com a reforma trabalhista, cujos efeitos só devem se materializar em prazos bem mais longos, mas serve para ilustrar como o debate econômico não progride se não houver um pouco mais de entendimento dos números e um pouco menos de desonestidade por parte de alguns analistas.

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