O que não faz uma eleição: de uma hora para outra, Marcelo Crivella está preocupado com a população de rua, cidadãos para os quais, durante quatro anos de mandato, ele não mandou um oi.
Com a campanha à reeleição em crise —pesquisas indicam a possibilidade de o ex-bispo não disputar o segundo turno—, a prefeitura anunciou o censo da calçada. O levantamento será feito em apenas quatro dias e deverá embasar um pedido à Justiça para internações compulsórias, com a justificativa de que os moradores em situação de rua ajudam a disseminar a Covid. Crivella argumenta que eles têm causado "constrangimento à população formal". É o novo higienismo, doutrina recuperada do século 19.
Em meio à pandemia, espanta o conhecimento científico dos candidatos. Em São Paulo, Celso Russomanno —a quem Bolsonaro tem demonstrado mais apoio do que a Crivella— disse que os moradores de rua são mais resistentes ao coronavírus porque não tomam banho.
A Academia Brasileira de Letras —não a de Medicina— pode ajudar a esclarecer a confusão. Em seu portal, a ABL lançou o projeto Novas Palavras, que toda semana irá apontar uma expressão da moda. A primeira foi o neologismo "aporofobia", já dicionarizado na Espanha. Significa repúdio, aversão ou desprezo pelos pobres ou desfavorecidos. Seu campo de atuação é farto no atual Brasil, cujo governo ensaiou privatizar o SUS. É para quem pensa e age assim que Crivella está se dirigindo em busca de votos.
Pergunto-me onde o prefeito --que sucateou o sistema de saúde e os albergues de assistência social-- pensa alojar toda essa gente que constrange os ricos. Nos anos 60, com a remoção de favelas na zona sul do Rio, o jornal Última Hora fez uma série de reportagens denunciando aquela que ficou conhecida como Operação Mata Mendigos. Os infelizes teriam dois destinos: o rio Guandu e o rio da Guarda.
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