Todo carioca tem um temporal na memória. Pode ser uma lembrança banal —o dia em que, surpreendido pela chuva, ficou preso num botequim e comeu pela primeira vez um ovo colorido. Ou uma tragédia: a morte de um parente, de um amigo, nas enxurradas que transbordam rios, alagam ruas, deslizam morros, deixando a cidade submersa. Como na canção "Futuros Amantes", de Chico Buarque: "Os escafandristas virão/ Explorar sua casa/ Seu quarto, suas coisas".
Ao comentar a terrível enchente de 1967, Nelson Rodrigues escreveu que sua vida se dividira em duas: antes e depois da chuva. O prédio em que morava seu irmão, o jornalista Paulo Rodrigues, com a mulher, dois filhos e a sogra, desabou. Os cinco morreram. Foi em Laranjeiras, onde o rio Carioca corre subterrâneo e às vezes se revolta.
O Rio convive com tempestades desde muito antes de Estácio de Sá, o fundador. Durante 450 anos o poder público se esforçou para ajudar na destruição com a ausência de medidas contra as enchentes. Mais preocupado com a reeleição, o governador Cláudio Castro, imóvel e sequinho dentro do terno, acompanha as chuvaradas atuais à janela do Palácio Guanabara.
Com a chegada do verão, a prefeitura anunciou um pacote de investimentos. Meio bilhão de reais para a contenção de encostas, obras de pavimentação e drenagem, novos sistemas de manejo d’água. Depois da praça da Bandeira —que em 2013 ganhou uma piscina para armazenar excessos dos rios Maracanã, Joana e Trapicheiros—, o alvo é o Catete, bairro que é sinônimo de alagamento.
Lembro-me de pouquíssimos dias de Natal sem chuva, mesmo que rápida e fina. As últimas pancadas provocaram a derrubada de quase 150 árvores. A maioria delas está doente e com as raízes confinadas em espaços pequenos. A Fundação Parques e Jardins é hoje um puxadinho da Comlurb, responsável por cuidar da poda e conservação das árvores. É um milagre que elas não caiam sozinhas.
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