Álvaro Machado Dias

Neurocientista, professor livre-docente da Unifesp (Universidade Federal de São Paulo) e sócio do Instituto Locomotiva e da WeMind

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Álvaro Machado Dias
Descrição de chapéu guerra israel-hamas

A guerra Israel-Hamas aumenta ou diminui as chances da solução de dois Estados?

Pesquisa com autoridades internacionais e professores brasileiros indica possível inviabilização do projeto político

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A guerra Israel-Hamas reduz as chances da solução de dois Estados.

Eis o raciocínio, começando pelo que lhe ressalva: os ataques de 7 de outubro reforçam a percepção de que é insustentável manter o controle coercitivo que incide sobre os cerca de 5,5 milhões de palestinos que moram em Gaza e na Cisjordânia, dado o estímulo ao surgimento e à ação de células terroristas. Mesmo que o Hamas seja completamente eliminado, o que de forma alguma está garantido, a emergência de um substituto é tida como provável.

Edifícios destruídos na Faixa de Gaza por ataques de Israel - Kenzo Tribouillard - 17.nov.23/AFP

Há um rápido aumento do poder destrutivo das armas utilizadas pelos grupos insurgentes, colocando em xeque a eficácia do Domo de Ferro israelense. Projeções apontam que o Hezbollah possua mais de 100 mil foguetes com capacidade de atingir Israel e que esse potencial esteja crescendo rapidamente. A pacificação por meio da criação de um Estado Palestino é a única solução promissora existente, ainda que se considere que as animosidades continuem e até que os países possam entrar em guerra no futuro.

O apoio internacional a Israel está declinando em função da guerra em Gaza, enquanto crescem as mobilizações para que a União Europeia atue coordenadamente pela criação do Estado Palestino no pós-guerra, o que igualmente é visto como oportunidade geopolítica por chineses e outros.

Pesquisa da Ipsos americana, publicada em 15/11, mostra que a perspectiva de que os Estados Unidos devem apoiar Israel teve sua popularidade reduzida para 32%, enquanto a visão de que melhor seria o país atuar como mediador neutro no conflito atingiu 39% de apoio na população. Há um mês, a tendência era inversa.

Chris Jackson, vice-presidente da Ipsos EUA, gentilmente me passou os resultados de uma pesquisa conduzida antes dos atentados terroristas que mostrava que a manutenção do status quo palestino só era endossada por 33% dos americanos, taxa que deve ter caído de maneira relevante, em consonância com os outros índices. Biden, cada vez mais pressionado, vem enfatizando que a solução de dois Estados é o ponto-final dessa guerra, em linha com o que o representante prototípico do seu país quer ouvir.

Esses fatores são importantes, mas, na prática, acabam sendo sobrepujados por outros.

Existe um consenso entre os principais analistas internacionais de que o posicionamento da comunicação adotado pelo governo americano e seus pares europeus não se traduz em intenção firme de impor agendas. A lógica é que isso tenderia a expor Israel a graves ameaças.

A discussão sobre o pós-guerra, que é a de custos presentes em prol de ganhos futuros, deve se aquecer nos Estados Unidos enquanto estiver em curso a corrida presidencial, momento em que todo o foco de quem está no poder é depositado nas ações capazes de gerar retorno máximo em prazo mínimo.

Para além deste hiato, o histórico de movimentações da opinião pública sugere que o apoio às posições do governo de Israel pelos americanos volte a crescer após o fim da guerra, até porque esse tem em sua base grupos atuantes e influentes e Gaza sairá das manchetes.

Logo, a criação do Estado palestino seguirá no âmbito das conjunturas estratégicas israelenses, por mais que seja verdade que o país dependa umbilicalmente dos Estados Unidos, onde o governo e a opinião pública já assumiram posição.

Do outro lado, existe também resistência à solução de dois Estados pelos palestinos, ainda que prevaleça o entendimento de que uma saída negociada é desejável. A guerra tonifica essa orientação dialógica, mas não há acordo possível sem a remoção dos assentamentos na Cisjordânia, os quais são estimulados pelo atual governo israelense.

"O triunfo por margem estreita do primeiro-ministro Benjamin Netanyahu nas eleições de Israel constitui uma grande vitória para a direita, ao passo que sua promessa de última hora de anexar a Cisjordânia significa um fim definitivo a qualquer processo de paz substancial" (Grace Wermenbol, 2019).

Pela via da radicalização, o líder do partido Likud, que assumiu como primeiro-ministro pela primeira vez em 1996, teve papel importante no fortalecimento do Hamas, que agora "retribui", de maneira tenebrosa, unindo o país sob a sua liderança, o que lhe é particularmente vantajoso, em função de questões que nada tem a ver com o conflito.

Em 2019, ele foi indiciado por acusações de corrupção, propina e outras e seu julgamento teve início no ano seguinte, mas não foi finalizado até hoje.

O prolongamento da guerra e a definição de um "day after" que envolva forte presença militar israelense em Gaza tendem a manter o status quo beligerante, o que mitiga o risco de Netanyahu ir parar na prisão, conforme exposto por Hélio Schwartsman em artigo brilhante do último dia 14, cuja linha-fina resume: "Agenda pessoal de Netanyahu não coincide com interesses de Israel".

Os analistas têm discutido a viabilidade de quatro desfechos para Gaza imediatamente após o fim da guerra.

O primeiro envolve redução do território efetivamente ocupada pelos palestinos, com ampliação das áreas de proteção que separam a porção habitada das fronteiras de Israel, em combinação com a presença constante de tropas deste país. Uma possibilidade adicional é que a parte norte do enclave torne-se completamente inabitável e assim permaneça, estimulando os processos migratórios para fora do território.

O segundo desfecho preconiza que a Autoridade Nacional Palestina assuma o controle de Gaza e crie uma gestão centralizada com a da Cisjordânia. Esse senso de unidade tenderia a facilitar a solução dos dois Estados, em um segundo momento, porém esbarra na baixa popularidade do órgão.

O terceiro pressupõe que a posição organizacional recaia nas mãos da ONU, que a manteria até o surgimento de condições para que os palestinos assumam o controle. Seu "endpoint" é o mesmo do anterior: criação de um Estado palestino.

Já o último faculta a gestão aos Estados Árabes, o que é pouco plausível, dada a oposição israelense e americana.

O primeiro-ministro de Israel milita pela primeira solução e sua estratégia bélica reflete isso. Caso se realize, as chances da solução de dois Estados cairão ainda mais. Há indícios de que se trate do desfecho mais provável, especialmente em formato atenuado, com a presença de observadores e investimentos internacionais para a reconstrução do norte de Gaza.

A despeito de Netanyahu estar com seus dias contados, as pesquisas mostram que seu grupo, tradicionalmente avesso à solução de dois Estados, vêm ganhando terreno na política israelense. Em março deste ano, o Pew Research mostrou que só 35% dos israelenses achavam que Israel e o futuro Estado palestino poderiam coexistir. Pesquisa dos últimos dias dá indícios de que essa taxa tenha caído para menos de 30%.

Esses dados indicam que as antes diminutas chances da solução de dois Estados evaporaram. Porém, dada a complexidade da questão, pedi para a Locomotiva Political Affairs (divisão de política e estratégia do Instituto Locomotiva) conduzir uma pesquisa breve sobre a questão e assuntos relacionados com autoridades internacionais e professores dos melhores departamentos de Relações Internacionais do país. Os resultados seguem abaixo, em primeira mão.



Diálogo com intelectuais de visibilidade global no debate sobre a Guerra Israel-Hamas

Você avalia que a guerra Israel-Hamas aumenta as chances da solução dos dois Estados quando tomamos como referência a situação imediatamente antes de 7 de outubro?

A resposta é claramente sim e claramente não. Os ataques do Hamas foram tão bárbaros que não há dúvidas que endurecem as atitudes, dentro de Israel, quanto às possibilidades de se discutir a paz. Centenas de reféns serão usados como elemento de barganha pelo Hamas, sendo que muitos morrerão no processo, tornando as coisas piores. Assim, a resposta curta é "claramente não". No longo prazo, pode ser "sim" porque os ataques demonstram que os palestinos querem uma nação tanto quanto os israelenses querem a paz. A solução dos dois Estados é a única via para que ambos obtenham o que desejam.

Embaixador Dennis C. Jett, professor titular da Universidade da Pensilvânia

Guerras precisam de soluções políticas. Se a guerra em Gaza terminar sem um processo que leve à solução dos dois Estados, as partes estarão fadadas ao conflito por muitos anos. Será difícil, pois tanto Israel quanto a OLP/Palestina precisam tomar decisões difíceis, elegendo novas lideranças.

Embaixador Daniel C. Kurtzner, professor titular da Universidade de Princeton

Eu acho que a solução dos dois Estados está morta. Israel a matou com os assentamentos na Cisjordânia, e a guerra em Gaza não irá reavivá-la. Esta é só uma fórmula conveniente para os políticos ocidentais, mas ela é sem sentido. Não há sentido em bater em cavalo morto.

Avi Shalim, professor emérito de relações internacionais em Oxford

Eu acho que a resposta é sim e não. É sim porque a maioria, mesmo em Israel, parece ter entendido que a questão palestina não pode ser mais "gerida" como antes; ela precisa ser resolvida. É não porque o presente governo de Israel e a presente liderança palestina são incapazes de evoluir para uma solução pacífica do conflito. Assim, apenas uma mudança de liderança pode facilitar o processo de mudança. Neste meio tempo, é possível aventar que o trauma dos ataques de 7 de outubro, aliado ao senso de insegurança, apenas radicalizará as políticas israelenses e, do mesmo modo, a destruição de Gaza deve gerar o mesmo efeito entre os palestinos.

Omer Bartov, chefe da cadeira de Estudos do Holocausto e Genocídio da Universidade Brown

Pesquisa quantitativa com professores dos departamentos de Relações Internacionais mais bem-ranqueados no Brasil

Reflexões de professores dos departamentos de Relações Internacionais mais bem-ranqueados no país

A resposta do atual governo de Israel atende mais aos interesses da extrema direita que o integra do que aos do povo judeu e do próprio Estado de Israel.

Antonio J. R. da Rocha, diretor do Instituto de Relações Internacionais da UnB (Universidade de Brasília)

A guerra tensiona a ideia de que Israel seja de fato um Estado democrático.

Rodrigo Augusto Duarte Amaral, professor, PUC São Paulo

Em termos gerais, as potências ocidentais estão respondendo muito mal aos desafios de segurança que estão sendo impostos. Tanto na Guerra da Ucrânia quanto no conflito entre Israel e Palestina, a resposta é guiada preponderantemente pela política doméstica.

Juliano Cortinhas, professor do Instituto de Relações Internacionais da UnB (Universidade de Brasília)

Hamas e o governo de Israel compartilham como objetivo estratégico fundamental a inviabilização do projeto de dois Estados. Assim, o conflito atual —com os atos terroristas do Hamas e as violações ao direito humanitário por Israel e pelo próprio Hamas— reflete essa intenção das duas partes, que, assim, paradoxalmente, podem ser consideradas vitoriosas.

Pedro Dallari, professor titular da USP

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