– Peço desculpas por ligar para isso, mas gostaria de sugerir que você escreva sobre a perda de perspectiva das pessoas. O que está acontecendo é desumano, disse o jornalista Jorge Duarte.
– Nada a desculpar. Pode falar.
Em tom de desabafo, ele apresentou seu ponto de vista sobre o quanto a sociedade brasileira tem se valido de "rótulos formais" para mascarar situações gravíssimas. E como a ignorância a respeito de fatos históricos pode ser danosa à democracia.
Lembrei do livro da nigeriana Chimamanda Ngozi Adichie, "O perigo de uma história única", onde ela destaca que contar histórias envolve poder, ou seja, habilidade para fazer com que a sua versão seja a definitiva.
Talvez isso seja o que tornou hábito no Brasil a responsabilização da vítima. Por aqui, não é de hoje que a história vem sendo contada sob a perspectiva do agressor. E, quando o preconceito interage com várias formas de discriminação chamadas por nomes pomposos (capacitismo, etarismo, injúria racial), a desumanidade toma o lugar da empatia e da solidariedade.
Convive-se diuturnamente com o racismo a ponto de uma criança branca perguntar a outra, negra, na escola, em SP: "Quer ser meu escravo"? Ainda assim, muitos têm a pachorra de dizer que racismo no
país é "mimimi" de preto.
Chegou-se ao cúmulo de humilhar uma mulher por ingressar na universidade aos 40 anos! Quem é estuprado está sujeito a ouvir o comentário: "com aquela roupa, queria o quê?".
País afora, olha-se com "estranhamento" para pessoas que não se identificam como cisgênero, e mata-se outras tantas pelo "pecado" de serem mulheres.
Os brasileiros precisam lembrar que a nobreza da alma e a nobreza de ação não podem andar separadas. Desculpas esfarrapadas do tipo "fui mal interpretado", "não dá para falar mais nada", "você é muito sensível", "não foi nesse contexto" não podem ser aceitas para maquiar violações de direitos ou desqualificar quem se insurge contra elas.
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