Ana Paula Vescovi

Economista-chefe do Santander Brasil

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Descrição de chapéu PIB juros

Um ajuste pelo lado da receita

Plano de voo do governo passa por forte aumento da arrecadação

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Com base no novo marco fiscal proposto, o governo apresentou metas bastante ousadas para a realização de um ajuste nas contas federais de 2% do PIB até 2026. Seu alcance dependerá de um aumento de 2,3% do PIB em receitas para a União, ou cerca de 4% do PIB na carga tributária total para a sociedade.

Temos alertado para os desafios embutidos nessa estratégia, algo que também permeou, em similar magnitude, o ajuste realizado entre 1998 e 2002, fundamental para sustentar o Plano Real. Uma consequência foi a forte elevação de incentivos fiscais nos dez anos subsequentes, para contrapor o que grupos de interesse alegavam ser perdas de isonomia competitiva entre setores e países.

Após 20 anos, a economia brasileira apresenta carga tributária ainda mais elevada, subsídios federais de 4,5% do PIB, orçamento público mais rígido, dívida pública alta e ascendente, PIB potencial mais baixo, com menor força do bônus demográfico. Desde a crise de 2015/2016, tentativas de aumentar receitas não têm sido bem-sucedidas na esfera federal, embora sejam meritórias ao tentar cobrir lacunas legais, aumentar a justiça contributiva ou tributar atividades ainda não alcançadas pelo fisco.

O ministro da Fazenda Fernando Haddad - Ueslei Marcelino - 2.mai.2023/Reuters

O plano de voo do governo passa por recuperação pontual de receitas federais, pelas reformas tributárias, primeiro dos impostos indiretos e depois da renda, e por redução de benefícios.

Medidas pontuais foram encaminhadas logo de partida, numa tentativa de recompor a arrecadação, após reduções tributárias que alcançaram 0,7% do PIB no ano passado.

Somados os impactos, a denúncia espontânea de contribuintes ao Carf (Conselho Administrativo de Recursos Fiscais), a reoneração do PIS/Cofins sobre combustíveis e a exclusão do ICMS da base de créditos de PIS/Cofins tendem a alcançar 0,5% do PIB em bases anuais, embora com possíveis efeitos redutores em outros tipos de receita, como aqueles sobre lucro das empresas.

Na segunda rodada de anúncios, o governo prepara a tributação de jogos eletrônicos, mudanças na regulamentação de preços de transferências (valoração de bens para evitar arbitragens tributárias entre empresas localizadas aqui e no exterior), a contabilização de benefícios estaduais no ICMS para fins de apuração do Imposto de Renda das companhias incentivadas e a tributação de fundos de investimento no exterior. Estimamos arrecadação líquida de cerca de 0,5% do PIB em bases anuais com essas medidas, já incluindo estimativa para possível taxação de fundos exclusivos.

Além desse 1% do PIB, seria necessário mais 1,3% do PIB (cerca de R$ 130 bilhões) para o governo federal cumprir a meta de zerar o resultado primário em 2024. E, ainda, como se vislumbra queda cíclica de receitas em razão da desaceleração da atividade, parte do esforço de recuperação pode vir apenas para atenuar tal perda.

Não acreditamos em ganhos arrecadatórios provenientes das reformas ou da possível redução de benefícios fiscais.

No caso da reforma do IVA (Imposto sobre Valor Agregado), a redução possível de benefícios viria para viabilizar alíquota menor do novo imposto, que substituirá outros cinco. Vemos boa probabilidade de aprovação, mediante compromissos com a neutralidade arrecadatória. Mas será necessário tempo para regulamentação (leis complementares) e implementação de novos sistemas automatizados de arrecadação.

Acreditamos na introdução gradual de um novo IVA no Brasil a partir de 2025, sem confiança em que o Congresso possa antecipar receitas, dadas as dificuldades de uma economia em contração cíclica. Tudo isso contribuirá para importantes ganhos de produtividade a longo prazo, com impacto de até 20% no PIB em 15 anos, segundo estimativas do Ministério da Fazenda.

A aprovação da reforma da tributação da renda terá maiores dificuldades para mobilização da base, embora seja meritória por enfocar a progressividade. Aqui, há muita demanda de "equalização" de carga para pouca fonte de financiamento, com risco de perdas arrecadatórias. A tributação de dividendos já foi mencionada como possível fonte para financiar a desoneração da folha de pagamentos, assim como o aumento da faixa de isenção individual para R$ 5.000 e a convergência do imposto corporativo para os padrões internacionais.

Por fim, tem-se enfatizado o largo espaço para redução dos gastos tributários (incentivos fiscais) com as reformas, mas há falta de consenso político para fazê-lo. Reduzir o valor de enquadramento no Simples, as deduções sobre o Imposto de Renda, os incentivos à Zona Franca de Manaus, ao agronegócio, ou às instituições sem fins lucrativos, focalizar as isenções da cesta básica (onde há até itens de luxo) ou eliminar incentivos sobre títulos do mercado de renda fixa (LCI, LCA, CRI, CRA, debêntures de infraestrutura) são temas que já foram testados e encontraram enorme resistência.

Em sentido contrário, as medidas na área de crédito anunciadas pelo governo ampliam substancialmente os tipos de título sujeitos a tais isenções.

Há, portanto, elevado risco de execução do plano de voo do ajuste fiscal. No fim do ano, haverá o teste do fim das desonerações sobre folha de pagamentos, previsto em lei, com o desemprego em curva ascendente. É necessário atentar que eventual aumento da carga tributária nessa magnitude elevará custos de produção, reduzirá o número de empresas viáveis, pressionará a criação de empregos, aumentará a demanda por mais transferências públicas, garantias soberanas e subsídios de diversas naturezas, ampliando distorções alocativas e, assim, reduzindo o PIB potencial.

O ajuste fiscal pelo aumento da carga tributária pode ser uma escolha legítima de uma sociedade que não quer abrir mão de maior presença do Estado na economia. Mas não se pode negligenciar todos os possíveis impactos dessa decisão a longo prazo. É sempre necessário mais de um período de governo para se descobrir isso.

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