Ana Paula Vescovi

Economista-chefe do Santander Brasil

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Ana Paula Vescovi

Interpretando a nova regra fiscal

Escolhas condizem com propostas de campanha, mas também com mais gastos e posterior busca por mais receitas

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Os Ministérios da Fazenda e Planejamento divulgaram as linhas gerais da proposta para nova regra fiscal, a ser enviada ao Congresso nas próximas semanas. A reação imediata dos mercados foi positiva: a curva de juros cedeu cerca de 0,2 ponto percentual, a Bolsa de Valores subiu quase 2%, e a taxa de câmbio se apreciou.

Algumas escolhas ficaram mais aparentes na forma do ajuste fiscal a ser tratado pelo governo. Será mais dependente da busca por novas fontes de receitas, mais gradual, mais flexível e menos previsível.

O cenário mais completo com parâmetros econômicos deve ser divulgado com o projeto da lei fiscal ou no escopo do PLDO (Projeto de Lei de Diretrizes Orçamentárias). Até o momento, com o conjunto de dados que temos disponível, há dificuldades para construir a ponte entre os elementos componentes da regra fiscal e o compromisso das metas de resultado primário, inclusive com as bandas de tolerância.
Vamos aos comentários, por partes.

Fernando Haddad e Simone Tebet em entrevista a jornalistas para anunciar novo arcabouço fiscal do governo, em Brasília (DF) - Diogo Zacarias - 30.mar.2023/Ministério da Fazenda

Em primeiro lugar, a regra indica uma banda para crescimento real da despesa primária, entre 0,6% e 2,5% ao ano. Ou seja, trata-se de uma regra bem mais flexível que o teto de gastos, que ditava a estabilidade no gasto primário real. Nesse caso, não há a leitura da indução de reformas estruturais no gasto público brasileiro, extremamente rígido, tampouco a necessidade de realizar escolhas perante espaço fiscal mais apertado.

Para termos uma ideia, as despesas previdenciárias
—que representam 44% do total de despesas primárias, após a reforma— tendem a crescer ao redor de 2,5% ao ano acima da inflação. Despesas de saúde e educação passarão a crescer na mesma taxa das receitas correntes líquidas, com a volta do critério proporcional vigente anteriormente ao teto (as despesas com saúde correspondem a 15% da receita corrente líquida, e as de educação, a 18%). Nesse caso, esperamos aumento pontual de R$ 30 bilhões no orçamento da saúde, que hoje se encontra abaixo do vigente na regra anterior.

O mesmo acontece com as emendas parlamentares. Esse conjunto representa 35% das receitas correntes. O Fundeb, o novo piso da enfermagem e parte dos precatórios continuarão fora da limitação de despesas, esta última rubrica acumulando saldos não pagos.

As propostas de recuperação gradual de valores reais do salário mínimo e dos salários reais dos servidores, por seu turno, deverão pressionar despesas com a folha de pessoal, com pensões e aposentadorias e benefícios da assistência social. Aqui falamos de um universo de 70% da despesa primária total.

Do lado das despesas discricionárias, que estão orçadas em 9% do total, já houve substancial elevação da base em 2023, o que pode facilitar a execução de compromissos de investimentos públicos mínimos. Mas aqui, novamente, ainda não temos números para elucidar o tamanho do compromisso.

Assim, a tarefa de cumprir o limite de 2,5% de crescimento real não será tão trivial perante compromissos já assumidos. E ainda há um outro limite a cumprir: a despesa dentro de um ano, ainda que dentro da faixa, não poderá ultrapassar 70% da variação da receita primária líquida recorrente dos últimos 12 meses.

Portanto, ainda que despesas vinculadas como saúde, educação e emendas parlamentares cresçam como proporção da receita corrente e outras despesas obrigatórias tenham dinâmica própria, o total das despesas primárias deverá crescer menos. Ou seja: há compromisso de destinar 30% do aumento de receitas à redução da dívida.

Contudo, apesar da difícil contenção do crescimento das despesas, os compromissos com metas de resultado primário em proporção do PIB (déficit de -0,5% em 2023, 0% em 2024, superávits de 0,5% em 2025 e 1% em 2026) são extremamente ousados, ainda que com bandas de tolerância de 0,25 ponto percentual.

Partindo do déficit de 1% do PIB estimado no mais recente relatório de avaliação bimestral do Tesouro Nacional, tratar-se-ia de um ajuste fiscal da ordem de 2% do PIB, similar ao realizado durante a vigência do regime do teto de gastos. O tamanho do esforço surpreendeu os agentes de mercado e, provavelmente, foi algo que ocasionou o otimismo retratado na melhora dos preços de ativos.

Para que a regra de despesa leve a tais resultados, será necessário um crescimento das receitas muito além do indicado pelos modelos estatísticos que as relacionam ao PIB. Sobretudo se considerarmos que a economia passará por um ciclo contracionista entre 2023 e 2024, crescendo muito provavelmente abaixo do PIB potencial.

Ademais, há previsão de queda do patamar extraordinário de receitas de dividendos e de vendas de ativos. Assim, fica subentendido que o governo deverá procurar por novas fontes de receitas permanentes entre 1,2% e 2,3% do PIB para cumprir as metas de resultado estipuladas. Isso seria algo próximo ao dobro para a receita bruta total, pois cerca da metade é repartida com entes subnacionais e fundos.

Se, devido às restrições mencionadas, as metas não forem cumpridas, a punição será reduzir a previsão de gastos no ano seguinte a 50% do crescimento da receita do ano anterior. Mas, ao nosso ver, ainda não há regra que impeça que o descumprimento se repita, acionando a mesma penalidade e, possivelmente, novos descumprimentos. E, assim, sucessivamente.

Por outro lado, se o resultado primário exceder o teto da banda, então o excedente poderá ser utilizado para despesas de investimentos.

Utilizando os parâmetros econômicos do próprio governo, calculamos que a média do crescimento das despesas primárias entre 2024 e 2027 tende a se situar ao redor de 2,2% ao ano. Valores que tendem a não estabilizar a despesa como proporção do PIB nesse período. O que mais uma vez nos reforça a hipótese de um necessário e relevante aumento de receitas para que as metas de resultado primário sejam cumpridas.

Caso esse aumento de receitas não ocorra, dado que esse é um fator sobre o qual o governo não tem controle, então veremos a dívida pública crescendo persistentemente e fora de uma trajetória de estabilização. Isso torna-se elemento-chave para o cumprimento das metas, e, sem uma solução crível para essa equação, o otimismo dos mercados pode não se sustentar.

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