Ana Paula Vescovi

Economista-chefe do Santander Brasil

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Ana Paula Vescovi
Descrição de chapéu PIB inflação indústria

Incerteza e baixo crescimento

A melhor prescrição para a política econômica é trabalhar na direção de trazer mais segurança para investidores

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O setor público no Brasil tem realizado, desde 2013, resultados primários abaixo do necessário para estabilizar a dívida. São dez anos consecutivos de desequilíbrios fiscais, quando a dívida pública cresceu de 52% e chegou a alcançar 87% do PIB no ano da pandemia. Nesse contexto, várias agências e analistas previmos que a dívida se aproximaria de 100% do PIB em poucos anos, o que voltou a acender um alerta sobre a fragilidade fiscal brasileira. Mas isso não ocorreu.

Onde erramos nos nossos prognósticos?

A charge tem o título "PIB recuou 0,2% no último trimestre de 2022" e mostra um grande buraco. No alto, aparecem Lula e o vice-presidente Geraldo Alckmin. Lula diz: - Bolsonaro deixou o PIB caído! Temos de levantrá-lo com investimento público! Tá ouvindo, Haddad! Haddad?!! Alckmin fala: Tente gritar mais alto, presidente! No canto superior direito do desenho há uma placa com o texto “Rombo para 2023 R$ 228,1 bilhões”.
Desejo e realidade - Cláudio/Folhapress

O primeiro erro foi relacionado à velocidade da recuperação pós-pandemia, muito acima do que todos estimávamos em razão das incertezas quanto ao efeito da vacina contra a Covid, à contenção efetiva do contágio e aos impactos dos inúmeros estímulos adotados. Estimávamos 3% de expansão do PIB em 2021, seguida de 1% em 2022. Embora estivéssemos na ponta otimista, o PIB cresceu mais forte: 5% e 2,9%, respectivamente.

O segundo foi relacionado à inflação. Estimávamos IPCA de 5% e convergência para o centro da meta (3%) já em 2024. A inflação, contudo, mostrou-se muito resiliente —também em outros países— e fechou 2021 em 10,1% (o dobro do que estimávamos). No ano passado, desacelerou para 5,8%, mas com a ajuda de cortes de impostos. A inflação se refletiu na expansão do PIB nominal (+16,9% em 2021 e 11,4% em 2022) e ajudou a inflar as receitas governamentais, arrecadadas em alta frequência. Segundo dados do FMI, o Brasil foi dos países que mais reduziram a dívida pelo componente inflacionário (16 pontos percentuais).

Assim, em 2022 o setor público brasileiro encerrou o segundo ano com superávit primário, com forte recuperação do PIB, mercado de trabalho resiliente e setor corporativo desalavancado. Em vez de crescer, a dívida recuou para o patamar de 72,9% do PIB no fim de 2022, também ajudada por revisões altistas do PIB nominal pelo IBGE. Então, por que os prêmios de risco continuam elevados e compatíveis com períodos recentes de estresse fiscal?

O ministro da Fazenda, Fernando Haddad, e o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT)
O ministro da Fazenda, Fernando Haddad, e o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) - Adriano Machado - 12.jan.23/Reuters

Começam a surgir questionamentos sobre a real gravidade do quadro fiscal. Ou se nós, analistas que nos debruçamos sobre o tema, seriamos excessivamente alarmistas. Mas os fatos são incontestáveis.

Desde a pandemia, limites vêm sendo testados. A regra fiscal foi modificada quatro vezes por emenda constitucional no Congresso, excepcionalizando 9,3% do PIB desde 2020, dos quais 4% foram posteriores à pandemia. Despesas vêm sendo represadas, assim como o déficit público, com a postergação do pagamento de precatórios (R$ 55 bilhões acumulados estão previstos como não pagos neste ano) e a sua não contabilização integral. Entre 2022 e 2023, estimamos que a despesa primária crescerá 4,5% em média, em termos reais.

A dívida bruta/PIB está cerca de 20 pontos acima da dos nossos pares, com o dobro da conta de juros, muito em razão da elevada necessidade de financiamento governamental; o nível elevado de despesas obrigatórias sobre as despesas primárias totais (92,8%) e da carga tributária (próxima de 34% do PIB) limita sobremaneira os espaços para um ajuste fiscal mais célere.

Ainda, 70% das despesas são indexadas à inflação passada, em uma economia com crescimento médio de apenas 1% após a crise de 2015/2016.

Para além dos fatos, incertezas pairam sobre o futuro.

Não se sabe ao certo qual será o efeito do ciclo contracionista sobre o resultado fiscal, e em que medida o resultado corrente será revertido pela desaceleração econômica e pela esperada desinflação. Ademais, há muita imprevisibilidade sobre quão duradouro e intenso será o ciclo de commodities, cujos preços devem ceder devido ao menor crescimento. Assim, há uma incerteza quanto a esses efeitos sobre as receitas do governo. As despesas previdenciárias tendem a crescer 2,5% ao ano ou mais, trazendo dúvidas para a estabilização desse gasto em proporção ao PIB, mesmo após a reforma de 2019.

No campo da política econômica, não se sabe como será o novo marco fiscal, o quão eficaz ele será na coordenação de expectativas e qual o tipo de compromisso político o sustentará. Da mesma forma, a aprovação de uma reforma tributária traz muitos riscos, por muitos detalhes que encerra e por ser intensiva em articulação política. Qual será a contribuição, caso seja aprovada, para a melhora do ambiente de negócios no Brasil, a longo prazo? E, finalmente, quem serão os novos membros da diretoria do Banco Central? Haverá mudança nas metas?

Incertezas domésticas e externas têm elevado os prêmios de risco embutidos na curva de juros. Nos juros de dez anos à frente, calculamos que esses prêmios tenham alcançado 4,5 pontos percentuais no período recente, nível mais alto desde a crise de 2008-2009, pressionando os juros futuros e aumentando o custo de capital. Estimamos que a taxa de câmbio se encontre R$ 0,75 acima do patamar que poderia estar, se livre de riscos.

O Brasil pode melhorar muito se diluir os prêmios de risco, o que também ajudaria a reduzir pressões inflacionárias correntes (câmbio mais apreciado) e a conter as expectativas de inflação para o médio e longo prazo. Por outro lado, eventuais falhas na construção de um ambiente macroeconômico mais seguro e previsível, mediante novas apostas de estímulos fiscais —ou até parafiscais— para estimular a atividade, poderão contribuir para alimentar uma espiral inflacionária.

Desta vez, mediante surpresas inflacionárias, os erros na projeção de cenários até poderão ser menores, mas a perda de confiança no combate à inflação poderá ser mais duradoura.

Trabalhar na redução das incertezas parece ser, portanto, a melhor direção para a política econômica e para o país.

No artigo anterior, no qual comentei sobre metas de inflação, cometi um erro ao escrever que a convergência para a definição das metas três anos à frente começou em 2016. Na verdade, começou em 2017, segundo ano do governo Temer. Agradeço ao ex-diretor do BC Carlos Viana pelo alerta.

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