Ana Paula Vescovi

Economista-chefe do Santander Brasil

Salvar artigos

Recurso exclusivo para assinantes

assine ou faça login

Ana Paula Vescovi

Vamos falar de abertura comercial?

Ao viabilizar a agenda de integração do comércio, Brasil pode fortalecer pautas técnicas, regulatórias, ambientais e sociais

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

O Brasil tem acelerado as tratativas para a finalização do acordo de comércio entre o Mercosul e a União Europeia, algo que começou a ser desenhado há mais de duas décadas.

Essa será a melhor notícia para o comércio global em muitos anos e, quem sabe, uma chamada para o reposicionamento da liberalização comercial e do modelo de globalização mais consciente e responsável.

São muitos os estudos empíricos que atestam os efeitos da liberalização comercial sobre o aumento da produtividade e do nível de renda, assim como da sua redistribuição. A entrada da China na OMC (Organização Mundial do Comércio) no início dos anos 2000 gerou um ciclo mundial de baixa inflação e crescimento robusto, alçando 800 milhões de pessoas pobres à classe média, mas trazendo fricções geopolíticas e ambientais.

Navio de carga é carregado com contêineres no porto de Santos - Carla Carniel - 16.set.2021/Reuters

Em tempos de brexit, de guerra comercial entre Estados Unidos e China e de disrupções geopolíticas graves, o tema da liberalização de comércio parece "fora de moda" e começou a ganhar conotações negativas.

Os subsídios em áreas estratégicas têm crescido, especialmente em países propulsores do comércio internacional. Os Estados Unidos elevaram sobremaneira a sua conta de subsídios em produção de chips, eletrificação veicular, energias renováveis, entre outros. A União Europeia tem adotado postura similar.

Para países como o Brasil, com nível mais baixo de renda, baixa produtividade e sem espaço fiscal, torna-se uma saída inteligente buscar a integração comercial em vez de dobrar suas apostas sobre subsídios diversos, os quais já somam 6% do PIB.

Embora contraintuitiva, a aposta histórica em proteção comercial vem contribuindo para asfixiar a indústria nacional.

O acordo entre Mercosul e União Europeia vai além da usual redução de tarifas e facilitações aduaneiras. Trata de questões regulatórias, incluindo serviços, compras governamentais, barreiras técnicas, medidas sanitárias e fitossanitárias e de propriedade intelectual.

Poucos sabem, mas uma das formas encontradas por setores da indústria brasileira para se fechar ao comércio internacional foi a criação de padrões técnicos específicos, não compatíveis com os adotados por outros países.

Assim, muito mais do que tarifas, as relações comerciais são dificultadas pelo fato de os bens transacionáveis não "funcionarem" fora das fronteiras nacionais, e vice-versa.

Ambas as regiões possuem vantagens comparativas relevantes. De um lado, Brasil e Mercosul são grandes produtores de commodities, especialmente alimentos, área em que somos detentores de tecnologias diversas. Sem dizer das fontes de energias renováveis e de descarbonização.

De outro, UE é relevante em automação industrial e poderá prover impulsos para maior dinamismo na indústria brasileira e dos demais países. Mais recentemente, temas ambientais, como a contenção do desmatamento e rastreabilidade, e sociais, como direitos humanos, também ganharam relevância.

Nas negociações, há uma assimetria no processo de redução de tarifas, ou desgravação, com a TEC (Tarifa Externa Comum) do Mercosul caindo mais gradualmente ao longo do tempo e em regimes diferenciados para alguns setores (especialmente automóveis e autopeças).

As tarifas no mercado europeu sofrem transição mais linear e rápida, barateando mais rapidamente esses produtos para os consumidores locais. As empresas ainda poderão utilizar em 100% dos casos os regimes drawback (suspensão de tarifas para industrialização de bens que serão exportados) na importação de insumos e buscar novas soluções e parcerias para se modernizar e crescer.

Segundo o Ministério das Relações Exteriores, atualmente apenas 24% das exportações brasileiras, em termos de linhas tarifárias, entram livres de encargos na UE.

Após as desgravações previstas, serão 99% do volume de comércio. Os consumidores das duas regiões ampliarão acesso a bens e serviços, com preços mais acessíveis.

No setor de serviços, serão incluídos telecomunicações, serviços financeiros, construção, engenharia, arquitetura, publicidade, serviços de distribuição, comércio varejista, consultoria e serviços de informática.

O acordo irá assegurar a vigência dos marcos regulatórios locais, o que tende a impulsionar a transparência e as discussões sobre segurança jurídica a investidores da UE que realizarem negócios e concretizarem investimentos no país.

Tudo sinaliza para uma reta final, após anos de esforços diplomáticos. Mesmo que aprovado entre as autoridades executivas representativas dos dois blocos, será necessária ainda a ratificação pelos Parlamentos de todos os países envolvidos.

Paralelamente, o Mercosul ainda avança na finalização de um acordo com Singapura. E, esperamos, tal avanço deve ativar as tratativas de entrada do Brasil na OCDE, que tende a ser o passo mais importante de todos. Seriam avanços significativos de integração brasileira ao comércio mundial e de impulsionamento da modernização do ambiente de negócios.

Para o Brasil, ainda amplificaria os impactos positivos da provável aprovação da Reforma Tributária de bens e serviços e do rol de reformas recentemente aprovadas no mercado de trabalho e na regulação da infraestrutura. Cadeias produtivas mais integradas são base para ganhos de eficiência e qualidade no atendimento a consumidores.

Seria uma conquista importante para elevar a confiança, num momento de ciclo monetário mundialmente favorável e com tanta escassez de boas notícias nos temas geopolíticos e internacionais.

LINK PRESENTE: Gostou deste texto? Assinante pode liberar cinco acessos gratuitos de qualquer link por dia. Basta clicar no F azul abaixo.

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Tópicos relacionados

Leia tudo sobre o tema e siga:

Comentários

Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.