Ana Paula Vescovi

Economista-chefe do Santander Brasil

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Atalhos

Criação de proteção cambial para investimentos estrangeiros não é a única, e nem a melhor saída para atrair investidores

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Temos lido matérias de jornais sobre a intenção do governo de implementar um fundo garantidor para prover proteção (hedge) cambial para investidores estrangeiros, especialmente em projetos sustentáveis. Cabe aqui um exame mais aprofundado sobre esse mecanismo, que teria como objetivo evitar que as flutuações da moeda interfiram no retorno esperado por quem aposta no país em longo prazo.

Vale comparar os custos e benefícios reais da adoção desse mecanismo, vis-à-vis as justificativas de mérito. E é preciso considerar a possibilidade de encontrar soluções mais efetivas para resolver a necessidade de retirar entraves ao crescimento das fontes de financiamento dos projetos, em especial os investimentos diretos no país (IDPs).

Moeda de R$ 1 e cédula de US$ 100 - Yasuyoshi Chiba/AFP

Segundo o noticiado, o problema identificado seria a redução dos IDPs no período recente —ainda que, na realidade, este não chegue a ser um problema macroeconômico, já que há folga no financiamento externo e cobertura mais do que suficiente dos déficits por IDPs.

A "falha de mercado" apontada seria o alto custo do hedge cambial privado no Brasil, basicamente reflexo dos diferenciais de taxas de juros entre países e do risco de crédito da contraparte envolvida.

Os elevados diferenciais de juros ocorrem muito por conta do nosso elevado custo de capital e dos prêmios de riscos macroeconômicos. Quanto maior a incerteza, maior o risco percebido, o custo da proteção e menor o número de investidores dispostos a tomá-la.

A criação de um fundo garantidor, com recursos públicos, seria financiada em última instância pelo aumento da dívida pública, dados os correntes déficits fiscais. Isso remete a problemas do passado recente, quando, por exemplo, o Fundo Garantidor para a Construção Naval (FGCN) foi dizimado pelas descontinuidades na indústria e pelo acionamento das garantias de contraparte contra o Tesouro. Não faltam casos de garantias do Tesouro que acabaram em perdas para a sociedade, tornando-se na prática subsídios a fundo perdido. A concessão de garantias pressupõe, por definição, um risco de agentes privados contra a sociedade.

Há, contudo, exemplos bem-sucedidos. Como a constituição, durante a pandemia, do Fundo Garantidor de Investimentos (FGI) e do Fundo de Garantia de Operações (FGO), para prover recursos de aval e de garantias a operações de crédito, especialmente para pequenas empresas e, assim, sustentar suas atividades durante o isolamento social.

Os incentivos desenhados, a gestão dos agentes operadores e a baixíssima inadimplência asseguraram a sustentabilidade dos fundos e das operações garantidas. Os benefícios foram estendidos e vêm sendo bem avaliados*. A criação desses instrumentos, embora transparente, elevou na mesma proporção a dívida pública. Ou seja, sempre há custo de oportunidade para o Tesouro.

Há, ainda, o argumento de que a proteção cambial poderia acelerar o investimento em descarbonização. Mas o problema de alto custo de hedge remete-se a todo IDP, não somente aos investimentos em redução de emissões ou na transição energética.

Estes investimentos sustentáveis tendem a ser destravados a partir da aprovação da lei do mercado regulado de carbono, assim como da definição das atividades que serão assim classificadas (taxonomia).

Ademais, estudo publicado pelo The Royal Society revela que o custo-benefício potencial para soluções climáticas no Brasil é pelo menos 3,5 vezes menor do que o dos demais países tropicais, apenas empatando com a Indonésia.

Estamos no caminho certo para destravar esse valor, que dobrou nos últimos dois anos e há muito mais a multiplicar. O Brasil também possui soluções competitivas na transição energética, por possuir matriz energética renovável e diversificada.

Um segundo ponto seria checar o eventual apetite de organismos multilaterais para prover garantias de contraparte para investimentos diretos estrangeiros. Não é uma atuação usual dessas instituições, mas poderia ser testada, em se tratando de acelerar pautas com claras externalidades —como os investimentos "verdes" em países emergentes industrializados.

As vantagens comparativas do Brasil, muito presentes na recuperação de áreas degradadas, podem atrair recursos para cumprimento de compromissos globais construídos no âmbito da Conferências das Nações Unidas sobre Mudança do Clima (COP).

Para o tema de investimentos verdes ainda há outro fator. O Tesouro Nacional está se preparando para fazer sua primeira emissão de títulos soberanos sustentáveis no mercado externo, referenciada em dólar.

A captação promete ser próxima a US$ 2 bilhões. Mas servirá para balizar o custo de futuras captações privadas no exterior, com a mesma finalidade. As primeiras rodadas com investidores estrangeiros tiveram muito acolhimento e, se tais operações conseguirem referenciar vários pontos no tempo, poderão alavancar futuras emissões privadas, lastreadas por projetos sustentáveis. Algo com retorno privado promissor e altíssimo retorno social e externalidades globais.

Há outros investimentos, contudo, especialmente na infraestrutura, também dependentes de fontes de financiamento externas, em complementação à baixa poupança doméstica. Ainda há a busca por relocalização de cadeias produtivas após os recentes conflitos geopolíticos, visando a sua reaproximação dos maiores mercados consumidores. Algo que pode contribuir para a reindustrialização brasileira.

Pouco ocorrerá, contudo, se não continuarmos os esforços solucionar a questão fiscal, de melhorar o ambiente de negócios, e de ampliar a segurança jurídica dos projetos. Essa sempre será a pauta principal, realmente capaz de reduzir o custo da proteção cambial de investimentos externos e atrair recursos, enquanto as demais constituem apenas atalhos

*BID (2022). Brasil: Fundos de Aval como mecanismos de garantia para micro, pequenas e médias empresas.

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