André Roncaglia

Professor de economia da Unifesp e doutor em economia do desenvolvimento pela FEA-USP

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André Roncaglia
Descrição de chapéu BNDES

Adjetivos e desonestidade no debate sobre a atuação do BNDES

Mas, ao fim, avançou a discussão construtiva sobre a política industrial

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Em sua réplica ao meu artigo que contesta suas alegações sobre a atuação do BNDES, meu colega Marcos Mendes expôs sua visão dos "fatos". Após usar termos como "neonarrativa" e "granaduto", Mendes ressentiu-se de os "adjetivos" se voltarem contra ele.

Contudo, em vez de argumentos, repetiu-se o alarmismo prenhe de distorções (ou paranoia). Afirmou que o banco faz "empréstimos a países desprovidos de capacidade de pagamento", quando se sabe que o financiamento à exportação de serviços não beneficia países, mas, sim, as empresas brasileiras e que —como ocorre em 90 países— conta com fundo garantidor de exportações (que não usa recursos do contribuinte).

Há precedentes nessa prática do autor. Em seu artigo "Neonarrativa", suprimiu (deliberadamente?) a palavra "talvez" (perhaps) da citação do livro de Mark Koyama e Jared Rubin, os quais sugerem que o desenvolvimento sul-coreano se dera "talvez apesar do pesado papel do Estado", impondo aos autores uma falsa convicção. Parafraseando Cazuza: mentiras sinceras lhe interessam?

Quando contestado, o colunista desloca o foco. Ao ter refutada sua comparação da atuação do banco entre 2008 e 2014 ao Plano Marshall, alegou se tratar de "questão lateral". Fez o mesmo com minha crítica à sua leitura do estudo do CMAP (Conselho de Monitoramento e Avaliação de Políticas Públicas): mudou o foco de (sugestionada) corrupção do BNDES para sua eficácia e destacou trechos selecionados do artigo de Barboza et al (2023) para confundir o leitor. Cito apenas três.

Primeiro, 70% dos efeitos mapeados pelos 48 estudos analisados atestam efeitos positivos da atuação do banco, o que nega a alegação de que pesquisas "estão longe de apontar sucesso". De fato, não se encontrou efeito positivo sobre a produtividade. Todavia, é inadequado rechaçar a atuação do banco com base nesse critério, uma vez que "os instrumentos do BNDES não tinham, em sua concepção, foco explícito no desafio do aumento da produtividade" (Barboza et al 2023, p. 659).

Segundo, o suposto "efeito temporário" sobre o emprego foi encontrado por um único estudo —ou seja, nada representativo— que investiga os efeitos da construção de hidrelétricas (muitas delas apoiadas pelo BNDES) no nível dos municípios. Ao contrário, há ampla evidência de impactos positivos do BNDES sobre o emprego —talvez a variável de interesse com mais consenso—, mas também sobre investimentos, exportações, atividade local e agregada e redução do desmatamento.

Terceiro, os desembolsos do BNDES adicionam investimentos que não ocorreriam na ausência do apoio do banco. Tais efeitos aparecem apenas em avaliações cujas bases de dados consideram, principalmente, micro, pequenas e médias empresas (MPME), mais representativas do universo de firmas brasileiras e do número de operações do BNDES. Com efeito, ampliar a representatividade das MPME em termos do volume dos desembolsos parece um bom caminho.

Como sua missão é "viabilizar soluções financeiras que agreguem investimentos para o desenvolvimento sustentável da nação brasileira", o BNDES vem combinando crédito a taxas de mercado (TLP) com taxas direcionadas. Na atual iniciativa, o uso de eventuais subsídios implícitos —na formatação de ecossistemas produtivos repletos de externalidades e incertezas—, além de ser justificado pela literatura acadêmica, tem limites estabelecidos por lei.

Em vez de reconhecer o avanço na transparência das medidas recentes, Mendes vaticina que essas políticas crescerão e se arraigarão. Julgar uma política que ainda não foi efetivada aquece o debate, mas não o ilumina.

Ao final, Mendes pareceu se render a uma discussão construtiva sobre as condições de sucesso de uma política industrial. Fico satisfeito por ter ajudado. A fila andou.

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