Marcos Mendes

Pesquisador associado do Insper, é organizador do livro 'Para não esquecer: políticas públicas que empobrecem o Brasil'

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Descrição de chapéu BNDES indústria

Premissas equivocadas para justificar subsídios e proteção à indústria

'Neonarrativa' do BNDES enfeita com nome novo coisa velha

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Diretores do BNDES publicaram nesta Folha, em 8 de junho, o artigo "O BNDES no centro da neoindustrialização". Argumentam que: (1) o único caminho para o desenvolvimento é a indústria manufatureira; (2) no Brasil, agricultura e serviços têm baixa densidade tecnológica, não sendo capazes de gerar crescimento sustentado; (3) todos os países protegem suas manufaturas, também devemos fazê-lo para não ficarmos para trás.

No livro "How the world became rich: the historical origins of economic growth", Mark Koyama e Jared Rubin fazem ampla revisão das teorias sobre o que permite a um país atingir alta renda. Ao fazê-lo, mostram caminhos mais variados que a receita única da "industrialização" via proteção da manufatura nacional.

O livro aponta que o sucesso vem da combinação de diferentes fatores institucionais (como liberdade de comércio, bom ambiente de negócios, bons serviços públicos), cultura (por exemplo: valorização da educação e confiança em terceiros), geografia (como facilidades de transportes, tamanho do mercado interno) e "cicatrizes" da herança colonial, que muitas vezes criam instituições e cultura prejudiciais ao desenvolvimento.

Prosperam as nações que conseguem superar condições adversas e tirar proveito das favoráveis. O importante é que as pessoas sejam instruídas, com capacidade para inovar ou usar métodos inovadores; que as oportunidades de criação de valor, inovação e absorção de tecnologia via comércio internacional sejam exploradas; que o governo faça a sua parte na provisão de bens públicos e não interfira excessivamente, impedindo a alocação eficiente de capital.

Vale citar os autores (em tradução livre): "É um erro supor que a única maneira de um país enriquecer é por meio da industrialização. Embora isso tenha acontecido na Grã-Bretanha, nos Estados Unidos e na Alemanha, também houve países que enriqueceram sem se industrializar. Entre eles estão Dinamarca, Holanda, Austrália e Nova Zelândia. Eles foram capazes de se especializar na produção ou processamento comercial de alimentos, geralmente para mercados de exportação. Isso exigiu mercados internacionais e algum grau de globalização. (...) [e] envolveu a aplicação de ideias científicas, mas à produção de alimentos, não à manufatura". (p. 189, grifo em itálico no original).

Criação de cervos selvagens na Nova Zelândia - Divulgação

Nossa agricultura tem seguido este caminho: muita pesquisa e inovação, inserção competitiva no mercado internacional e acesso a tecnologias e insumos importados. A produtividade cresce em ritmo muito superior ao de outros setores. As nossas poucas empresas manufatureiras de sucesso, como Embraer, Natura ou Weg, seguem a mesma receita: internacionalização e acesso a insumos e tecnologias importados.

Na medida em que condições institucionais, educacionais e de infraestrutura sejam criadas, novas empresas em diferentes setores terão ganhos de produtividade e a economia se diversificará e crescerá mais.

Jato comercial E195-E2 em produção na fábrica da Embraer m São José dos Campos (SP) - Nelson Almeida - 30.mai.22/AFP

Os defensores da proteção estatal às manufaturas nacionais apontam o caso dos tigres asiáticos como exemplo de sucesso. Os conglomerados sul-coreanos (chaebols) e suas benesses estatais são sempre lembrados. Koyama e Rubin argumentam que o "sucesso da industrialização sul-coreana [ocorreu] apesar do forte papel desempenhado pelo Estado" (p. 210, grifo em itálico no original), não por causa dele: "a economia sul-coreana foi submetida à disciplina imposta pelo mercado internacional (...) o sucesso dos chaebols dependia, em última análise, de sua capacidade de entrar nos mercados de exportação. (...)" (p. 210).

Em comparação direta com as nossas escolhas, afirmam que "as economias do leste asiático eram todas relativamente pequenas. Elas foram forçadas a confiar nos mercados internacionais. Escaparam da armadilha em que muitos grandes países em desenvolvimento caíram, contando com tarifas protecionistas e subsídios para apoiar as manufaturas domésticas. (...) [que] parecia plausível em países com grandes mercados domésticos, como Brasil e Índia. Tais políticas (...) frequentemente liberam os fabricantes nacionais da ameaça da concorrência internacional e encorajaram o rentismo e a corrupção" (p. 209).

É nesse modelo protecionista fracassado que o BNDES quer insistir. Embora o chame de "neoindustrialização", não explica o que seria "neo". O receituário é o mesmo de sempre: proteção e subsídios à produção de bens, escolhendo vencedores. Uma "neonarrativa", que enfeita coisa velha com nome novo.

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